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Política

Justiça eleitoral precisa de reforma e de quadro próprio para evitar impunidade, diz Maierovitch

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo afirma ser necessário uma reforma ampla da legislação para evitar que processos não fiquem pelo caminho pela falta de juízes e promotores exclusivos para as questões eleitorais

4 out 2024 - 17h11
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O jurista, professor, escritor e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) Wálter Fanganiello Maierovitch vê a necessidade de a Justiça Eleitoral ter juízes, promotores e advogados exclusivos para fortalecimento das eleições no País e, também, a sociedade ter respostas mais efetivas para o combate ao abuso de poder econômico, abuso de poder político e campanhas irregulares.

Da maneira que está, segundo ele, que atuou na Justiça Eleitoral, a prescrição é o caminho para a maioria das ações envolvendo crimes cometidos por candidatos. "Você conhece alguém condenado por injúria eleitoral, calúnia eleitoral, difamação eleitoral? Não existe. E por abuso de poder econômico só quando tem foro privilegiado, porque, caso contrário, também prescreve", citou durante entrevista ao Estadão.

Hoje, juízes e promotores eleitorais são originários da Justiça Estadual e são emprestados durante o período eleitoral. Para não ampliar gastos públicos com a exclusividade de membros, Maierovitch faz uma comparação entre a importância da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar. Para ele, a Corte Militar "tem passado e nenhum futuro".

Leia principais trechos da entrevista:

Na pré-campanha, no dia 1º de maio, o presidente Lula pediu voto explícito para Guilherme Boulos, o que é proibido pela legislação eleitoral. A multa, no entanto, vai de R$ 5 mil a R$ 25 mil. Em geral, a legislação eleitoral não está defasada?

Bom, tem vários pontos. O Tribunal Superior Militar e o Tribunal Superior do Trabalho têm quadros próprios. Já a Justiça Eleitoral não tem quadros próprios. Então, a Justiça Eleitoral pega emprestado os juízes dos Estados que viram juízes eleitorais. E o que que acontece em período não eleitoral? Os juízes ficam nas suas Varas trabalhando, porque são juízes estaduais. A mesma coisa acontece com os Tribunais Regionais. Os desembargadores também vão para o tribunal de origem para trabalhar. Então, a Justiça Eleitoral se torna um segundo plano.

Eu fui juiz eleitoral durante muito tempo. O que se observa? É que terminadas as eleições, tudo aquilo que foi objeto durante o horário eleitoral de crimes contra a honra, de abuso de poder, de abuso de autoridade prescreve com muita facilidade, porque com o Ministério Público também eleitoral acontece a mesma coisa. As apurações são muito demoradas, parece que acabou a eleição, então vão tocando e a legislação eleitoral fica sem alterações. No caso do Lula, como é que é que vai pagar essa multa? E os outros? Como é que pagam, a não ser por fundo eleitoral e fundo partidário? Quer dizer, não cai no bolso de ninguém. E o que vai acontecer com relação ao (Pablo) Marçal (candidato do PRTB em São Paulo), esses ataques à honra das pessoas? Isso vai gerar um inquérito, o inquérito vai enrolar, vai para a Justiça Eleitoral, crime eleitoral contra a honra é sempre ação pública, não tem crime de ação privada no eleitoral, é tudo público, depende do Ministério Público, fica dependendo de diligências, vai e prescreve. Você conhece alguém condenado por injúria eleitoral, calúnia eleitoral, difamação eleitoral? Não existe. E por abuso de poder econômico só quando tem foro privilegiado, porque caso contrário também prescreve.

Há necessidade, então, de a Justiça Eleitoral ter seus próprios quadros?

A Justiça Eleitoral precisa, primeiro, ter o seu quadro de juízes próprios, o seu quadro de promotores próprios. O que é mais importante: a Justiça Eleitoral ou um Tribunal Superior Militar? Tem passado (Justiça Militar) e nenhum futuro.

Cédula em papel utilizada nas eleições de 1990, em São Paulo: Maierovitch vê avanço contra fraude com a chegada das urnas
Cédula em papel utilizada nas eleições de 1990, em São Paulo: Maierovitch vê avanço contra fraude com a chegada das urnas
Foto: Sérgio Amaral/ Estadão / Estadão

Qual a vantagem do quadro próprio?

A ministra Cármen Lúcia (em entrevista ao jornal O Globo no dia 29 de setembro) fala sobre crime organizado (na política), mas ela não tem ideia do que foi a Sicília (no Sul da Itália) do crime organizado, onde a máfia que controla território tem controle social, tinha controle eleitoral. Ela fala sobre necessidade de vigilância permanente, que é um discurso de quinta categoria, de obviedades. Por que a Justiça Eleitoral não tem quadros próprios para trabalhar com tudo isso e corretamente? É uma continuidade, tem a jurisprudência.

O juiz eleitoral e o juiz do tribunal regional, que é por mandato, termina o mandato vai embora e não tem uma jurisprudência que vai se fixando. Um exemplo: o presidente do Tribunal Superior Eleitoral é ministro do Supremo, depois volta para o Supremo. Percebe que não há uma coisa fixa? Você não tem uma especialização, você tem gente que passa pelos tribunais, que tem lá o mandato de dois anos, renovado por mais dois, e você tem um quadro de juízes eleitorais de primeiro grau, que são juízes estaduais.

Há necessidade, então, de uma reforma ampla eleitoral?

Essa legislação eleitoral precisa ser mudada. A lei das eleições, veja, tem um problema sério também com relação à ação de investigação eleitoral, que é feita pelo próprio juiz. Então, é o próprio corregedor que faz toda a apuração. Depois, ele dá um voto e os outros acompanham ou não. Isso é uma coisa cuja constitucionalidade é duvidosa, não é?

Quem está investigando também está julgando...

Está julgando. Então, eu acho que tem várias coisas no Eleitoral que precisam ser repassadas. A Justiça Eleitoral surge com uma necessidade, porque antes dela o que tínhamos? O sujeito ia votar, cochichava para o responsável em quem ela ia votar, o sujeito ia embora e o mesário colocava o voto dele, marcava o voto dele. De tanta corrupção, o Brasil precisou criar a Justiça Eleitoral, que o Getúlio Vargas, durante a ditadura Vargas acabou, e depois a Justiça Eleitoral volta. Mas volta e não se especializa, ela não cria raízes, ela fica nessa, não tem corpo de magistrados e do Ministério Público próprios. Você tem vários lugares do interior, onde o cartório eleitoral é subvencionado pelas prefeituras, são pessoas da prefeitura. A Justiça Eleitoral precisa passar por um programa de plena revisão.

Outras mudanças são necessárias, como a questão do voto obrigatório?

Nós ainda não debatemos a necessidade de se manter ou não o voto obrigatório. Na Europa, o voto não é obrigatório. As eleições são até mais baratas se você não manter o voto obrigatório. Está se ensaiando agora na Europa os referendos. Isso no campo eleitoral é muito interessante, está se tentando fazer referendo, porque hoje você tem assinatura digital, então você pode dar um voto num sistema, à distância, e fazer referendo sobre várias questões, por exemplo, obrigatoriedade do voto. Sai barato, isso é feito por internet, e se você ainda não tiver um referendo, como exige a lei, para ter força vinculativa, pelo menos você tem a Justiça Eleitoral fazendo referendos, com o uso de um sistema de internet, para simplesmente se informar, e depois tomar providências, inclusive providências legislativas podem ser feitas, mas se usa muito pouco da consulta popular em termos eleitorais.

Há uma ação eleitoral sobre suposta utilização de monetização por parte de Pablo Marçal com vídeos que ele faz nas redes sociais. Esse problema pegou a Justiça Eleitoral de surpresa?

Sim, e outra coisa, a Justiça Eleitoral, sob o argumento que também é irrespondível, diz: se a gente tira um candidato e depois o processo não dá nada, ele foi tirado da eleição, e o que acontece se ele é absolvido? O que acontece se ele não é declarado culpado? Então, eles mantêm as pessoas na disputa eleitoral. O sistema cautelar, que é de afastamento, não existe, praticamente não existe, não se impõe. Se tivesse, volto àquele ponto, um quadro, jurisprudência, uma consolidação, uma Justiça consolidada, eu acho que a situação seria diferente, onde os juízes teriam confiança para as medidas cautelares, inclusive de enquadramento de um Pablo Marçal. Vai no debate e dá vexame, faz tudo o que faz. Então, alguém podia pedir cautelarmente à Justiça e a Justiça conceder, mas não, a jurisprudência dela é exatamente ao contrário. Veja com esse caso de monetização, o que está se esperando? Está se esperando o processo ser julgado? Só vai ser julgado depois da eleição.

Os partidos políticos não deveriam ser responsabilizados também pela pré-campanha irregular, compra de voto feitas pelos candidatos?

Nós caímos no campo da responsabilidade objetiva. O partido tem que ter responsabilidade objetiva sobre isso, porque é o partido que tem um procedimento, que defere os candidatos, que escolhe os candidatos.

Legislação partidária também deve ser revisada?

A legislação de partidos políticos também. Os partidos que viram partidos de aluguel. Isso tudo numa democracia não é possível.

O senhor acha exagerado o Brasil ter mais de 30 partidos?

É totalmente excessivo. E para ver que não funcionam, as pessoas votam em pessoas, não votam nos partidos, ainda que para você concorrer em uma eleição você tem que estar num partido. E o que conta se as pessoas não dão a mínima para o partido? Os partidos perdem o respeito. Teve um período que você tinha partidos que tinham uma linha, até a própria UDN era direita, mas tinha uma linha. Hoje não, qual é a ideologia dos partidos? Então, as pessoas votam na pessoa.

Como o senhor atuou na Justiça Eleitoral também, tivemos evolução nas últimas décadas?

Veja, eu peguei um período eleitoral no interior (de São Paulo), quando eu fui juiz no interior. Lá o que se via muito eram algumas coisas, como aquela história do sapato. O sujeito prometia um par de sapatos, dava um quando prometia e se ganhasse a eleição dava o outro pé, então formava o par. Você tinha aí o poder econômico forte, você tinha os coronéis, você tinha o argentarismo, você tinha ainda o problema de o próprio candidato ou o próprio coronel mandar votar, então pegava um ônibus e levava todo mundo. Foi mudando, foi até com o próprio progresso, os abusos foram sendo cortados, mas aparecem outros tipos, até com a evolução tecnológica, que a Justiça Eleitoral ainda não sabe dominar e o que fazer, com essa nova tecnologia, com esses abusos que passam com relação à internet, como o problema da monetização, então você tem sempre coisas novas, e por isso necessita de atenção.

O senhor já viu algo parecido com o que nós tivemos este ano, como cadeirada?

Na campanha atual, campanha com cadeirada, no interior tinha muito. Eu vou te citar um exemplo que ocorreu em Monte Alto (Região de Ribeirão Preto), quando eu era juiz. No dia da eleição, passou um avião jogando panfletos na cidade, então o que aconteceu? Veio a polícia me perguntar o que fazer. Eu respondi: esse avião subiu, ele vai descer. Quando descer, é só prender em flagrante esse pessoal, mas por favor traga esse pessoal para cá, porque eu quero lavrar o auto de prisão em flagrante. E assim foi. Então, o fato de o juiz ser mais ativo, dá bom resultado.

O senhor acredita que fica uma imagem desgastada da Justiça Eleitoral com essas situações, como multa baixa por pré-campanha irregular, cadeirada de um candidato em outro?

Se a gente olhar a Justiça Eleitoral, a gente vai ver uma escalada. Chegamos a Pablo Marçal, que ofende todo mundo, ofende a honra, mente, leva a cadeirada porque provocou. Então, todos esses cenários, a imagem da Justiça Eleitoral fica comprometida com uma imagem também que a Justiça, em geral tem, que já não é boa.

Mas houve uma modernização da Justiça Eleitoral com as urnas...

Eu acho que se a Justiça Eleitoral se modernizou em termos de urnas eletrônicas, de totalização de votos, da segurança com relação a isso, porque a gente sabia antes como era. Ao abrir a urna, você não sabia se tinha voto a mais do que estava na ata. Se a ata dava 30 pessoas (votantes), você podia abrir uma urna e ter 40 votos. Então, até você verificar se o mesário esqueceu de tomar assinatura de outras pessoas era um tempo enorme.

Fraude era mais fácil?

Inegável. Fraude era mais fácil. Então, hoje você tem esses mecanismos, você vê que é uma Justiça Eleitoral que se modernizou com relação às urnas eletrônicas, a totalização de votos, mas em compensação, por outros lados, você não vê. Continua tendo abuso de poder econômico, continua tendo abuso de poder eleitoral, abuso de poder de quem tem função e a Justiça que, do outro lado, não tem como fazer consultas populares referendarias plebiscitárias pra verificar, para melhorar o seu próprio corpo.

Estadão
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