Lava Jato duvidou de empreiteiro que incriminou Lula
Segundo diálogos, ex-presidente da OAS foi alvo de ceticismo de procuradores e mudou versão sobre triplex várias vezes
O ex-presidente da construtora OAS Léo Pinheiro, que incriminou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso envolvendo um tríplex no Guarujá, foi inicialmente alvo de desconfiança de membros da Operação Lava Jato, segundo mensagens trocadas entre procuradores. O conteúdo foi divulgado neste domingo (30/06) pela Folha de S. Paulo, após análise em conjunto com o site The Intercept Brasil.
Segundo o jornal, as mensagens foram enviadas por uma fonte anônima e indicam que o empreiteiro só passou a convencer procuradores depois de mudar diversas vezes sua versão sobre o apartamento no litoral, que a OAS teria reformado para Lula. O caso resultou na condenação do petista à prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
De acordo com a reportagem, Pinheiro apresentou a versão que acabou incriminando o ex-presidente em abril de 2017, mais de um ano depois de começar a negociar com a Lava Jato. Ao ser questionado pelo então juiz Sergio Moro, o empreiteiro disse que a reforma do tríplex tinha sido acordada com o PT em troca de contratos da construtora com a Petrobras.
Quando os advogados da OAS abriram negociações com a força-tarefa da Lava Jato, em fevereiro de 2016, Pinheiro, que já havia sido condenado por Moro por pagar propina à Petrobras e recorria da sentença em liberdade, foi alvo de ceticismo.
"A primeira notícia de versão do LP [Léo Pinheiro] sobre o sítio já é bem contrária ao que apuramos aqui", disse o procurador Paulo Roberto Galvão no início de março, segundo a Folha. "Estamos abertos a ouvir a proposta da empresa mas não nos comprometemos com nada."
No mês seguinte, Januário Paludo, também integrante da força-tarefa, teria dito: "Tem que prender Leo Pinheiro. Eles falam pouco. Me parece que não está valendo a pena."
Segundo a Folha, uma fonte que acompanhou as negociações entre a construtora e a Lava Jato disse ao jornal que, de início, o empreiteiro afirmou que o tríplex foi um presente que ofereceu a Lula sem esperar contrapartida. Diante da insatisfação dos procuradores, ele teria mudado sua versão mais de uma vez até chegar à final, que levou os procuradores a assinar um termo de confidencialidade com os advogados da OAS.
Em agosto de 2016, um vazamento sobre a Lava Jato contrariou os interesses da construtora. Uma reportagem da Veja afirmou que o ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Dias Toffoli foi um dos citados por delatores da OAS. Pinheiro teria afirmado que a OAS participou de uma reforma na residência do ministro em Brasília.
Diante do vazamento para a imprensa, os procuradores da Lava Jato teriam se sentido enganados pelos advogados da OAS. "Para evitar um atrito que poderia levar o STF a tomar medidas para frear o avanço das investigações, a Procuradoria-Geral da República decidiu então suspender as negociações com a OAS", diz a reportagem da Folha.
O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa em Curitiba, teria se oposto à suspensão das negociações, por ter interesse em informações relacionadas a políticos do PSDB que a OAS prometia fornecer. "Até fecharmos algo bom do PSDB, não dá pra descartar", teria escrito o procurador.
Já a procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia manifestou preocupação em relação a uma possível medida do STF. "Os anexos da OAS não valem isso. Na minha visão, são muito ruins, o adv Eh mal caráter e Léo Pinheiro Eh o empreiteiro com mais prova contra si", teria escrito no Telegram.
Dias depois, um novo vazamento da Veja indicou que a empresa revelou ter uma conta bancária clandestina para fazer pagamentos a Lula — algo que ainda não teria sido relatado à Lava Jato. "Nunca falaram de conta", teria afirmado o procurador Sérgio Bruno a colegas.
Moro mandou, então, prender Pinheiro devido a uma das investigações em que estava envolvido, interrompendo as negociações entre ele e a força-tarefa em Curitiba. Estas foram retomadas pela Procuradoria-Geral da República e a Lava Jato em março de 2017.
Em 24 de abril daquele ano, Pinheiro prestou depoimento e afirmou pela primeira vez aos procuradores da Lava Jato ter uma conta para administrar acordos com o PT e que orientou Lula a destruir provas da relação.
As informações permitiram que Moro estabelecesse uma ligação entre o tríplex no Guarujá e a corrupção na Petrobras, servindo de justificativa para condenar Lula.
Mensagens divulgadas no início deste mês pelo Intercept apontam que Deltan, Moro e outros procuradores se preocupavam com a fragilidade dos elementos que levaram à condenação do ex-presidente.
"Leo parece que está escondendo fatos também", teria escrito a procuradora Jerusa Viecili em agosto. Segundo a Folha, ela estranhava o fato de ninguém nunca ter mencionado destruição de provas antes de Pinheiro.
Para Dallagnol, um acordo com o empreiteiro, com redução de pena em troca de sua delação, poderia ser mal interpretado, diz a reportagem. "Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula", teria dito o chefe da força-tarefa aos colegas em julho, segundo o jornal.
Após meses de negociações, um acordo foi fechado entre procuradores e Pinheiro no fim de 2018. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda não o encaminhou ao Supremo para homologação, e Pinheiro segue preso.
Segundo a Folha, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba afirmou que o material apresentado pela reportagem não revela o contexto e não permite confirmar a veracidade do conteúdo. Esta foi a segunda reportagem publicada pelo jornal com base em mensagens obtidas pelo Intercept.
Lula foi condenado no caso do tríplex no Guarujá em primeira instância em 2017, por Moro, e teve sua condenação confirmada em segunda instância no ano seguinte. Ele começou a cumprir a pena em 7 de abril de 2018 na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso até hoje. Em abril deste ano, o STJ manteve a condenação, mas reduziu a pena de 12 anos e um mês de prisão para 8 anos, 10 meses e 20 dias.
Em fevereiro de 2019, o ex-presidente foi novamente condenado, a 12 anos e 11 meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro na ação penal sobre as reformas realizadas num sítio em Atibaia, no interior de São Paulo. A condenação foi em primeira instância, e, portanto, a pena ainda não está sendo cumprida.