Chefe da propina diz que Odebrecht pagou US$ 3,4 bilhões em 9 anos
O ex-chefe do "departamento da propina" da Odebrecht Hilberto Mascarenhas disse, em delação premiada, que seu setor movimentou cerca de 3,4 bilhões de dólares entre 2006 e 2014. Ao Ministério Público Federal (MPF), Mascarenhas disse que os recursos eram movimentados em contas offshore em paraísos fiscais ou pagos em espécie no Brasil.
O ex-executivo disse que alertou o então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, sobre os valores pagos em propina, que, segundo ele, estavam muito altos. "Estava preocupado, muita gente participando das obras, e pressionei. Fui a Marcelo várias vezes e disse: não tem condição, 730 milhões de dólares é bilhão [em reais]. Nenhum mercado tem essa disponibilidade de dinheiro por fora e não tem como operar isso. É suicídio", afirmou. Segundo ele, Odebrecht deu orientação de "segurar".
O ex-diretor do Setor de Operações Estruturadas disse que cada executivo responsável por obras da Odebrecht podia solicitar o recurso para fazer as obras andarem. Segundo ele, os gerentes das obras recebiam bônus se atingissem as metas definidas para cada empreendimento. "Se você der aquele resultado você ganha tanto. [Então] você quer que o mundo se acabe, [mas] você quer atingir aquela meta e colocar no seu bolso o seu milhão. Se fazia qualquer coisa que tinha que fazer", afirmou.
Segundo Mascarenhas, a prática foi banalizada. "Tem que tratar esse assunto como um extra, uma necessidade. Não como prazer de comprar alguém. Já estava virando um prazer de comprar [as pessoas], e isso me incomodava", disse, ao contar que os valores pagos pelo setor da propina caíram em 2014, depois que ele pressionou Odebrecht.
O ex-diretor relatou ainda, que para proteger a identidade de quem recebia a propina, o responsável por determinada obra da empreiteira dava um apelido para o beneficiário do dinheiro.
Planilha com nomes de políticos
Uma planilha anexada pelo executivo Benedicto da Silva Júnior, ex-presidente da Odebrecht, traz o nome de 179 políticos como destinatários de R$ 246 milhões em supostos pagamentos via caixa 2 entre 2008 e 2014. Ao MPF, o executivo afirmou que "foram feitos pagamentos com caixa 2 a candidatos diversos, em diferentes campanhas, conforme consta da planilha que integra o presente relato". A planilha lista 645 contribuições supostamente ilegais.
Benedicto Júnior foi um dos responsáveis por comandar o Setor de Operações Estruturadas. O valor de R$ 246 milhões diz respeito ao que foi canalizado via área de infraestrutura da Odebrecht, descrita pelo próprio executivo como "porta de entrada de diversos pedidos de contribuições eleitorais".
Na lista de repasses de dinheiro não declarado, os que mais receberam recursos foram o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que teria recebido R$ 61,9 milhões. Em seguida, aparece o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, com R$ 21,2 milhões. Em terceiro está o sucessor de Cabral e atual governador fluminense, Luiz Fernando Pezão, cujos repasses ilegais somaram R$ 20,3 milhões.
A planilha de Benedicto Júnior registra ainda as justificativas para os repasses. Entre as razões mais presentes estão a de que o candidato atuaria em prol do "desenvolvimento de projetos e infraestrutura de interesse da empresa" ou que teria "disposição para apresentar emendas/defender projetos de interesse da empresa".
Até o momento, Cabral, que está preso, não quis comentar as novas revelações sobre sua relação com a Odebrecht. Por meio de nota, Kassab reafirmou que "os atos praticados em suas campanhas foram realizados conforme a legislação" e disse que "confia na Justiça, ressalta que não teve acesso oficialmente às informações e que é necessário ter cautela com depoimentos de colaboradores, que não são provas." Pezão afirmou, também por meio de nota, que "todas as doações de campanha foram feitas de acordo com a Justiça Eleitoral".
75% das campanhas financiadas ilegalmente
Já Odebrecht, em depoimento à Justiça divulgado neste sábado, estimou que 75% das campanhas eleitorais no Brasil tenham sido financiadas ilegalmente. "Esse era um problema que tínhamos em todo o Brasil, foi criado um círculo vicioso. Eu estimo que três quartos das campanhas no Brasil eram financiadas de forma ilegal", afirmou em março a procuradores.
Odebrecht, preso desde 2015 e condenado a 19 anos e quatro meses de cadeia por desvios milionários na petrolífera estatal Petrobras, afirmou que a empresa teria preferido que os pagamentos fossem oficiais e justificou os pagamentos ilegais para evitar que outros candidatos soubessem os montantes dados e pedissem mais dinheiro.
O empresário deu como exemplo donativos de R$ 2 milhões ao candidato a governador do estado de Acre, Tião Viana, do PT, dos quais apenas R$ 500 mil reais foram declarados. "Se sabem que demos 2 milhões de reais a uma candidatura a governador de Acre, imaginem a expectativa que se cria para o [candidato a] governador de São Paulo", afirmou.