De chefe da economia a alvo da Lava Jato: a trajetória de Mantega em 4 pontos
Um dos elaboradores das propostas econômicas das campanhas petistas à Presidência da República nos anos 90, Guido Mantega deu início na década seguinte a uma trajetória que o transformou no ministro da Fazenda mais longevo da história recente do Brasil.
Mesmo assim, acabou preso na manhã desta quinta-feira por causa de assuntos não necessariamente ligados à economia, onde fez carreira, mas à política.
Segundo o Ministério Público Federal, Mantega é acusado de ter solicitado ao empresário Eike Batista um repasse milionário ao PT para pagar dívidas de campanha. A prisão acabou revogada horas depois pelo juiz Sergio Moro.
Relembre, em quatro pontos, a atuação do ex-ministro no cargo e as acusações contra ele.
1. Chegada ao governo
Nascido em Gênova, na Itália, Guido Mantega mudou-se para o Brasil ainda bebê com os pais. Formou-se na USP, onde também fez doutorado, e participou do núcleo duro da economia das fracassadas campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 1989, 1994 e 1998.
Em 2002, entrou na campanha dividindo as atenções com Antonio Palloci, principal articulador da icônica "Carta ao Povo Brasileiro", com a qual Lula acalmou o mercado financeiro, que temia sua chegada ao poder.
Com a vitória do petista, Mantega tornou-se ministro do Planejamento em 2003, enquanto Palocci ficou com a desejada Fazenda.
À frente da pasta, ajudou a impulsionar o projeto das Parcerias Público Privadas (PPPs). Cerca de dois anos depois, em novembro de 2004, tornou-se presidente do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), quando o presidente da instituição, Carlos Lessa, foi demitido após criticar publicamente o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
A chegada à Fazenda, em março de 2006, ocorreu quase que por acaso, quando denúncias veiculadas pelo jornal O Estado de S. Paulo envolvendo a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Soares Costa atingiram em cheio à imagem de Palocci. Palocci resolveu deixar a pasta, ocupada às pressas por Mantega.
2. Bonança econômica
Como ministro da Fazenda, Mantega guiou a economia brasileira em meio a um período de grande bonança econômica, impulsionada principalmente pela alta no preço internacional das matérias-primas (commodities).
No cargo, foi um dos arquitetos da política anticíclica que ajudou a reduzir os efeitos da crise internacional sobre o Brasil, em 2008. Dentro dessa estratégia, o governo expandiu seus gastos e investimentos, além de ampliar o crédito aos bancos públicos, estimulando o consumo.
Após o fim do governo Lula, Mantega permaneceu à frente da Fazenda no primeiro governo de Dilma Rousseff.
De 2006 até 2011, sob seu comando, a economia brasileira registrou o maior crescimento dos 30 anos anteriores (a média foi de 4,2% por ano; só em 2010, o PIB cresceu 7,5%). O desemprego também caiu fortemente, passando de 9,8%, em 2006, para 6%, em 2011 (a taxa ainda cairia ainda mais, para 4,7%, ao deixar o órgão, em 2014).
3. Derrocada e demissão
Mas a partir de 2011, com a retração da economia mundial, a situação de Mantega começou a mudar - a política de expansionismo fiscal (aumento dos gastos públicos e redução dos impostos) acabou tornando-se sua principal "pedra no sapato".
O ex-ministro começou a enfrentar a desconfiança não só do mercado, mas também do empresariado, que freou investimentos. Em dezembro de 2012, a revista britânica The Economist chegou a defender publicamente a demissão de Mantega.
No primeiro semestre de 2014, contudo, veio outra notícia que selaria de vez sua saída do governo.
Após dois semestres consecutivos de queda no PIB, o Brasil entrou oficialmente em recessão técnica. O afrouxamento fiscal também cobraria seu preço (o superávit primário - a economia para pagar juros da dívida pública - fecharia 2014 em 0,4% do PIB) e a inflação terminaria o ano em 6,41%, pouco abaixo do teto da meta (6,5%) e no patamar mais alto desde 2011.
Em setembro daquele ano, Mantega acabou demitido por Dilma.
A um mês das eleições presidenciais, a petista afirmou que, caso fosse reeleita, trocaria o ministro da Fazenda, mas não anunciou quem ocuparia o posto. Apesar do embaraço do episódio, Mantega decidiu permanecer no cargo até a troca ser efetivada, para não prejudicar a campanha petista.
Com a vitória de Dilma, ele deixou oficialmente o governo em 1º de janeiro de 2015, sendo substituído por Joaquim Levy, considerado mais próximo do mercado.
Com oito anos, nove meses e quatro dias à frente da pasta, Mantega entrou para a história como o ministro da Fazenda mais longevo da era republicana.
4. Acusações e prisão
À saída do governo, seguiu-se um período longe dos holofotes da imprensa, com raras aparições públicas. Mantega voltou à FGV, onde dava aulas antes de ser ministro, e passou a liderar um grupo de pesquisas econômicas.
Também dedicou mais tempo à mulher, Eliane Berger, que luta contra um câncer desde 2012.
Em novembro de 2015, foi alvo de condução coercitiva (quando o investigado é levado para depor) na Operação Zelotes, que apura um amplo esquema de sonegação fiscal.
O objetivo era investigar se Mantega tinha alguma ligação com uma empresa que é suspeita de comprar decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que integra o Ministério da Fazenda.
Na manhã desta quinta-feira, porém, ele foi preso na 34ª fase da Operação Lava Jato, intitulada Arquivo X.
Segundo o Ministério Público Federal, sob orientação do PT, o ex-ministro solicitou ao empresário Eike Batista a transferência de US$ 2,35 milhões a uma empresa do casal de publicitários João Santana e Mônica Moura para pagar dívida de campanha. Os pagamentos foram feitos no exterior.
No momento da operação, Mantega estava no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, acompanhando a mulher, que se preparava para passar por uma cirurgia.
Horas depois, ele teve a prisão revogada pelo juiz federal Sérgio Moro. A decisão foi motivada pela saúde de Eliane.
"Considerando os fatos de que as buscas nos endereços dos investigados já se iniciaram e que o ex-ministro acompanhava o cônjuge no hospital e, se liberado, deve assim continuar, reputo no momento esvaziados os riscos de interferência da colheita das provas nesse momento".
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o advogado de Mantega, José Roberto Batochio, descreveu a prisão como "abusiva, arbitrária e não tinha razão de ser".
Já o presidente do PT, Rui Falcão, afirmou estar "revoltado" com a operação.
Segundo ele, o "estilo de arbitrariedade e violação de direito" da força-tarefa da Lava Jato é "insuportável".