Em meio a promessas de atos pacíficos, Porto Alegre vive clima de apreensão com julgamento de Lula
Enquanto tensão sobe nas redes sociais, polícia gaúcha monitora chegada de caravanas na capital e conversa com líderes de movimentos, que se garantem que coibirão violência.
"Estão dizendo que vão quebrar tudo", responde o taxista em Porto Alegre ao ser questionado pela BBC Brasil sobre o clima na cidade às vésperas do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ser realizado nesta quarta-feira no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Ele conta que recebeu por WhatsApp "o vídeo de um líder do MST cheio de ameaças". A gravação que passa à reportagem não tem qualquer identificação que permita comprovar sua autenticidade ou ligação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - mostra um homem, sem nome, atacando a operação Lava Jato e dizendo que se a corte "condenar Lula sem prova, nós vamos botar fogo nessa cidade, dia 24".
A fala é uma aparente resposta a Flávia Cristina Abreu, a quem o homem também faz ameaças. A sargento da reserva da Brigada Militar do Rio Grande do Sul postou um vídeo em dezembro dizendo que os "mortadelas" seriam recebidos na capital gaúcha com "pau, gás e bomba".
Mas enquanto esse clima de apreensão toma a cidade e a tensão sobe nas redes sociais, organizadores dos atos em apoio e contra Lula negam qualquer intenção violenta.
Já a Brigada Militar, como é chamada a polícia do Rio Grande do Sul, montou um esquema de segurança em diálogo com os líderes da manifestação, garantindo que os atos ocorram em regiões diferentes da cidade.
Extraoficialmente, as autoridades policiais gaúchas também estão em contato com agentes de segurança de outros Estados, monitorando o deslocamento de caravanas de todo o país em direção a Porto Alegre - a expectativas dos movimentos em apoio ao ex-presidente é reunir 50 mil pessoas em uma manifestação na noite desta terça.
Na quarta, Lula será julgado pelo TRF-4, que poderá confirmar ou rever a condenação de 9 anos e 6 meses imposta pelo juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, em que o petista é acusado de receber um apartamento da empreiteira OAS como parte do pagamento de propina em contratos com a Petrobras.
Se o ex-presidente não for absolvido, corre o risco de ser barrado da disputa presidencial pela Lei da Ficha Limpa caso não obtenha uma decisão em tribunais superiores suspendendo a inelegibilidade.
O clima de tensão em torno do julgamento foi alimentado pela própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann. A senadora afirmou em entrevista na semana passada que "para prender o Lula, vai ter que matar gente", declaração que foi considerada infeliz e "força de expressão" por outros petistas.
Mesmo que a condenação seja confirmada, não há previsão de que Lula possa ser preso imediatamente - ele ainda terá direito a recursos dentro do próprio TRF-4.
'Atos pacíficos'
Questionados pela BBC Brasil, organizadores dos atos pró-Lula em Porto Alegre negaram qualquer intenção violenta e disseram que estão tomando providências para garantir a tranquilidade dos atos.
A Frente Brasil Popular, que reúne partidos políticos de esquerda e dezenas de movimentos sociais, está mobilizando cerca de 1,5 mil dos seus próprios integrantes para atuar como seguranças das manifestações. Identificados por camisas ou faixas, sua função será isolar e neutralizar pessoas que estejam mascaradas ou com atitudes violentas.
Os atos mais importantes estão marcados para terça de noite e quarta de manhã - são esperadas cerca de 50 mil pessoas, parte vinda em caravanas do interior do Rio Grande do Sul e de outros Estados.
Na véspera do julgamento, a previsão é que uma passeata sairá da chamada Esquina Democrática, no Centro, no fim do dia, e caminhará até o Anfiteatro Pôr do Sol, que fica a um quilômetro do TRF-4.
O local foi designado pela Secretaria de Segurança em acordo com os movimentos para o acampamento em apoio ao ex-presidente. Será, então, feita uma vigília no local até a manhã desta quarta-feira. O julgamento está previsto para começar às 8h30.
"A orientação é para que toda militância venha de cara limpa. Se houver algum mascarado na caminhada, nós vamos solicitar que ele retire a máscara ou se retire do ato", disse à BBC Brasil o vice-presidente do PT no Rio Grande do Sul, Carlos Pestana.
Já o movimento Advogados e Advogadas pela Legalidade Democrática terá mais de cem defensores atuando em apoio aos manifestantes. Integrante do grupo, o advogado ligado ao PT Lúcio Costa diz que o temor dos organizadores é que se repita nos atos de Porto Alegre o que ocorreu em maio em Brasília, quando um grande protesto contra o governo Michel Temer terminou com quebradeira de alguns ministérios.
"Nos preocupa a presença de agentes provocadores, pessoas que se infiltram nas manifestações e que começam a praticar atos de depredação", afirmou, apontando como possíveis infiltrados tanto policiais como membros de grupos de direita.
O movimento divulgou nas redes sociais um endereço de email para que militantes enviem vídeos de qualquer ato que considerarem suspeitos.
À BBC Brasil, o major Euclides Neto, chefe da comunicação social da Brigada Militar, negou que agentes da polícia gaúcha possam agir como infiltrados e disse que a instituição tem experiência para identificar esse tipo de atuação.
Já Leonardo Braga, líder do Movimento Brasil Livre (MBL) no Rio Grande do Sul, afirmou que os atos a favor da condenação do Lula ocorrerão no Parcão, área nobre da cidade, um pouco mais distante do TRF-4.
"Jamais vamos acreditar nas pessoas que sempre trabalharam contra a pacificação dos protestos", disse, sobre as acusações de infiltração. "A prova disso é que em todos os eventos do MBL, com milhões de pessoas, incidência zero (de atos violentos)", afirmou.
'Comemoração'
O MBL marcou para depois do julgamento, na tarde desta quarta, uma "comemoração" pela condenação de Lula. Já o Vem pra Rua chamou atos em defesa da Justiça em 18 Estados para terça, a partir das 18h, em geral em frente às sedes da Justiça Federal. Em Porto Alegre, devido ao isolamento do TRF-4, a manifestação também ocorrerá no Parcão.
"A Justiça vem sendo muito atacada e agora a gente vê presidente de partido falando em matar gente. Queremos nos colocar em contraponto a esse ataque", afirmou Adelaide Oliveira, porta-voz do Vem pra Rua.
"Nós sempre trabalhamos com manifestações pacíficas. A orientação aos nossos grupos é evitar o confronto, os locais em que há concentração de grupos antagônicos", disse ainda.
Já Fabio Ostermann, ex-MBL e hoje parte do Livres, disse que seu movimento decidiu não convocar atos para não "politizar" o julgamento.
Segundo ele, a preocupação é não criar um paralelo com o movimento pró-impeachment, "onde houve de fato um julgamento político conforme previsto pela Constituição".
"O julgamento de Lula é jurídico, baseado em argumentos técnicos, e não em mobilização de torcida", defendeu.
Além do diálogo com os líderes das manifestações, a BBC Brasil apurou que a Brigada Militar está mantendo contato extraoficial com polícias de outros Estados.
A ideia seria estimar a quantidade de manifestantes que devem chegar a Porto Alegre para o evento e preparar as estratégias de segurança.