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Lava Jato

'O ministro de Estado me pediu, o que é que você faz?': o que Eike disse à Justiça

23 set 2016 - 06h17
(atualizado às 08h17)
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Eike Batista deixa Palácio do Planalto após encontro com o então presidente Lula em 2010; empresário diz ter feito doações ilegais ao PT a pedido de ex-ministro da Fazenda
Eike Batista deixa Palácio do Planalto após encontro com o então presidente Lula em 2010; empresário diz ter feito doações ilegais ao PT a pedido de ex-ministro da Fazenda
Foto: Agência Brasil

Oito meses depois de ser citado por um delator como suposto envolvido em propinas para licitações da Petrobras, o empresário Eike Batista procurou voluntariamente o Ministério Público Federal para oferecer seu testemunho. O resultado da conversa entre Batista, advogados e procuradores veio à tona nesta quinta-feira (22), junto à 34ª fase da Operação Lava Jato, batizada de "Arquivo X".

A transcrição do diálogo - um dos documentos que faz parte da investigação do caso e que não está protegido por sigilo - tem 37 páginas e revela detalhes sobre o suposto encontro entre o empresário e Guido Mantega, então ministro da Fazenda, em novembro de 2012. Também mostra o clima de tensão entre Eike e a Petrobras, principal concorrente brasileira de suas empresas de exploração de petróleo e gás.

Durante o depoimento, Eike classificou o escândalo de corrupção na Petrobras como "um nojo", um "aborto da natureza", e disse que nunca foi bem visto pela companhia.

"(O) Pessoal da Petrobras me detestava. Eu na Petrobras? Eu era persona non grata", disse, negando a existência de contratos entre suas empresas e a petroleira estatal. Mais tarde, por insistência dos procuradores, Eike reconheceu participar de um contrato com a companhia - justamente aquele que é investigado pela Polícia Federal desde setembro do ano passado.

Eike também fez elogios à Operação Lava Jato e à atuação dos procuradores: "Vocês têm orgulho do Brasil", "Vocês começaram a mostrar esse cartel que fazia a Petrobras". E pediu a palavra para enumerar contribuições financeiras que fez para a Olimpíada, para UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e para um hospital infantil no Rio de Janeiro.

"Então acho e sempre quis (me) mostrar como um exemplo, porque alguns brasileiros muito ricos não dão p***a nenhuma, né? Vou até falar mal de um, posso?", indagou Eike, ao fim do depoimento.

"Não", responderam os procuradores. "Senhor fique à vontade, mas não, não", e encerraram a sessão.

PT

O Partido dos Trabalhadores é citado três vezes durante a conversa. Apenas a primeira partiu do próprio empresário, que afirmou ter feito doações "com o mesmo volume de recursos, R$ 1 milhão, para o PT, o PSDB" na campanha eleitoral de 2006.

As outras duas menções vieram dos procuradores da Lava Jato, em perguntas sobre o alvo do suposto pedido de "contribuição" feito por Mantega para cobrir despesas de campanha. "Só para não perdermos à linha de raciocínio, aí ele (Mantega) pediu o que seria dinheiro para campanha do partido, do Partido dos Trabalhadores?", indagou a Procuradoria.

"Isso", limitou-se a responder Eike na primeira delas.

Em outro momento, os procuradores reiteram a pergunta. "Isso tinha por objetivo de certa forma repassar valores para o Partido dos Trabalhadores?"

"Claro", responde Eike. "No fundo, no fundo, sim. O ministro de Estado me pediu, que que você faz? Eu tenho R$ 40 bilhões investidos no país, como é que você faz?"

Apesar da citação de Eike ao PSDB, nem o empresário nem os procuradores da Lava Jato entraram em detalhes sobre estas doações durante todo o depoimento.

Mantega

Segundo Eike, o então ministro Guido Mantega teria pedido, a sós, em seu gabinete em Brasília, o pagamento de R$ 5 milhões para quitar dívidas de campanha. Os detalhes da negociação teriam sido discutidos posteriormente entre Monica Moura, esposa do marqueteiro João Santana, e advogados de Eike.

"Foi-me feito o pedido de contribuir para contas da campanha, porque a campanha já tinha terminado, para acertar as contas no valor total de R$ 5 milhões", afirmou. "Eu não sei se foi em um dia ou na semana seguinte, a Monica procurou a empresa, não diretamente a mim, porque eu não conheço ela, nunca sentei com ela, nem com o senhor João Santana."

Após o pedido do ex-ministro dos governos Lula e Dilma - que chegou a ser preso durante a manhã, e liberado horas depois -, uma das empresas de Eike no exterior teria repassado o dinheiro em 2013 para a offshore Shellbill, de João Santana e Mônica Moura.

Eike argumenta que "queria algo em troca" do dinheiro e pediu uma "consultoria" da empresa do marqueteiro para obter informações sobre investimentos na Venezuela e em Angola, países onde Eike já tinha negócios.

"Eu queria uma prestação de serviço para fazer esse pagamento, senão eu não iria fazer uma simples doação. Eu queria algo em troca que eu pudesse usar nos meus trabalhos, porque como eu fazia investimento por estes países todos, inclusive Angola e Venezuela que me interessavam (...) O Santana tinha um excelente relacionamento com esse governo, então para mim interessou o nível de relacionamento porque é diferente você conversar com um consultor que tem o nível de acesso que ele tinha."

Mantega nega a versão de Eike sobre o encontro e diz, por meio de seus advogados, que "jamais tratou com o senhor Eike sobre contribuição de campanha, sobre pagamento de despesas eleitorais".

Segundo a defesa, Eike, por já ser investigado pela Lava Jato, teria procurado o MPF para tentar uma espécie de "delação premiada informal".

"(Eike) procurou espontaneamente o Ministério Público Federal e fez um escambo, 'se não me prenderem posso acusar alguém importante'", disse o advogado José Roberto Batochio.

Investigado

Em delação premiada divulgada em setembro do ano passado, Eduardo Musa, ex-gerente-geral da área Internacional da Petrobras (posteriormente contratado pela OSX, empresa de Eike com atuação no setor naval) disse que o empresário estaria envolvido em um esquema de propinas para licitações no exterior.

Segundo Musa, a licitação para contratações de dois navios-plataforma teria sido fraudada pelo consórcio Integra, formado pela empreiteira Mendes Junior e pela OSX. O valor da propina na negociata, segundo o ex-gerente, teria sido de R$ 5 milhões - cifra igual à citada agora por Eike no suposto pedido de Guido Mantega.

Na oportunidade, o delator afirmou que os supostos pagamentos teriam sido feitos ao lobista João Augusto Henriques, ligado ao PMDB, "em troca de informações privilegiadas de dentro da Petrobras para orientar a formação da proposta técnica" da licitação.

A OSX, à época, disse que abriria investigação interna para apurar os fatos e negou participação nas acusações de corrupção. A Mendes Junior não comentou o caso.

No depoimento revelado na quinta-feira, Eike só citou o consórcio Integra após insistência dos procuradores.

"O Grupo X não tinha nenhum contrato (com a Petrobras)?", questionou o MPF. "Nada. Zero", respondeu Eike. Pouco tempo depois, os investigadores insistem. "Me corrija aqui se eu estiver equivocado, o grupo X não tinha algum contrato relacionado a plataforma, alguma coisa?"

"Tinha. Com a Integra", admitiu Eike, afirmando, no entanto, que todo o relacionamento do consórcio com a Petrobras era de responsabilidade da construtora Mendes Junior.

Relação com a Petrobras

Após classificar a situação da petroleira estatal como "um nojo", um "aborto da natureza", Eike Batista afirmou que "Temer, se Deus quiser, vai ter uma Petrobras que vai ser reerguer, devido à riqueza do pré-sal".

Questionado sobre a relação com a companhia, Eike afirmou que nunca conseguiu negociar com a Petrobras. "Tentei várias vezes com a Graça Foster, pedi… Nós tínhamos unidades de produção, então (eu) perguntava: vocês tem algum campo de petróleo em que nós podemos colocar nossa plataforma para produzir? (...) Me arrenda um campo, né? Mas a relação era tão ruim, tipo, eu sou um concorrente privado que se eu for eficiente eu vou mostrar a ineficiência da Petrobras. Então, sabe, era sempre assim, sai para lá."

A Procuradoria então pergunta se Eike participou ou foi convidado a participar de desvios na petroleira - Eike negou e criticou a aprovação de "projetos nojentos fomentados por uma ganância doentia", mesmo sem recomendação dos técnicos da estatal.

"Na minha companhia, você fala para baixo de corpo técnico. Se o corpo técnico diz que não funciona, o conselho vai falar que funciona? Tem o corpo técnico, as auditorias, você às vezes contrata uma empresa externa para fazer mais um controle, (então) não passa, né? É triste, sinceramente, é a capacidade que as empreiteiras tiveram de corromper o pessoal técnico da Petrobras."

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