Cabral reafirma que joia da esposa foi presente de Cavendish
O ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em depoimento prestado hoje (5) ao juiz federal Marcelo Bretas, manteve a sua versão de que a joia de 220 mil euros foi um presente à sua mulher Adriana Ancelmo dado pelo proprietário da construtora Delta, Fernando Cavendish. Ele negou ter participado de esquemas para direcionamento de licitações e afirmou não ter recebido qualquer tipo de propina relacionada à reforma do estádio do Maracanã e às obras do PAC das Favelas e do Arco Metropolitano.
O depoimento ocorreu no âmbito da Operação Crossover, desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, em que o Ministério Público Federal (MPF) denuncia 20 pessoas. Sérgio Cabral é apontado como líder de uma organização criminosa que arrecadava propina durante o período em que ele foi governador. Em outros três processos, Cabral já foi condenado em primeira instância com penas que somam 72 anos de prisão. Atualmente, ele está na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro.
Ontem (4), Fernando Cavedish prestou depoimento e disse que a joia foi comprada para Adriana Ancelmo a pedido de Cabral. Segundo ele, tratou-se de um negócio e, em decorrência desse episódio, o ex-governador teria intercedido para que a Delta ingressasse no consórcio das obras no Maracanã liderado pela Odebrecht. Posteriormente, o valor da joia também teria sido abatido pela construtora no cálculo de uma propina de 5% cobrada sobre o faturamento com a reforma do estádio.
Sérgio Cabral disse que nunca perguntou o valor da joia e garantiu que ela foi devolvida em 2012, ocasião em que seu governo teria declarado a Delta uma empresa inidônea e ele rompeu relações com Cavendish. O ex-governador disse que Cavendish era seu amigo e frequentava sua casa. No entanto, classificou o comportamento do proprietário da Delta de "risível e covarde" e disse que revela o "desespero de um empreiteiro encalacrado".
O ex-governador também negou que tenha recebido repasses mensais da Carioca Engenharia. De acordo com delatores ligados a empreiteira, Cabral teria recebido, entre 2009 e 2015, uma propina de R$200 mil por mês, que posteriormente subiu para R$500 mil. Ele reconheceu apenas ter recebido das empreiteiras recursos para campanhas eleitorais, doados tanto de forma declarada como por meio de caixa 2. Ele também assumiu ter usado esses recursos para fins pessoais, mas disse que nunca pediu propina.
Crítica a Pezão
Sobre o Maracanã, Cabral leu os nomes de membros da comissão de licitação e afirmou não ter feito nenhuma indicação e nem ter relacionamento com nenhum deles. "Eu nunca indiquei nenhum membro da secretaria de Obras. O meu então vice-governador Pezão foi nomeado por mim secretário de Obras. E, do mesmo jeito como nas demais pastas, eu dei autonomia a ele para que nomeasse a sua equipe. Ele trouxe o Hudson Braga para ser subsecretário. E eu não o conhecia. A primeira vez que tive contato com ele foi dentro do governo", acrescentou. Hudson Braga posteriormente sucederia Pezão como secretário de Obras e também é denunciado pelo MPF.
Segundo o ex-governador, a obra do Maracanã foi bem-sucedida e o estádio, diferentemente de outros projetos que resultaram em elefantes brancos, tem sido bastante utilizado. Ele criticou o governo do Rio de Janeiro comandado por Pezão. "Só não tem mais uso porque o atual governo não soube solucionar o problema da concessão que surgiu da crise da Odebrecht. Se tivesse sido chamado o segundo colocado da licitação [para assumir a gestão], talvez ele tivesse mais uso do que tem hoje". A empresa francesa Lagardère é a que apresentou a segunda melhor proposta para o Maracanã.
O ex-governador defendeu ainda o ex-secretário de governo Wilson Carlos. "Nunca nomeou ninguém na Secretaria de Obras. Ele é responsável por salvar muitas vidas. (...) Ele criou a Operação Lei Seca, criou a Lapa Presente. É um grande executivo. Não tinha nada a ver".
Manipulação de editais
Ontem, executivos vinculados à Odebrecht, à Carioca Engenharia e à Delta descreveram como ocorria a manipulação dos editais que garantia a divisão das obras. Uma das estratégias era criar barreiras técnicas inexequíveis pelos concorrentes. O diretor da Odebrecht Infraestrutura, Marcos Vidigal, explicou como a licitação do Maracanã teria sido direcionada.
"Para exemplificar, havia exigências de que as concorrentes tivessem participado de construção ou de reformas de estádios acima de 30 mil torcedores e que tivessem colocado 20 mil cadeiras. Até aquela data, poucas empresas no Brasil havia construído estádio. As últimas obras eram a reforma do Maracanã e a construção do Engenhão [ambas para o Panamericano], que a Odebrecht participou, e tinha no Pará o Mangueirão", disse.
De outro lado, também era montada a chamada "proposta de cobertura". Foi pedido à OAS que apresentasse uma proposta de R$ 712 milhões, maior do que os R$ 705 milhões que apresentados pela Odebrecht. Em contrapartida, a empreiteira vencedora da licitação fez propostas de cobertura de interesse da OAS em outros certames no Brasil.
No caso do PAC das Favelas, que envolvia três editais, os depoentes informaram que foram formados três consórcios divididos por nove empresas e os vencedores também foram definidos por proposta combinada. Os executivos afirmaram ainda que o ex-governador Sérgio Cabral, pedia uma propina no valor de 5% sobre o faturamento dos empreendimentos e indicava o ex-secretário de governo, Wilson Carlos, como o responsável pela interlocução com as empresas.
Wilson Carlos, por sua vez, optou por se manter em silêncio em depoimento nesta terça-feira. De outro lado, o ex-secretário de obras Hudson Braga disse que os processos licitatórios eram de responsabilidade da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). As colocações o deixam em desacordo com Ícaro Moreno Júnior, presidente da Emop, que negou em depoimento prestado ontem que tenha participado do direcionamento de qualquer edital.