Lira vence, condena atos extremistas e diz que 'é hora de desinflamar o Brasil'
Presidente foi reeleito para comanda a Câmara pelo próximo biênio e foi enfático contra os atos radicais de 8 de janeiro
BRASÍLIA - Em seu discurso de vitória, o presidente reeleito da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condenou os atos extremistas de 8 de janeiro e disse que "é hora de desinflamar o Brasil". Lira falou para um plenário composto, majoritariamente, de deputados do Centrão e por parlamentares que apoiam o petista.
"Neste Brasil, não há mais espaço para aqueles que atentam contra os Poderes que simbolizam a nossa democracia. Esta casa não acolherá, defenderá ou referenderá nenhum ato, discurso ou qualquer manifestação que atente contra a democracia. Quem assim atuar terá a repulsa deste Parlamento, a rejeição do povo brasileiro e os rigores da lei", afirmou.
Lira foi enfático ao falar de 8 de janeiro. Naquele dia, apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram a sede dos Três Poderes. A estrutura dos prédios do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, materiais de trabalho e obras de artes foram vandalizadas.
"Para aqueles que depredaram, vandalizaram e envergonharam o povo brasileiro, haverá, sim, o rigor da lei", declarou Lira. "Aos vândalos e instrumentadores do caos que promoveram o 8 de janeiro passado, eu afirmo. No Brasil nenhum regime político prosperará a não ser a democracia. Jamais haverá um Brasil sem eleições livres e representantes escolhidos pelo voto popular. Jamais haverá um Brasil sem liberdade."
Durante o discurso, Lira acenou às Forças Armadas e disse que, "no que pese possíveis omissões e erros pontuais que aconteceram", os militares reconheceram a "obediência ao poder civil escolhido democraticamente escolhido em eleições livres". Treze dias após as invasões, Lula demitiu o comandante do Exército, Júlio César de Arruda. O general travou prisões no acampamento golpista em Brasília.
A vitória foi anunciada por volta das 19h35 após uma votação que durou cerca de 1h40. Na hora do anúncio, estavam ao seu lado deputados do PT e do Centrão, seu grupo político. O senador Ciro Nogueira (PP-AL), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, estava no plenário assistindo o discurso. Lira assumiu a cadeira da Câmara e falou por 17 minutos.
Durante o discurso, Lira pediu "autocrítica" a classe política, judiciário, imprensa, segmentos sociais e empresariais com o objetivo de "preservar valores democráticos". Segundo o presidente reeleito, há quase uma década teve início "o processo de criminalização da política".
A Operação Lava Jato teve sua primeira fase em março de 2014 e chegou a prender Lula. O petista ficou 580 dias preso em Curitiba, base da investigação. O ex-procurador da operação e atual deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), um dos autores de denúncias contra o petista, estava na plateia durante o discurso de Lira.
"Transformaram denúncias que deveriam ser apuradas sob o manto da lei em verdadeiras execuções públicas, empresas foram destruídas, empregos foram ceifados, reputações jogadas na lata do lixo. Esses atos muitas vezes burlaram as leis, o direito à defesa e foram o estopim para um clima hostil em relação à política", afirmou.
"Não faço a defesa do malfeito. Quem faz errado deve pagar."
Na avaliação de Lira, houve um "acirramento de opiniões neste período que "colocou em risco a atividade e a vida de entes públicos". Para o presidente da Câmara, "todos temos que assumir nossas responsabilidades, fazer autocrítica e trabalhar para mudar definitivamente este ambiente nefasto".
"Não devemos mais tolerar que presidentes, parlamentares, ministros, dirigentes políticos ou qualquer cidadão sejam ameaçados nem física nem virtualmente por radicais, seja qual for a sua vertente ideológica, apenas por divergência de opinião", declarou.
Antes da votação, apoiadores de Lula e Bolsonaro promoveram uma batalha de gritos de guerra no plenário. Do lado esquerdo, apoiadores do petista puxaram "olê, olê, olê, olá; Lula, Lula". Do lado direito, a oposição respondeu com "Lula ladrão, seu lugar é na prisão". Deputados de esquerda voltaram a homenagear o presidente e emendaram com um grito contra o ex-presidente Jair Bolsonaro: "sem anistia, sem anistia".
Concorrente de Lira à Presidência da Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) foi vaiado durante seu discurso antes do início da votação. Após reclamar que as invasões de 8 de janeiro não haviam sido mencionadas por Lira e pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), o outro candidato, Alencar foi vaiado por deputados bolsonaristas.
Arthur Lira afirmou que "é hora de desinflamar o Brasil". Em um tom crítico, disse que "os Poderes da República, pilares da nossa democracia, devem dar o exemplo", falou em "refazer laços" e mandou um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
"É hora de ver cada um em seu quadrado constitucional para podermos voltar a ver Poderes articulando, interagindo com a clareza exata de onde termina o espaço de um e começa o espaço de outro", declarou.
"Não dá mais para usurpar prerrogativas, interferir em decisões amplamente debatidas, votadas e aprovadas. O Legislativo, sim, é o poder moderador da República e assim continuará sendo. Não dá mais para que as decisões tomadas nesta Casa sejam constantemente judicializadas e aceitas sem sustentação legal."
Lira foi reeleito para mais dois anos no cargo com a maior vantagem de votos na história desde a promulgação da Constituição. Foram 464 votos. O presidente da Câmara assume a condição de principal força política no Congresso com quem o governo Lula terá que manter diálogo. Chico Alencar (PSOL-SP) e Marcel van Hattem (Novo-RS), os únicos deputados na disputa, tiveram 21 e 19 votos, respectivamente. Foram cinco votos em branco.