Lula favorece aliados com herança do orçamento secreto e dinheiro chega a sair em 24 horas, diz jornal
Maiores beneficiados incluem hospital administrado por prima de Lira e redutos eleitorais dos próprios ministros
Houve uma aceleração na distribuição de recursos provenientes do orçamento secreto sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os repasses beneficiaram aliados políticos, incluindo ministros do próprio governo, que receberam a liberação desses fundos em setores como saúde, assistência social e agricultura. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Em certas situações, os recursos foram creditados nas contas das prefeituras em um prazo de apenas 24 horas após a sua alocação no orçamento, uma prática pouco comum na administração pública.
Alagoas, reduto político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se destacou como o Estado que mais recebeu recursos ao longo deste ano, especialmente devido aos investimentos do Ministério da Saúde.
Dentre as entidades que foram beneficiadas com os fundos do governo federal, encontra-se um hospital gerido por uma prima de Lira. O montante foi alocado (empenhado, no termo técnico) em um dia e transferido efetivamente (pago) à prefeitura de Maceió no dia subsequente, através da qual ocorreu a intermediação do repasse.
Em outros quatro ministérios (Agricultura, Educação, Desenvolvimento Social e Cidades), os ministros deram preferência aos seus próprios estados ao alocar os recursos.
Além disso, foi observada uma concentração de aportes por parte do Ministério do Desenvolvimento Regional no Piauí, região do relator-geral do Orçamento.
No mesmo contexto, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) privilegiou a Bahia, estado do deputado que indicou o presidente do órgão para o cargo. Todas essas alocações ocorreram sem uma transparência clara acerca dos verdadeiros responsáveis pelas indicações.
Apesar de ter criticado o esquema durante sua campanha eleitoral, o governo Lula adotou práticas similares às do ex-presidente Jair Bolsonaro, ao direcionar recursos de forma pouco transparente.
O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo, o Congresso encontrou uma forma de manter esse mecanismo no Orçamento de 2023, após a sanção de Lula.
Uma parcela dos fundos foi alocada para os ministérios, totalizando R$ 9,85 bilhões. Já em março, o Estadão havia antecipado a estratégia do governo para preservar a influência política e a falta de transparência nos repasses.
Antes das eleições presidenciais do ano passado, Lula criticou o orçamento secreto, classificando-o como uma "excrescência". Em um discurso em maio, durante a pré-campanha, o líder petista afirmou que "Se é secreto, tem safadeza".
Naquela época, o então candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) chegou a expressar que o Congresso estava atravessando uma das piores fases da história e defendeu a reintegração do controle dos fundos federais pelo Executivo, apesar de tal medida não ter se concretizado.
Após ser eleito, Lula mencionou que as emendas não deveriam permanecer em sigilo, mas recebeu conselhos de seus apoiadores para cessar as críticas e formar uma aliança com Arthur Lira.
Os ministérios recorrem a uma estratégia para beneficiar seus próprios titulares e outros aliados sem a devida transparência, alegando que o dinheiro não se trata de emendas e, assim, adotando critérios de distribuição por meio de portarias internas. Nesse processo, os municípios submetem propostas para entrar na divisão dos recursos. No entanto, nos bastidores, o governo pode manobrar para favorecer apoiadores políticos.
A Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República respondeu às indagações do Estadão esclarecendo que "as propostas são apresentadas pelos interessados, entidades ou órgãos, e não são diretamente indicadas pelos parlamentares".
Dinheiro para hospital administrado por prima de Lira
No âmbito do Ministério da Saúde, uma quantia significativa de R$ 285 milhões (correspondendo a 21% do montante total) foi direcionada aos municípios de Alagoas.
Isso englobou prefeituras sob administração de aliados de Arthur Lira e que já estiveram envolvidas em polêmicas relacionadas ao orçamento secreto, incluindo localidades como Rio Largo, Canapi e Barra de São Miguel.
Alagoas obteve um valor três vezes superior ao destinado a São Paulo e uma quantia mil vezes maior do que a direcionada ao Amapá.
Redutos eleitorais dos próprios ministros
Um outro repasse realizado em um prazo excepcional aconteceu dentro do Ministério da Agricultura. No dia 20 de julho, o órgão direcionou uma quantia de R$ 5,3 milhões para a manutenção de estradas de terra na região de Canarana (MT), um dos redutos eleitorais do ministro Carlos Fávaro (PSD).
Em apenas 27 dias após a alocação, o montante já estava integralmente disponível na conta da prefeitura. Dos R$ 277,5 milhões liberados pelo Ministério, praticamente metade desse valor encontrou destino em Mato Grosso, somando R$ 135 milhões.
Também adotaram a prática de direcionar recursos para seus próprios estados os ministros da Educação, Camilo Santana (PT), das Cidades, Jader Filho (MDB), e do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT).
No caso de Camilo Santana, cerca de metade dos recursos destinados à educação, totalizando R$ 4,8 milhões de um montante total de R$ 9,8 milhões, foram direcionados para o Ceará.
Jader Filho (MDB), por sua vez, privilegiou o Pará, seu reduto eleitoral, com 39% dos R$ 146,9 milhões destinados provenientes do orçamento secreto.
No que concerne ao Ministério do Desenvolvimento Social, o Piauí, estado de origem do ministro Wellington Dias, se posicionou como o terceiro maior favorecido, obtendo um montante de R$ 35,6 milhões, ficando atrás somente de Goiás e Paraíba.