Lula precisa melhorar vida da classe média para fortalecer democracia, diz Acemoglu
Para autor de 'Por que as nações fracassam', Lula e Biden não estão fazendo o suficiente para recuperar eleitores desencantados com a democracia. E Brasil precisa ir além do combate à desigualdade e dos programas sociais.
Combater a desigualdade é importante, mas não é suficiente para o Brasil fortalecer sua democracia sob o novo governo, acredita o economista Daron Acemoglu, coautor do best-seller Por que as nações fracassam e que está prestes a lançar no país seu novo livro Poder e progresso.
"Ao menos que Lula encontre uma forma de atrair uma parcela significativa da população que se desencantou com a democracia brasileira, não será um caminho fácil", diz Acemoglu, em entrevista exclusiva à BBC News Brasil.
Para o professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), o presidente brasileiro precisa ir além dos programas sociais para vencer a polarização do país.
"É preciso criar melhores oportunidades de emprego para a classe média trabalhadora, para pessoas do setor agrícola", sugere o economista turco-americano, de etnia armênia.
"O mesmo vale para os Estados Unidos - não acredito que você vá trazer de volta os eleitores de [Donald] Trump criando um programa de transferência de renda maior. Mas há uma chance maior de trazê-los de volta mostrando que um governo democrático cria empregos para eles, lhes dá melhores escolhas e lhes permite viver suas vidas da forma que eles quiserem."
Em Por que as nações fracassam (de 2012, relançado no Brasil pela editora Intrínseca em 2022), Acemoglu e James A. Robinson analisaram os motivos que levam alguns países a enriquecer e outros a permanecer na pobreza. Em O Corredor Estreito (de 2019 e publicado pela Intrínseca no ano passado), os mesmos autores avaliam por que alguns países conseguem conquistar a liberdade e a democracia, enquanto outros vivem em tiranias ou autocracias.
Já no recém-lançado Poder e progresso (de 2023, com lançamento no Brasil previsto pela Objetiva para o início de 2024), Acemoglu e o também economista Simon Johnson analisam como, ao longo da história, diferentes escolhas levaram o avanço tecnológico a servir ao interesse das elites ou a um crescimento inclusivo, garantindo também a melhora de vida dos trabalhadores.
Para os economistas, é possível um futuro onde a inteligência artificial (IA) e as novas tecnologias digitais sejam usadas para empoderar os trabalhadores, e não para a vigilância e automação crescentes. Mas, para isso, é preciso fazer escolhas que levem as novas tecnologias nessa direção.
À BBC News Brasil, Acemoglu falou sobre a recente expansão do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e como ela representa, na visão dele, uma "oportunidade perdida" para os países emergentes assumirem uma voz independente nesse debate.
Para o economista, países como o Brasil têm um duplo desafio: o de regulamentar as novas tecnologias para que elas não prejudiquem suas populações, sem prejudicar o avanço delas - num contexto em que as nações emergentes ainda estão atrasadas na curva tecnológica.
Acemoglu diz ainda não acreditar na renda básica universal como uma solução para a ameaça que a inteligência artificial representa ao futuro do trabalho.
"Não acho que estamos condenados a substituir o trabalho humano", afirma o economista.
"Há um caminho alternativo e esse caminho é usar a inteligência artificial de maneira mais em favor do ser humano, em favor do trabalhador. Ao colocar tanta ênfase na renda básica universal, assumimos uma postura derrotista", defende.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Em anos recentes o senhor esteve pessimista em relação ao Brasil, tendo dito que estávamos sob risco de destruir nossa democracia. O senhor acredita que esse risco passou?
Daron Acemoglu - É claro que eu estou muito feliz que [Jair] Bolsonaro não foi reeleito. E estou cautelosamente otimista que agora há espaço para reconstruir a democracia brasileira.
Mas sigo preocupado com o fato de que o Brasil ainda é um país muito polarizado. E que essa polarização pode atrapalhar o fortalecimento da democracia.
Acho que eu nunca fui pessimista ao ponto de pensar que o Brasil estava "condenado" a destruir sua democracia. Mas talvez minhas falas refletissem o fato de que, dez anos atrás, eu acreditava que a democracia brasileira estava muito segura, apesar de todos os escândalos de corrupção e todos os problemas que estavam acontecendo.
[Eu acreditava] que o Brasil nunca voltaria a uma ditadura militar. Mas, sob o governo Bolsonaro, houve momentos em que passei a temer. Quando o presidente de vocês começou a pedir intervenção militar e a dizer que ele sentia saudade do tempo em que os militares mandavam no país. E ele se manteve muito popular, quase 50% dos brasileiros o apoiavam.
Então eu acredito que isso é a polarização.
Veja, Lula ter sido eleito é ótimo. Mas, ao menos que ele encontre uma forma de atrair uma parcela significativa da população que se desencantou com a democracia brasileira, não será um caminho fácil.
O mesmo acontece nos EUA. Eu gosto de muitas das políticas da gestão [Joe] Biden, mas não acredito que elas sejam suficientes para ganhar de volta as pessoas que votaram em Trump e que se tornaram muito desiludidas com o sistema americano.
BBC News Brasil - Então o que deve ser feito para assegurar que não voltemos àquele caminho de sentirmos que a democracia está sob ameaça? O senhor acredita que endereçar a questão da desigualdade no Brasil é uma das formas de garantir isso?
Acemoglu - [Combater a] desigualdade é uma forma de garantir isso. Mas não pode ser apenas através de programas sociais. Acredito que é preciso criar melhores oportunidades de emprego para a classe média trabalhadora, para pessoas do setor agrícola...
O mesmo vale para os EUA - não acredito que você vá trazer de volta os eleitores de Trump criando um programa de transferência de renda maior. Mas há uma chance maior de trazê-los de volta mostrando que um governo democrático cria empregos para eles, lhes dá melhores escolhas e lhes permite viver suas vidas da forma que eles quiserem.
Acredito que os EUA e o Brasil têm muito em comum: são muito heterogêneos, têm sociedades muito diversas. É preciso respeitar essa diversidade e tentar criar mais e mais oportunidades para que as pessoas tenham boas condições de vida, e bons resultados econômicos dentro dessa diversidade.
E eu acho que tanto a história do Brasil, como a dos EUA, mostra que, se você tenta eliminar essa diversidade de um jeito ou de outro, isso sai pela culatra.
BBC News Brasil - O senhor também disse recentemente que o Brasil provavelmente não vai conseguir um crescimento significativo baseado apenas na exportação de commodities para a China. E que o país precisará em algum momento encontrar um outro caminho. O que o senhor vê para o futuro do Brasil?
Acemoglu - O Brasil aspirou nos anos 1950 e 1960 a ser uma potência industrial. O país tem uma grande parcela de sua mão de obra educada. Tem uma quantidade de setores em que investiu muito no passado. Então acredito que o país precisa encontrar formar de estimular o setor privado.
E o governo não pode fazer isso. O governo pode dar incentivos e ser um facilitador. Mas, no fim das contas, o setor privado precisa liderar um crescimento que não seja baseado apenas na exportação de commodities. No momento, eu não vejo isso acontecendo o suficiente.
BBC News Brasil - O senhor acredita que o boom de industrialização que estamos vendo no México e na Índia pode ser exemplo para o Brasil?
Acemoglu - Exatamente, mas talvez através de outros setores. O México tem vantagens comparativas em algumas coisas, facilitadas pela proximidade com os EUA. A Índia está apostando em outro conjunto de setores. Então o Brasil precisa encontrar em quais setores tem capital humano, conhecimento especializado e que façam sentido diante da sua posição geopolítica.
BBC News Brasil - E o momento político para isso é agora?
Acemoglu - Certamente, porque essa é a forma de criar empregos melhores para as pessoas, considerando que algumas delas se tornaram muito desiludidas com o modelo de crescimento brasileiro. Acredito que isso é parte da razão pela qual elas apoiaram Bolsonaro.
BBC News Brasil - Recentemente o senhor escreveu um artigo afirmando que a expansão do Brics anunciada em agosto é "a expansão errada do Brics". Por que o senhor pensa assim?
Acemoglu - Fiquei muito surpreso e entristecido pela forma como essa expansão aconteceu, porque acredito que os países que foram adicionados estão em grande medida sob influência de Rússia e China.
Então isso transforma o Brics em um eixo amplamente controlado pela China, quando eu penso que o que o mundo precisa é um agrupamento de economias emergentes que deveria ter um papel maior na diplomacia internacional, mas também ter voz em questões relacionadas ao comércio internacional, tecnologia, respostas globais na área de saúde.
Então países como Brasil, Índia, Indonésia, Malásia, Turquia vão ter uma perspectiva que é muito diferente daquela da China - ou deveriam ter uma perspectiva muito diferente da China.
Pense em todas as grandes questões que devem surgir nos próximos dez anos.
Por exemplo: democracia. A China é a maior ameaça à democracia em nível global. É nisso que os países do Brics deverão trabalhar junto à China?
Com relação à globalização, por exemplo, haverá grandes tensões entre EUA e China. E precisamos de uma voz do mundo emergente que seja neutra em relação a esses dois poderes hegemônicos.
Isso não vai acontecer enquanto o grupo estiver sob influência de China e Rússia.
Na tecnologia, serão necessárias grandes decisões sobre como a inteligência artificial deverá ser usada. E a China é a maior impulsionadora do uso da IA para vigilância, mas não é disso que o mundo em desenvolvimento precisa.
BBC News Brasil - No seu artigo, o senhor reforça que as economias emergentes deveriam buscar influenciar o futuro da inteligência artificial e de outras tecnologias digitais. Por que isso é importante e por que o senhor avalia que isso não será possível sob a nova formação do Brics?
Acemoglu - Porque a China tem interesses muito distintos em se tratando do uso da tecnologia.
Por exemplo, algumas das grandes decisões sobre o futuro da inteligência artificial serão o quanto dela irá na direção de ferramentas autoritárias, censura, monitoramento, vigilância, reconhecimento facial versus ferramentas que vão de fato ajudar as pessoas comuns a se comunicarem e talvez até se engajarem em atividades dissidentes, incluindo organizações da sociedade civil, mídia de oposição, mídia crítica ao governo. A China está em uma das pontas dessa escolha.
Outra grande escolha, que é muito relevante para Índia, Indonésia e Brasil, é como as tecnologias de IA serão usadas na produção. Elas serão mais pró-trabalhador ou mais contrárias ao trabalhador?
Aí também a China tem claros incentivos, nesse caso, muito alinhados com o setor americano de tecnologia, de usar mais e mais [a inteligência artificial] para automação.
Isso em parte porque a mão de obra chinesa está envelhecendo, mas também porque a China está muito preocupada com o descontentamento trabalhista. Então usar IA e outras tecnologias de automação é muito atrativo para as autoridades chinesas por esses motivos.
Mas isso não é do interesse do Brasil, que tem uma imensa força de trabalho, que deveria ser uma de suas vantagens competitivas. Mas não será se a inteligência artificial e as tecnologias digitais forem direcionadas para mais automação.
Acredito que o Brasil poderia ter tido um papel de liderança nisso. Penso que um grupo independente nas relações internacionais seria de grande valor e que foi uma oportunidade perdida.
BBC News Brasil - Ainda no tema da China, como senhor vê a atual crise econômica por lá e isso pode, do seu ponto de vista, se tornar uma crise política maior e mudar de alguma forma a trajetória autoritária daquele país?
Acemoglu - Acredito que estamos apenas no começo desse processo.
Não espero que isso se transforme numa crise política no futuro próximo. Precisamente pela forma como a censura [chinesa] usa ferramentas de IA e como outras tecnologias repressivas têm sido utilizadas ao longo da última década na China, acredito que o espaço para protestos é limitado.
Então, se você comparar a sociedade civil chinesa hoje com aquela que prevalecia nos anos 2010, há uma grande diferença. Há muito menos liberdade, muito menos organização.
[Naquele momento] havia pessoas defendendo os diretos dos trabalhadores rurais, de proprietários de terras, tratando de questões ambientais. Havia uma pequena quantidade de imprensa "semi livre", havia [protestos pela democracia em] Hong Kong. E tudo isso foi suprimido.
Então eu não espero que a crise econômica leve imediatamente a uma crise política. Mas a China está enredada em um impossível paradoxo.
BBC News Brasil - O que o senhor quer dizer com isso?
Acemoglu - Eu explico. O impossível paradoxo é que eles querem crescimento econômico, mas estão muito preocupados que, à medida em que a economia cresce, a classe média fará mais demandas, enfraquecendo o controle do Partido Comunista da China.
Assim, junto com o crescimento, há mais e mais controle governamental. Mas isso, por sua vez, cria ineficiências tanto no curto, quanto no longo prazo. Reduz a independência das empresas, desencoraja o verdadeiro potencial de inovação, leva a mais e mais má alocação de capital.
Então a solução criada pelo governo é mais intervenção governamental na economia e ainda mais repressão, para que o descontentamento gerado por isso não resulte em oposição ao Partido Comunista. É, portanto, uma "bola de neve" e é essa a natureza do paradoxo.
Agora, eu não acredito que isso possa durar para sempre. Então creio que, em cerca de dez anos, haverá uma crise política. Mas, no momento atual, eu não acredito que a sociedade civil, a imprensa ou qualquer tipo de organização seja forte o suficiente para que isso aconteça.
BBC News Brasil - Mudando de assunto para seu novo livro, Poder e progresso. Nele, o senhor diz que o mundo está vivendo uma "ilusão da inteligência artificial". O que significa isso?
Acemoglu - Deixe-me primeiro fazer uma introdução, dizendo que eu acredito que as tecnologias de IA, incluindo a recente IA generativa [inteligência artificial capaz de gerar textos, imagens ou outras mídias em resposta a solicitações em linguagem comum, como o ChatGPT da OpenAI e o Bard da Google] são promissoras. Então não estou questionando que haja valor social e econômico a serem obtidos a partir dessas tecnologias.
Mas a ilusão é acharmos que podemos substituir e escantear os seres humanos. Isso é sintetizado pela busca por uma inteligência artificial geral [AI que teria a capacidade de aprender e desempenhar qualquer tarefa realizada por um ser humano] ou superinteligência.
É sintetizado também pelo esforço incessante por automatizar o trabalho e resumir e capturar toda a sabedoria humana em tecnologias simples como o ChatGPT.
As razões por que isso é uma ilusão são duas.
A primeira é que eu acredito que, no fim das contas, mesmo com mais avanços, a criatividade humana será central e muito importante, tanto para a dignidade do trabalho humano e dos seres humano, como também para a eficiência produtiva.
Em segundo lugar, ainda mais no curto prazo, essas tecnologias têm muitas limitações, então escantear os humanos leva a um caminho de ineficiência. E não estaremos obtendo os benefícios que poderíamos a partir dessas tecnologias.
BBC News Brasil - O senhor também acredita que há um certo otimismo, certo? Quer dizer, haveria uma crença de que tudo isso será para o bem. E você diz que não necessariamente, que é preciso intervir para que essas tecnologias tragam resultados positivos. O senhor pode explicar isso melhor?
Acemoglu - Toda essa busca por uma inteligência artificial geral vem combinada com um profundo "tecno otimismo". E esse tecno otimismo tem alguns desdobramentos.
Primeiro, ele acredita que as máquinas se tornarão muito melhores do que os seres humanos rapidamente. Segundo, que isso vai gerar valor econômico. E terceiro, que isso também vai criar soluções tecnológicas para muitos problemas.
Então essa combinação faz muitos líderes do Vale do Silício e outras figuras de liderança defenderem uma perspectiva de adesão total: "Não se preocupem com problemas, privacidade, coleta de dados, desemprego, porque é tudo para o bem. Vamos rapidamente chegar a bons lugares. Vamos criar mais produção, soluções para os problemas climáticos, para as pandemias globais, para o câncer" e assim por diante.
Mas, quando combinamos isso com minha afirmação anterior de que, na verdade, as capacidades da IA são exageradas no curto prazo e não vão se realizar nem no médio prazo - a não ser que elas sejam usadas para ampliar as capacidades e o poder de agência humano - então você percebe que isso não está caminhando para nenhum bom lugar.
Estamos desempoderando as pessoas mais e mais e não chegaremos às soluções ou obteremos o valor econômico prometido.
Então eu não sou um completo pessimista, mas digo que há formas melhores de usar essas tecnologias e é por isso que precisamos de uma intervenção.
Porque a indústria americana e, por motivos distintos, a indústria chinesa, com a liderança do Partido Comunista, caminham para uma direção que não é boa. Não é democrática, não vai trazer em nenhum momento próximo os benefícios econômicos prometidos e há caminhos muito melhores disponíveis.
BBC News Brasil - No livro, o senhor aponta que impor limites ao poder das grandes empresas de tecnologia e regulá-las são passos cruciais para um futuro melhor para as tecnologias digitais. Mas, no Brasil, tivemos uma experiência recente de o Congresso tentar passar uma lei contra a desinformação nas redes sociais e voltar atrás, sob pressão de empresas como Google e Facebook, com o Google chegando a postar anúncios contra a lei na página principal do seu buscador. É realmente possível os governos regularem as big techs no cenário atual?
Acemoglu - Google, Facebook, Amazon vão fazer o que podem para barrar regulações, mesmo quando dizem ser a favor de regulações razoáveis, como disseram recentemente aos congressistas americanos.
E sim, em lugares onde os limites quanto ao uso de propaganda são mais frouxos, como no Brasil, eles vão usá-la de forma mais abusiva.
Mas acredito elas serem tão resistentes é uma prova de que é possível regular essas empresas. Se de fato a regulação não tivesse nenhum efeito, elas não estariam gastando milhões de dólares para lutar contra isso.
E há um país que mostra como efetivamente as big techs podem ser reguladas: a China.
Veja, eu não sou a favor do caminho chinês, me oponho fortemente ao Partido Comunista Chinês e não gosto dos seus métodos ou seus objetivos. Mas a China provou nos últimos cinco anos que eles podem de forma muito bem-sucedida regular as big techs.
Então eu espero que não precisemos copiar os chineses - certamente não deveríamos copiar seus métodos antidemocráticos ou seus objetivos. Mas é uma prova de que regular é possível.
Mas deixe-me dizer algo sobre Brasil, Índia, Turquia e outros países como estes.
O problema aí é muito mais difícil porque, por um lado, você quer fazer o mesmo tipo de regulação e garantir que as mazelas dessas novas tecnologias não afetem a população. Mas, diferentemente dos EUA, por exemplo, esses países estão atrasados na curva tecnológica.
Então, ao mesmo tempo, é preciso garantir que empresas e indivíduos tenham incentivos para adotar e aprender essas tecnologias rapidamente. Mas, ao fazer isso, é preciso não repetir os erros cometidos nos EUA. Então é um problema bastante difícil.
BBC News Brasil - E por que o senhor acredita que a renda básica universal não é a solução para a ameaça que a inteligência artificial representa ao futuro do trabalho?
Acemoglu - Se eu estivesse convencido de que não há nada que possamos fazer e muitos empregos irão desaparecer; de que existe acordo político para uma renda básica universal; e de que, numa sociedade sem uma renda básica universal, pessoas que recebessem uma renda básica não seriam classificadas como cidadãos de segunda classe, eu seria mais favorável a uma renda básica universal.
Mas todas essas condições não se aplicam.
Primeiro, eu não acho que estamos condenados a substituir o trabalho humano. Há um caminho alternativo e esse caminho é usar a IA de maneira mais em favor do ser humano, em favor do trabalhador.
Ao colocar tanta ênfase na renda básica universal, assumimos uma postura derrotista, fechando as portas para esse caminho muito mais atraente.
Segundo, mesmo se decidíssimos pelo caminho da renda básica, não acredito que o equilíbrio político permitiria uma renda básica universal generosa. Elon Musk, Mark Zuckerberg e os executivos da Google, que são tão resistentes a um pouquinho de regulação, não vão dizer: "Tudo bem, peguem metade da minha riqueza e destinem para uma renda básica universal."
E terceiro, mesmo que isso acontecesse, essa ainda seria uma sociedade de duas castas. Teríamos 10%, 15% ou 20% da população que seriam os grandes advogados, engenheiros, inovadores e designers, que ganhariam todo o dinheiro e então dariam uma fração dele para o cuidado com as outras pessoas. E as pessoas que receberiam não fariam nada, só ficariam com as migalhas dos super ricos. Essa seria uma sociedade muito desigual e acho que não queremos isso.
BBC News Brasil - Então o senhor acredita que a forma de lidar com o impacto da IA sobre o trabalho é mudar sua direção?
Acemoglu - Exatamente. Redirecionar a mudança tecnológica, regular a forma como usamos a inteligência artificial e garantir mais controle governamental sobre as direções em que estamos colocando nossos esforços.