Marinha adota Starlink no maior navio da frota, mas diz não dar informação militar a Elon Musk
Militares afirmam que tecnologia será testada em embarcações, mas que dados sensíveis do Brasil continuarão sendo trafegados por redes e tecnologias próprias
BRASÍLIA - A Marinha decidiu usar a internet da Starlink em alguns dos principais navios da frota, alegando interesse experimental na tecnologia de Elon Musk. Apesar de ter recorrido aos serviços para ter conexão nas embarcações em alto mar, o Comando da Força Naval afirma que não permitirá o tráfego de informações militares pelos satélites do bilionário.
A expansão global da SpaceX, dona da rede de satélites Starlink, já motivou alertas de organismos internacionais e de especialistas por causa da hegemonia de Elon Musk nas telecomunicações mundiais. Ao garantir internet em localidades remotas da Terra, o bilionário passou a ser decisivo na geopolítica e a influenciar até desdobramentos das guerras modernas. A tecnologia da Starlink também está presente na Amazônia desde 2022, depois que Musk visitou o Brasil e mostrou interesse em "conectar" a região.
A influência geopolítica de Musk
Na Ucrânia, Elon Musk se ofereceu como garantidor das comunicações após ataques da Rússia e toda a operação militar ucraniana passou a depender dele. A conta da ajuda foi apresentada ao governo dos Estados Unidos, com pedido de financiamentos. Em setembro, Musk reforçou que seria impossível atender pleito de Volodimir Zelensky de usar a tecnologia para um contra-ataque a uma base naval russa na Crimeia.
Dono da rede social X, o antigo Twitter, Musk é acusado de incentivar publicações antissemitas. Em outubro, ele visitou em Israel local atacado pelo Hamas em um esforço para dissipar as críticas. Em seguida, foi convidado pelo Hamas para "ver a extensão dos massacres e da destruição cometidos contra o povo de Gaza".
A agência espacial norte-americana (Nasa) já manifestou preocupações com o crescimento exponencial da empresa de Musk. Ele já lançou cerca de 5 mil satélites no espaço. Explorando uma falta de regulação mundial, o bilionário pretende chegar a 42 mil para cobrir cada canto do planeta. A tecnologia já afeta pesquisas astronômicas e desperta receios sobre eventuais interferências em outros sistemas.
Uma explicação sobre os riscos
O diretor-executivo do Instituto de Tecnologia & Sociedade, Fabro Steibe, explica que em serviços de internet como o de Elon Musk, com sede nos Estados Unidos, o Brasil não tem controle da infraestrutura de dados. O empresário tem controle absoluto sobre a tecnologia e sobre os dados que a tecnologia gera.
"Quando você está nessa rede de satélite, você enxerga nada, você está no escuro. Você tem uma empresa que pode enxergar muito, pode enxergar onde tem ou não tem pessoas, pode adotar padrões criptográficos que não são padrão de mercado", explica.
Como já mostrou o Estadão, a Starlink tem se popularizado na Amazônia e entrado em compras públicas de governos por se apresentar como solução para conectar áreas remotas. "É mais ou menos você dizer que a empresa do Musk sabe tudo que acontece na Amazônia e o governo não", frisou o especialista.
O ITS é um instituto de pesquisa independente, sem fins lucrativos e que atua como consultor especial da Organização das Nações Unidas (ONU). Professores e pesquisadores de instituições como Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da PUC-Rio integram a entidade.
Kits de antenas comprados sem licitação
Os kits da Starlink que foram para os três navios da Marinha foram comprados com dispensa de licitação. "A Lei nº 14133/2021 prevê, em seu artigo 75, a possibilidade de dispensa de licitação para contratações que envolvam valores inferiores a R$ 57.208,33, no caso de serviços", informou o Comando.
Para o navio-aeródromo, o Comando da Marinha comprou o dispositivo por R$ 37.860, para um período de três meses, da ACSA Comércio de Equipamentos e Serviços, uma firma comercial de variedades que já vendeu até marmitas para cerimônias do Exército.
O dono da empresa, Alan Cristino Alves, disse que não poderia informar como teve acesso ao equipamento para vender aos militares, por questão estratégica. Segundo ele, a empresa não fará novas vendas do produto porque "a burocracia da Starlink acaba dificultando um pouco".
Para o navio de pesquisas, o kit marítimo da Starlink custou R$ 54 mil, para um período de seis meses. O produto foi vendido pela Alvarenga e Linhares Comércio e Serviços, uma pequena empresa do interior do Rio de Janeiro. O responsável pela empresa disse ter comprado o kit de um revendedor de Manaus. O Ary Rongel é o responsável por permitir pesquisas científicas do Brasil na Antártica.
A compra mais recente, para o Navio Maracanã, foi feita no final de outubro pelo Comando do Grupo de Patrulhamento Naval do Sul Sudeste. Pelos equipamentos, serão desembolsados R$ 57.200,64, para uso do serviço por 12 meses.