'Ministro da Fazenda de Lula não deve tentar reinventar a roda na economia', diz Paulo Hartung
Ex-governador do Espírito Santo defende um governo de 'transição' e diz ser possível ter responsabilidade fiscal e social
O ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, de 65 anos, disse em entrevista ao Estadão que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva permanece no palanque falando para "dentro de casa" quando critica dar prioridade "a tal estabilidade fiscal" em detrimento aos problemas sociais.
"Lula precisa descer do palanque. A campanha já acabou", afirmou o político e economista capixaba, um dos principais articuladores da tentativa sem sucesso de se estabelecer uma terceira via na eleição presidencial deste ano. Hartung disse também torcer por um governo amplo e que a futura gestão entenda o recado das urnas. "É uma autorização para que o futuro presidente lidere um governo de transição."
Qual o perfil adequado para o ministro da Fazenda?
Alguém que não brigue com a realidade e não tente reinventar a roda. Veja a experiência agora na Inglaterra: um governo que durou menos de dois meses porque tentou reinventar a roda com políticas que já deram errado na Europa, no Brasil e na América Latina. No governo Biden, a inflação não foi cuidada e cobrou um preço na representação parlamentar. Dá para ter responsabilidade fiscal e social.
Estamos sob o risco do negacionismo econômico?
Eu acredito muito na força da sociedade. A sociedade está colocando na mesa o que pensa. Isso pode trazer uma boa reflexão do presidente eleito. Temos problemas fiscais e um mundo que anda de lado. É só ver a crise energética na Europa e o problema inflacionário nos Estados Unidos. E o baixo crescimento da Ásia e China. Num cenário desses há mil oportunidades para o Brasil. A descarbonização que se discute na COP é uma oportunidade para a economia brasileira. Temos ativos ambientais extraordinários. Isso é uma bola quicando na cara do gol, mas só acessamos ela se fizermos o dever de casa. O Brasil pode ser um caminho robusto de investimentos internacionais.
O sr. diz que o Brasil vive sua mais profunda divisão e que é necessário uma pacificação nacional. Como viu a nota conjunta dos comandantes das Forças Armadas?
Se cometeu um erro lá no início desse processo que foi chamar os militares para participar da avaliação do sistema eleitoral brasileiro. Isso não é função constitucional dos militares. Isso criou um problema que não existe. Agora, em vez de ficar acirrando esse debate, é hora de colocar água fria nesse debate e superá-lo. É preciso um esforço intelectual para compreender a divisão do País. Precisamos compreender que brasileiro é esse que está na pista.
Que brasileiro é esse?
As pistas estão colocadas. Os brasileiros gostam da expressão de tirar o governo do cangote de quem produz e gera oportunidades. Antigamente as pessoas gostavam de mais governo, hoje não gostam mais porque sabem porque isso significa mais impostos. As pessoas não querem mais governo, as pessoas querem governo melhor.
Acredita que o próximo governo pode ser, de fato, um governo amplo?
Como brasileiro eu torço para que esse governo entenda o recado das urnas. O recado não é um cheque em branco, mas uma autorização limitada. É uma autorização para que o futuro presidente lidere um governo de transição. A minha torcida é para que seja um governo amplo e suprapartidário. Mas quem tem a caneta é o presidente eleito.
O que o agronegócio espera dessa nova gestão do PT?
Os brasileiros eram importadores de alimentos na década de 1970 e hoje alimentam 10% da população planetária. Isso é um avanço extraordinário. Esse é um caso de sucesso no Brasil. A primeira aspiração do agronegócio é a segurança jurídica e respeito à propriedade. Tem que desburocratizar a relação do governo com as atividades econômicas como um todo.