MPF abre inquérito sobre agentes da Abin na Cúpula do Clima
Ministros Augusto Heleno e Ernesto Araújo serão intimados a depor em investigação; caso foi revelado pelo Estadão em outubro
BRASÍLIA - O Ministério Público Federal (MPF) determinou a abertura de um inquérito civil para apurar o envio de oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar a Cúpula do Clima (COP-25) das Nações Unidas, em Madri, na Espanha. O caso foi revelado pelo Estadão em outubro do ano passado.
O inquérito vai apurar as circunstâncias da operação de inteligência e eventuais irregularidades praticadas pelos ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Eles serão intimados a depor e podem ser enquadrados em ato de improbidade administrativa, com penas que vão da perda da função pública, multa a suspensão dos direitos políticos.
A Procuradoria da República no Distrito Federal e a Procuradoria-Geral da República já haviam aberto investigações preliminares para apurar a inédita participação da Abin na principal reunião climática do mundo. Agora, uma das "notícias de fato", nome técnico dado às averiguações iniciais, foi convertida em inquérito civil.
Os dois órgãos do MPF foram provocados a agir por representação da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados. O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena, que recebeu a documentação, considerou o caso "grave". Vilhena remeteu ofício à primeira instância do MPF recomendando a apuração.
Como mostrou Estadão relatou, foram observados integrantes da delegação oficial brasileira, de organizações não-governamentais e de países estrangeiros. Havia preocupação dos agentes a imagem da política ambiental do Brasil no exterior e menções à Amazônia.
Dias depois da primeira reportagem, o ministro Augusto Heleno confirmou a operação e disse que ela voltará a ocorrer. O chefe da Inteligência presidencial justificou ser necessário acompanhar campanhas promovidas por "maus brasileiros".
O procurador Guilherme Raposo destacou que cabe ao Ministério Público Federal a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Segundo Raposo, as "questões versadas nos autos ainda demandam diligências para a formação do convencimento ministerial acerca de eventual enquadramento (ou não) dos fatos narrados como atos ímprobos (tal como a oitiva dos representados), não sendo o caso de imediato arquivamento do procedimento".
Além do adido de inteligência na embaixada brasileira em Madri e de um coronel do Exército que representava Heleno, a comitiva credenciada para a COP-25 pelo Itamaraty foi composta por quatro agentes secretos da Abin, cujo elo funcional com o órgão foi omitido tanto das Nações Unidas quanto do Congresso Nacional. Em documentos da ONU consultados pelo Estadão, os quatro agentes são classificados como "assistentes" do GSI. Ao Congresso, o Itamaraty informou em ofício serem "assessores" da Presidência da República.
O MPF cita na portaria de abertura de inquérito o relato de que os ministros violaram o dever de transparência omitindo e manipulando informações, como denunciaram os deputados do PSOL.
O caso ganhou repercussão internacional e levou 162 entidades civis e parlamentares a cobrarem providências da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima.
Heleno e Araújo foram procurados para se manifestar, mas ainda não responderam até a publicação deste texto.