MPF requer que empresa dos EUA suspenda pacotes turísticos para pesca em Terra Indígena na Amazônia
Empresa americana não tinha autorização das comunidades, descumpriu trativas e não compareceu a reuniões com o Ministério Público; representante diz que empresa não atua no Brasil e que cabe às parceiras locais "o ônus de desembaraçar suas atividades no território nacional e observar a regra legal brasileira"
O Ministério Público Federal (MPF) emitiu um requerimento para que a empresa americana Acute Angling EUA suspenda as atividades de pesca esportiva na Terra Indígena Ararà, no Amazonas. Segundo o MPF, a empresa americana não cumpriu compromissos firmados no início deste ano para a exploração turística da região e não compareceu em reuniões, no que o órgão chamou de "completa quebra de boa fé e dos compromissos assumidos perante os indígenas e o MPF".
O órgão, então, demanda que a empresa deixe de vender pacotes turísticos relacionados à pesca esportiva na região, cancele os pacotes já vendidos e não firme quaisquer novos acordos envolvendo exploração turística em terras indígenas no Brasil sem o devido acompanhamento dos órgãos competentes. Procurada pelo Estadão, a empresa disse que não opera no Brasil e que apenas vende pacotes de visitação turística de pesca esportiva a pessoas que querem pescar no País. Segundo a nota, as empresas locais é que seriam as responsáveis em "desembaraçar suas atividades no território nacional e observar a regra legal brasileira". Leia nota na íntegra no final da matéria.
A Terra Indígena Ararà, onde ocorria a exploração turística pela empresa, fica no município de Urucará (AM), localizado há mais de 300 quilômetros da capital, Manaus. De acordo com o MPF, a empresa trabalha com venda de pacotes turísticos para a pesca esportiva do peixe tucunaré no baixo rio Jatapu, em Urucará, e em seus afluentes, sem autorização das comunidades.
O MPF, então, teria firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a empresa, a Associação Aymara e lideranças da Terra Indígena Ararà, segundo o qual, até dia 28 de fevereiro de 2023, a Acute Angling deveria se retirar do território no baixo Jatapú e depositar o valor de R$ 600 mil na conta da Associação.
Isso não aconteceu e o MPF pediu novas ações da empresa, como a retirada de toda a propaganda que fizesse referência ao rio Jatapú de seu site, bem como o pagamento de US$ 30 mil (cerca de R$ 150 mil atuais) à associação dos indígenas, além da apresentação de um novo plano de atuação.
Segundo o órgão, a Acute Angling concordou com as medidas, mas elas não foram cumpridas e após nova reunião em julho, o advogado disse que o posicionamento havia mudado, e que a empresa não estava mais disposta a cooperar com o MPF. O advogado da empresa ainda teria solicitado uma reunião com o MPF para esclarecer o novo posicionamento, mas não compareceu na data combinada.
O pedido do MPF é para que todas as atividades de exploração turística praticadas pela empresa nessa região sejam suspensas até que a pesca seja devidamente autorizada pelos órgãos públicos responsáveis, como a Funai e o Ibama.
Por se tratar de uma Terra Indígena, órgãos públicos e empresas privadas, incluindo pessoas físicas, devem respeitar a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que diz que os povos indígenas têm o direito de serem consultados sobre qualquer atividade que possa afetar seus bens ou direitos.
Empresa descumpre outros acordos
Segundo o MPF, há indícios de que a mesma empresa vem descumprindo outros acordos, "causando problemas no Amazonas e em outros estados". Segundo matéria do G1, em setembro de 2022, o MPF ajuizou ação na Justiça Federal em Santarém, oeste do Pará, obrigando a empresa a indenizar moradores da Terra Indígena Nhamundá-Mapuera em R$ 3 milhões, pela prática de turismo ilegal na região.
Segundo a matéria, empresários cobravam até R$ 36 mil por pessoa para expedições de pesca na terra indígena.
A recomendação do MPF foi publicada na última quinta-feira, 14, e dá 15 dias para que a empresa e se manifeste, bem como suspenda a venda de pacotes turísticos relacionados à pesca esportiva na região e suspenda os pacotes já vendidos.
Pelo site da empresa, são oferecidos pacotes que incluem traslados em pequenos aviões para áreas mais remotas da floresta Amazônica, além de barcos individuais para servirem de base ou acampamento para os clientes, lanchas e barcos de até três andares.
Leia a íntegra da nota do presidente da empresa Acute Angling, Zach Porter:
Em primeiro lugar cabe esclarecer que nossa empresa não atua no Brasil. Nosso objetivo é vender pacotes de visitação turística de pesca esportiva a pessoas que querem pescar no Brasil, mas não realizamos as operações localmente em razão de haver empresas especializadas no país. Além disso, não dispomos da complexa logística em realizar tais operações localmente. Nosso modelo de negócio é baseado exclusivamente na venda de pacotes turísticos. Diante disso, empresas brasileiras buscam auxílio em alargar suas operações no mercado internacional, oferecem suas estruturas e disposição em receber estrangeiros em regiões que já operam.
Nesse contexto, tais empresas brasileiras buscam eventos internacionais para oferecer a disposição em receber turistas para essa finalidade. Eis que nossa empresa faz a intermediação entre os interessados em viajar a estes locais, e as empresas brasileiras que operam localmente. No caso da Amazônia, há empresas locais e regionais que põem à venda planos de visitação de lugares hábeis para a prática da pesca esportiva. Naturalmente que tais empresas locais tem o ônus de desembaraçar suas atividades no território nacional e observar a regra legal brasileira. Pois como disse, não realizamos a operação propriamente dita.
Nesses casos, há inúmeras empresas na Amazônia que organizadas sob as leis brasileiras, sinalizam a disposição em receber turismo de pesca nas regiões que exploram Sendo assim, tomamos conhecimento da medida tomada pelo Ministério Público Federal e enviamos nossos advogados para tomar ciência da questão. Todavia, a demanda afetava colaboradores brasileiros e nesse sentido, buscamos auxiliar o procedimento em absoluta boa-fé.
Após esse evento, o procurador do caso tentou imputar culpa a nossa empresa, sem qualquer comprovação material e formal para tanto. Porém, entendemos que o procedimento carece ser saneado de forma a comprovar a atuação de nossa empresa nesse caso. Após essa tentativa de acudir nossos parceiros comerciais no Brasil envolvidos nessa acusação - frise-se: em absoluta boa-fé; vez que nosso negócio é lícito, a autoridade passou a envolver o nome de nossa empresa no fato, inclusive sob a ameaças da prática de "shame" (envergonhar nossa empresa), e por isso entendemos que somos incompententes para figurar no polo passivo da demanda por absoluta incapacidade processual. Da mesma forma que nunca fomos citados formalmente pelo órgão oficial brasileiro.
Portanto, reafirmamos que nossa empresa AcuteAngling USA não opera no Brasil e tampouco possui representações ou filiais no país. Da mesma forma, reafirma que jamais firmou qualquer compromisso em fazer ou deixar de fazer algo, seja administrativa ou judicialmente. Como disse, apenas intermediamos a venda de pacotes turísticos entre os interessados e as empresas operadoras no Brasil.