A sala onde Facebook trava guerra contra as notícias falsas
Na sede do grupo, time fica reunido para agir contra a desinformação, mas empresa admite dificuldade
MENLO PARK (CALIFÓRNIA) - De dentro de uma sala no edifício 20 da sede do Facebook em Menlo Park, na Califórnia, um time da empresa compra a guerra contra as notícias falsas nas eleições 2018, mas admite a dificuldade em controlar as tentativas de se influenciar politicamente disputas eleitorais no Brasil e no mundo através de desinformação. "Nós temos adversários sofisticados que ficam continuamente tentando encontrar novas formas (de espalhar conteúdo falso)", responde Nathaniel Gleicher, chefe das políticas de cibersegurança do Facebook, questionado sobre a continuidade das contas falsas nas eleições brasileiras mesmo com a atenção do Facebook sobre o Brasil - em um trabalho que a empresa considera ter sido eficiente.
O trabalho, explica Gleicher, é de identificar um padrão de comportamento nocivo e agir para tornar aquela ação mais difícil e mais lenta, dando tempo aos técnicos para descobrir problemas com a rapidez necessária a evitar que isso interfira no processo eleitoral. Para o Facebook, a empresa está muito mais avançada, hoje em dia, do que já esteve em 2016, por exemplo.
O Facebook abriu para jornalistas nesta quarta-feira, 17, pela primeira vez a "sala de guerra" de eleições, onde desde setembro especialistas de 20 equipes diferentes da companhia - entre engenheiros da computação, pesquisadores e integrantes do time legal da empresa, por exemplo - ficam reunidos para agir durante as eleições contra a desinformação.
A disputa eleitoral brasileira deste ano foi a primeira levada ao espaço. "Estamos fazendo nosso melhor, mas há sempre mais para tentar encontrar (esses casos). Sempre há mais trabalho que podemos fazer e é por isso que tentamos estabelecer parcerias", afirma a diretora de políticas globais, Katie Harbath, destacando a importância de parceria com autoridades eleitorais e empresas de outros ramos, como checagem de notícias, para identificar o problema.
Na sala, bandeiras e mapas do Brasil - e dos Estados Unidos - dividem o espaço com cartazes coloridos com frases motivacionais como os vistos em outras áreas da empresa e com grandes telas de gráficos de monitoramento dos compartilhamentos ligados à eleição na rede social. O acesso ao local é restrito.
"Sabemos que não temos bola de cristal, sabemos que temos que estar prontos para novas técnicas, que não vimos antes", afirma Gleicher. Na conversa com os jornalistas, em nenhum momento os representantes do Facebook garantem que a plataforma está imune ao risco de interferências na eleição através da disseminação de conteúdo falso.
O esforço do Facebook em mostrar o trabalho pela integridade das eleições vem depois de a companhia sofrer um forte abalo na reputação - e perder valor em ações de mercado - com a vinda à tona no início deste ano do escândalo sobre o uso de dados indevidos pela consultoria política Cambridge Analytica, na eleição americana de 2016, e a interferência de robôs russos, que impulsionaram a divulgação de conteúdo que favoreceu o então candidato e hoje presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O Facebook resistiu até reconhecer que falhou na segurança dos dados dos usuários e teve seu modelo de negócios posto à prova. Desde então, a pressão americana por uma regulação de companhias que coletam dados dos usuários, como o Facebook, cresceu.
A empresa diz que já vem intensificando o trabalho de segurança de dados e integridade em eleições durante os últimos dois anos e que, em 2017, ampliou de 10 mil para 20 mil o número de pessoas trabalhando nessa área e redirecionou todas as atenções à questão das eleições. Isso não impediu que há menos de um mês a rede social admitisse que hackers conseguiram acessar indevidamente dados de cerca de 50 milhões de usuários da plataforma.
Para mostrar como tem tentado barrar a interferência em eleições - inclusive as eleições de meio de mandato americanas, que vão ocorrer em novembro - o Facebook convidou jornalistas para conhecerem a "sala de guerra" inaugurada em setembro, na qual há equipes trabalhando 24 horas por dia nos períodos próximos a eleições. O Estado foi o único veículo brasileiro a visitar o local.
A eleição no Brasil é vista como um caso de eficiência do grupo - a despeito do compartilhamento de notícias falsas na rede ter levado, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a determinar a remoção de postagens com conteúdo falso nesta semana.
A intenção da "sala de guerra", segundo eles, é manter unidos fisicamente os representantes de todos os times num só lugar; antes o trabalho era feito virtualmente. Em eleição, segundo eles, cada minuto importa, e manter o grupo unido é um jeito de dar respostas rápidas.
Segundo Samidh Chakrabarti, diretor de eleições e engajamento civil do Facebook, no caso das eleições brasileiras a "sala de guerra" conseguiu tirar do ar uma informação que poderia comprometer a votação no primeiro turno antes que as postagens se tornassem virais. No domingo, 7, dia da eleição brasileira, o Facebook identificou um alto volume de postagens que indicavam que a votação se estenderia até a segunda-feira, 8, o que era uma mentira, mas conseguiu remover em algumas horas o conteúdo da plataforma. Não foram divulgados os dados dos casos removidos.
Globalmente, a empresa já derrubou 1,3 bilhão de contas falsas. Muitas vezes, segundo Samidh, a origem de posts que contenham desinformação é uma conta falsa. A empresa também passou a reduzir a redistribuição de conteúdos, fazer parcerias com agências de checagem para confrontar os dados e dar mais transparência aos anúncios publicitários. Além de conteúdo falso, a empresa também analisa na "sala de guerra" as tendências de discurso de ódio ou de conteúdo que pode atrapalhar o engajamento da sociedade no processo eleitoral.
Os especialistas identificaram no primeiro turno do Brasil, por exemplo, postagens com alto discurso de ódio contra uma região do País, logo após o fechamento das urnas, e começaram a derrubar as publicações no mesmo dia.
No Brasil, o Whastapp se tornou um importante disseminador de notícias falsas. O Facebook adquiriu o WhatsApp em 2014, mas quando se trata de responder sobre a disseminação de conteúdo falso a resposta comumente ouvida é que as duas são "empresas diferentes". A "sala de guerra" do Facebook incluiu representantes do WhatsApp, para verificar quando ambos podem se ajudar.
O WhatsApp passou a identificar quando uma mensagem é encaminhada na tentativa de ajudar no combate à desinformação, mas isso não evitou que o aplicativo fosse povoado por informação falsa nas eleições brasileiras.
"Aplicativos diferentes precisam de abordagens diferentes. Na sala de guerra trabalhamos lado a lado e várias vezes as tecnologias anti-spam podem se aplicar nas diferentes plataformas", disse Samidh, questionado sobre o problema do WhatsApp na divulgação de notícias falsas.
*A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO FACEBOOK