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Política

'Não adianta ter embaixada sem água e telefone', diz Ricupero

21 mai 2016 - 07h44
(atualizado às 09h46)
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Novo chanceler José Serra durante posse no Itamaraty: novas diretrizes
Novo chanceler José Serra durante posse no Itamaraty: novas diretrizes
Foto: BBC / BBC News Brasil

Amigo de longa data de José Serra, o ex-secretário geral da Unctad (o órgão da ONU para comércio e desenvolvimento) Rubens Ricupero diz que "conversou bastante" com o novo chanceler quando este foi convidado a assumir o Ministério de Relações Exteriores pelo presidente interino Michel Temer.

"Procuramos - eu e (o ex-ministro do Desenvolvimento) Sergio Amaral - dar a ele (Serra) um pouco de nossa percepção da situação (das relações exteriores brasileiras)", diz o diplomata aposentado.

Ricupero, que também foi ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e embaixador em Washington, nega que haja contradição no fato de Serra prometer uma "desideologização" da diplomacia brasileira e, ao mesmo tempo, enfatizar as relações com países de governos mais liberais, como a Argentina de Mauricio Macri.

Para ele, fechar representações em outros países em um contexto de escassez de recursos é uma questão de "bom senso". "De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone?"

E o atual governo não precisa se preocupar com sua legitimidade no exterior.

"No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não", diz.

"É um pouco aquilo que se diz em inglês, 'Nothing succeeds like success' (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado."

Confira a entrevista que Ricupero concedeu à BBC Brasil, por telefone, da casa de uma de suas filhas, na França.

BBC Brasil: Serra prometeu "desideologizar" as relações exteriores, mas em seu primeiro discurso também falou na aproximação em países politicamente mais alinhados ao atual governo brasileiro, como Argentina e México. Isso não é uma contradição?

Rubens Ricupero: Não há contradição porque uma coisa é você apoiar uma ideologia clara, como era o bolivarianismo, com a qual o PT tem certa identidade. Outra muito diferente é reconhecer realisticamente que o Brasil precisa manter uma relação mais estreita com os dois grandes países latino-americanos que são comparáveis a nós em tamanho, economia e influência - o México, no norte, e a Argentina, no sul.

Isso não significa que haja menosprezo pelos outros. Os países (da Aliança) do Pacífico e mesmo Venezuela, Bolívia e Equador, todos são parceiros. Mas (ter como foco a Argentina) é uma atitude realista, da mesma forma que para a Franca a relação especial é com a Alemanha. Ninguém aqui imaginaria que essa é uma opção ideológica - é uma imposição da realidade.

Ideologia é postular uma relação especial com países distantes, com os quais temos pouco em comum até na vida econômica, como Cuba e Nicarágua, apenas porque eles fazem parte da aliança bolivariana.

BBC Brasil: Mas se a Argentina tivesse um governo kirchnerista a aposta não seria a mesma, seria?

Ex-ministro Rubens Ricupero
Ex-ministro Rubens Ricupero
Foto: BBC / BBC News Brasil

Ricupero: Seria, porque, como disse, isso é uma imposição da própria vizinhança, da realidade. Agora, não há dúvida que facilita (a relação), como o ministro disse no discurso, o fato de Argentina e Brasil estarem sintonizados, passando por momentos semelhantes, com problemas graves de natureza econômica e com o mesmo tipo de transição. Também com novos governos que têm uma visão parecida sobre a necessidade de uma inserção internacional mais aberta. Isso facilita enormemente para que se comece a mudar o panorama do Mercosul.

Uma coisa é um Mercosul em que o Brasil quer negociar com outros países acordos de comércio e a Argentina faz corpo mole, como até poucos meses atrás. Outra é ter um parceiro que quer tanto quanto nós negociar ativamente com a União Europeia e outros países. Há uma atitude diferente.

México, Colômbia, Peru, Chile. Todos esses países querem se integrar no mundo, abrir-se ao comércio e ao investimento - mesma linha que o Brasil segue agora. Então é natural que você tenha mais afinidade com esses países.

BBC Brasil: A diplomacia de Lula foi marcada por uma expansão do ativismo do Brasil lá fora e um aumento do número de embaixadas e consulados. Serra pediu que fosse calculado quanto custaria fechar algumas dessas representações. Fará uma diplomacia mais contida?

Ricupero: A diplomacia de Lula e do chanceler Celso Amorim refletiu um grande momento positivo vivido pelo Brasil, inclusive na economia. Havia um contexto mundial favorável, com crescimento acelerado da China e alto preço das commododities. Agora, a situação mudou muito. Essa redução do ativismo já foi perceptível no governo Dilma.

Todo país em fase de dificuldades orçamentárias costuma reavaliar sua rede de representações para tirar melhor proveito dos recursos. Os ingleses recentemente, com os conservadores no poder, fecharam alguns postos diplomáticos e remodelaram outros. A França também fez isso. É apenas um reflexo das dificuldades.

De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone? Tenho colegas aqui no exterior que não conseguem pagar conta da internet, telefone. Eu mesmo quando fui embaixador em Washington durante o governo (Fernando) Collor tive de pagar as contas da embaixada do meu bolso pra evitar um corte.

É melhor que, nesses casos, haja uma atitude de bom senso de fazer com que os gastos correspondam aos meios. É isso que eu acho que vai ser feito, mas isso não significa diminuir o nível de atividade. Você pode conseguir a mesma coisa utilizando melhor os recursos.

BBC Brasil: A expansão de embaixadas foi um erro?

Ricupero: Talvez menos que erro. Foi um entusiasmo precipitado. Julgou-se que aquele período de bonança duraria para sempre. E não só na política externa. Havia essa atitude com relação a todos os gastos do governo. Por isso eles se expandiram tanto.

BBC Brasil: O tom das notas emitidas em resposta a governos como Cuba, Nicarágua e Venezuela (que condenaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff) causou polêmica e dividiu o Itamaraty. Para alguns, elas seriam muito incisivas, políticas.

Ricupero: Não concordo. A surpresa seria se não houvesse reação. Porque as notas dos outros é que foram de uma agressividade inacreditável na convivência diplomática. A nota da Venezuela, por exemplo, é umas sete vezes mais longa que a nota de resposta. A do Brasil é enérgica, mas está dentro do formato diplomático tradicional. Não há nenhum juízo sobre o que está acontecendo na Venezuela ou Cuba, sobre como são as eleições nesses países. Nada que atente contra o princípio de não intervenção. Quem interveio no Brasil foram eles. Apenas respondemos a uma agressão.

BBC Brasil: O que esperar da diplomacia de Serra?

Ricupero: Uma diplomacia realista, pragmática e sóbria, comprometida com a ampliação de nossas exportações e atração de investimentos para ajudar o país a sair da crise. No momento o comércio exterior, o setor externo é um dos poucos setores da economia que está começando a apresentar bons resultados. É verdade que por razões negativas - as importações caíram muito. Mas há a expectativa de se ampliar as exportações, e, com isso, criar empregos no Brasil.

BBC Brasil: O atual governo não pode ter dificuldades para garantir sua legitimidade lá fora?

Ricupero - Não se pode dar muita importância a essas coisas. No começo, sempre há esse tipo de estranheza, porque obviamente aconteceu uma coisa (processo de impeachment) que não é trivial e é preciso explicar (isso lá fora). Mas o que tenho visto na imprensa internacional é uma descrição se não positiva, ao menos bem informada (do que está ocorrendo no Brasil). Os artigos que vi no New York Times, Financial Times, Economist, Le Monde refletem a complexidade do que está se passando.

No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele vai enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não. É um pouco aquilo que se diz em inglês "Nothing succeeds like success" (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado.

Temos no debate no exterior a mesma divisão que no Brasil. Há quem seja favorável e quem seja contra (o impeachment). Afinal, vivemos (com o impeachment) um dilema no sentido estrito, do dicionário: uma situação em que uma pessoa é obrigada a escolher entre duas alternativas ruins - tanto a continuação como a mudança (eram ruins). E aí foi preciso ver marginalmente qual oferecia uma esperança de melhora.

BBC Brasil: A crise política e econômica da Venezuela se aprofundou. Alguns analistas dizem que o país está à beira de um colapso. Como o Brasil deve se posicionar?

Ricupero: Quando era diplomata cuidei de Venezuela por muitos anos. Não sei qual a opinião do ministro (Serra) sobre isso, mas acredito que a gente deve se manter dentro do princípio de não intervenção. Sei que a situação está muito tensa e se agrava dia a dia, mas não vejo outra possibilidade. Os países têm de encontrar seus caminhos por seus próprios meios e os outros podem ajudar se forem solicitados. Os resultados que vimos no mundo de ações que violam esse principio de não ingerência - por exemplo, a invasão do Iraque, a derrubada do regime da Líbia - foram todos desastrosos, ainda que tenham vindo embrulhados nas melhores intenções.

BBC Brasil: Serra deu indicações de que deve apostar nas negociações de acordos bilaterais. As dificuldades econômicas não podem ser um empecilho para atrair o interesse de outros países? Quais os acordos mais prováveis?

Ricupero: Esses acordos já estão em andamento. Eu soube que (um acordo) com o Peru está praticamente concluído. Imagino que vai ser mais fácil com esses países que se mostram mais abertos, Peru, Chile, México, espero que a Colômbia também.

No caso dos EUA, é possível que se encontre uma maneira de continuar o esforço que o (ex-)ministro Armando Monteiro estava fazendo para examinar todas as barreiras não-tarifárias. Com a União Europeia eu diria que vai ser prioridade máxima, porque em conjunto a UE é de longe o maior parceiro comercial do Brasil e a maior fonte de investimentos para o país. A China também deve receber atenção especial.

BBC Brasil: O Mercosul pode deixar de ser uma união aduaneira para virar área de livre comércio?

Ricupero: Não acho que isso seja uma decisão (do ministro), não está no discurso dele. Essa ideia de deixar a união aduaneira é complexa, precisaria ser analisada em todas as suas implicações. Há setores importantíssimos tanto no Brasil quanto na Argentina que teriam dificuldade se não houvesse a união aduaneira, como o automobilístico.

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