O discurso de Temer e ministros para tentar convencer Davos de que 'o pior já passou'
Com delegação recorde, com 38 participantes - incluindo a figura do presidente, ausente do fórum desde 2014 -, Brasil tenta mostrar agenda positiva após rebaixamento da nota de crédito.
"Na semana que vem, o presidente Temer e os ministros Henrique Meirelles (Fazenda), Fernando Coelho (Filho, de Minas e Energia) e eu estaremos em Davos. E lá nós temos uma mensagem. Uma mensagem singela, curta, mas absolutamente verdadeira: o Brasil voltou", diz o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral) em um vídeo curto distribuído por ele a seus contatos em redes sociais no último sábado.
Para Moreira Franco, o país "voltou" da recessão, que segundo o critério técnico se estendeu de meados de 2015 até o fim de 2017. Mas a frase também serviria como anúncio da presença do comando político do Brasil no Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), evento que começa nesta terça na pequena cidade suíça de Davos e que reúne a nata do empresariado mundial.
Será a primeira participação de Michel Temer no evento desde que assumiu o cargo, e a primeira vez que um presidente da República brasileiro vai a Davos desde 2014.
A viagem ocorre dias depois de o país ter a nota de crédito rebaixada novamente pela agência internacional de risco Standard&Poor's (S&P), em 11 de janeiro. Michel Temer embarcou para a Suíça na noite desta segunda-feira.
Os ministros Ricardo Barros (Saúde) e Blairo Maggi (Agricultura) também participarão, além de Moreira Franco (Secretaria Geral), Henrique Meirelles (Fazenda) e Fernando Coelho Filho (Minas e Energia). A senadora Marta Suplicy (MDB-SP) e o deputado Beto Mansur (PRB-SP) viajarão com Temer ao evento.
O discurso do governo brasileiro, segundo Moreira Franco, será de que o pior já passou.
"Retornamos para dizer que nós enfrentamos a mais grave crise econômica da nossa história, superamos a recessão, baixamos a inflação de mais de 10% para 2,9%, abaixo do piso, e temos, por isso, a possibilidade de ver o presidente do Banco Central brasileiro escolhido o melhor do mundo. Tivemos uma baixa na taxa de juros e aumentou o desempenho da economia brasileira", diz o ministro na mensagem.
Michel Temer deve discursar apenas uma vez durante o evento, na quarta-feira. Segundo a Folha de S. Paulo, o presidente enfatizará a venda de parte da Eletrobras, empresa estatal de energia elétrica. O governo pretende levantar cerca de R$ 12 bilhões com esta operação. Temer também realçará a fase de recuperação vivida pela Petrobras, segundo o mesmo jornal.
Além do presidente e dos ministros, devem ir a Davos representantes de algumas das maiores empresas brasileiras, como os bancos Bradesco, Safra e Itaú Unibanco, a mineradora Vale e a Embraer (indústria aeronáutica).
Os dirigentes brasileiros também terão de explicar aos empresários as dificuldades para a aprovação da reforma da Previdência, que pode ser votada pelo Congresso em fevereiro.
Michel Temer estará acompanhado de vários outros chefes de estado: devem comparecer Donald Trump (EUA), Emmanuel Macron (França), Theresa May (Reino Unido), Angela Merkel (Alemanha), Justin Trudeau (Canadá), Narendra Modi (Índia) e Mauricio Macri (Argentina), entre outros.
Ao todo, segundo a organização, serão cerca de 340 líderes políticos relevantes de todo o mundo. Mais de 3 mil pessoas são esperadas na pequena cidade suíça.
A delegação brasileira também deve ser ligeiramente maior que em anos anteriores: uma lista divulgada pela organização em 12 de janeiro mencionava 38 brasileiros, embora o número real de representantes costume variar para mais ou para menos. Até 2015, esse número costumava ficar abaixo de 30 pessoas.
A delegação brasileira, porém, continua pequena quando comparada à de países de economia semelhante, como a África do Sul: este ano, há 58 sul-africanos registrados para ir ao evento, na lista preliminar. A diferença se deve ao fato de que mais empresários daquele país irão à Suíça.
Abandono
Segundo o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Marcos Pereira (PRB), a praxe nos últimos anos do governo de Dilma Rousseff (PT) era mandar somente o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central a Davos. A petista só foi ao evento uma vez, em 2014.
"No governo Dilma, o Brasil ficou um pouco afastado desse evento (o WEF). Em 2011 a versão latinoamericana do Fórum foi aqui, no Rio de Janeiro, e ela não foi. É comum o presidente do país anfitrião participar", diz Marcos Pereira, que já representou o país em Davos (2017) e no braço latinamericano do evento, na Colômbia (2016).
Pereira deixou o governo no dia 3 de janeiro, para disputar as eleições de 2018.
Segundo o ex-ministro, Temer foi impedido por questões políticas de comparecer ao encontro de janeiro de 2017: naquele momento estava ocorrendo a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, na qual Rodrigo Maia (DEM) acabou reeleito. Se Temer viajasse, diz Pereira, Maia assumiria interinamente a presidência da República, o que irritaria os outros partidos que apoiavam o governo.
Este ano o Brasil receberá a versão latinoamericana do fórum. Será realizado em São Paulo, de 13 a 15 de março. Os nomes do prefeito da cidade, João Doria (PSDB) e do governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), aparecem na listagem preliminar do evento de terça-feira na Suíça, mas as presenças deles ainda não foram confirmadas.
Para quê serve o fórum?
E por que é importante mandar ministros e altos oficiais do governo a eventos como este?
"É uma tentativa de elevar a confiança dos investidores no país, para atrair investimentos", diz o analista político da corretora XP Investimentos, Richard Back. Fazer com que empresários estrangeiros invistam seus recursos no país é vital para garantir a recuperação da economia brasileira.
"Eu estive recentemente no Peru, conversando com investidores de fundos de pensão de lá. Depois que houve o rebaixamento da nota do Brasil (em 11 de janeiro), surgiram muitos questionamentos (...). Eles querem saber sobre o processo eleitoral, sobre o (ex-presidente) Lula, sobre a situação fiscal do país", exemplifica Back. "Ninguém coloca dinheiro em uma situação que não conhece e não sabe exatamente quais são os riscos", diz.
Um dos principais objetivos de políticos neste tipo de evento é justamente fazer reuniões com grandes empresários de outros países, conta o ex-ministro Marcos Pereira.
"Em janeiro (de 2017) o que a gente ouvia dos empresários era: vocês vão realmente conseguir fazer (reformas como a Trabalhista)? É pra valer? Agora, penso eu, o governo vai poder apresentar que já foi feito, e o que ainda tem que fazer", diz Pereira, frisando que não fala mais em nome da administração de Michel Temer.
De acordo com a Folha de S. Paulo, o presidente já recebeu vários pedidos de reuniões, inclusive de CEOs de empresas como a Shell (energia) e AB Inbev (bebidas).
"Lá está reunida a elite do mundo empresarial do planeta (...). Ter uma participação forte mostra segurança, gera proximidade do governo com os investidores", diz o ex-ministro. Além dos encontros reservados, os representantes do governo costumam fazer palestras públicas seguidas de sessões de perguntas, conta ele.