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Política

O Ocidente esperava que Lula fosse seu parceiro, mas ele tem planos próprios

Presidente do Brasil ajuda Pequim a fortalecer sua moeda, o yuan, em relação ao dólar, e promove a si mesmo como potencial mediador entre Moscou e Kiev

13 abr 2023 - 20h43
(atualizado às 22h14)
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A agenda de Lula inclui uma visita em Xangai às instalações da Huawei, a gigante das telecomunicações que foi alvo de sanções americanas
A agenda de Lula inclui uma visita em Xangai às instalações da Huawei, a gigante das telecomunicações que foi alvo de sanções americanas
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

BRASÍLIA - Nos seus primeiros meses no cargo, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva se recusou a condenar a invasão russa da Ucrânia, permitiu que navios de guerra iranianos atracassem no Rio de Janeiro e enviou um representante de alto escalão para se reunir com o ditador venezuelano Nicolás Maduro.

Na sexta-feira, Lula segue para Pequim, última etapa de uma visita de três dias à China. Mais de 200 lideranças empresariais brasileiras foram à China antes da chegada de Lula para acertar uma série de acordos que devem aproximar o Brasil do seu maior parceiro comercial em um momento em que as relações entre Washington e Pequim se tornam cada vez mais tensas.

A agenda de Lula inclui uma visita em Xangai às instalações da Huawei, a gigante das telecomunicações que foi alvo de sanções americanas.

Na capital chinesa, Lula se reunirá com Xi Jinping, principal líder do país, que pressiona por uma revisão da ordem internacional liderada pelos Estados Unidos para posicionar a China como mediadora de poder diplomático. Brasília, enquanto isso, está ajudando Pequim a fortalecer sua moeda, o yuan, em relação ao dólar.

A vitória de Lula na eleição do ano passado contra Jair Bolsonaro, que se alinhou ao presidente Donald Trump e à direita global, trouxe otimismo ante a possibilidade de o país mais populoso da América Latina ser um parceiro na promoção das normas democráticas no Ocidente e além.

Mas, em vez disso, Lula está lembrando o mundo da sua abordagem para a política externa do Brasil - que, condizente com seus primeiros mandatos, dá prioridade ao pragmatismo e ao diálogo, mostrando pouca preocupação com a possibilidade de contrariar Washington ou o Ocidente.

Um exemplo: Lula se recusou a participar da condenação quase universal à invasão russa. O Brasil defendeu uma resolução das Nações Unidas no mês passado pedindo paz e exigindo que Moscou retirasse suas tropas da Ucrânia. Mas, semanas depois, Lula se recusou a assinar uma declaração da Cúpula pela Democracia, do presidente Biden, condenando o ataque da Rússia ao país vizinho.

Em comparação com o isolacionismo beligerante de Bolsonaro, Lula há muito busca expandir o papel do Brasil no palco mundial. Ele defende que o Brasil, lar de mais pessoas do que membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU como Rússia, Grã-Bretanha e França, deveria fazer parte deste clube de elite.

"O Brasil deseja reformar a governança global", disse Celso Amorim, assessor especial do presidente, ao Washington Post. "Gostaríamos de um modelo de governança global que não se pareça com o atual Conselho de Segurança."

Enquanto presidente do Brasil entre 2003 e 2010, Lula buscou uma ordem mundial multipolar que apoiaria as economias de crescimento mais rápido do mundo sem exigir delas que adotassem determinados valores políticos. Em 2009, Lula participou da primeira cúpula dos Brics - as economias grandes e em desenvolvimento de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - que se contrapunham como alternativa ao G-7, grupo das economias mais avançadas.

Os Brics criaram em 2015 sua própria instituição financeira, o Novo Banco de Desenvolvimento, como alternativa ao Fundo Monetário Internacional.

China e Brasil retrataram seus laços mútuos - e com a Rússia - como sendo de crescente importância global. Em entrevista à mídia estatal na terça feira, o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, descreveu os Brics como "um catalisador de mudanças no sistema global de governança".

No momento, nenhum dos países dos Brics impõe sanções à Rússia. O aumento no comércio entre Rússia e China em particular ajudou a reduzir parte do impacto das sanções ocidentais, e Pequim aproveitou as condições para pressionar mais empresas a adotar o yuan em suas transações - em alguns casos possibilitando a elas evitar completamente o dólar.

O Brasil depende da Rússia como seu principal fornecedor de fertilizante para o setor agrícola, que abastece suas crescentes exportações para a China.

A mídia estatal chinesa informou que uma filial brasileira de um banco pertencente ao estado chinês completou sua primeira transação internacional na moeda chinesa. O Banco Central do Brasil anunciou este mês que o yuan ultrapassou o euro enquanto segunda principal moeda de suas divisas internacionais.

"Cada vez mais, vemos a capacidade da China de atuar como alternativa viável (ao Ocidente) e desenvolver alianças diplomáticas que sublinham isso", disse Margaret Myers, diretora do programa para Ásia e América Latina no centro de estudos estratégicos Inter-American Dialogue, em Washington. "Os Brics desempenham cada vez mais esse papel, e Lula, como um dos fundadores do grupo, terá a inclinação de reforçar essa visão."

Durante uma reunião virtual em março com o presidente ucraniano Volodmir Zelensky, Lula reiterou seus apelos recentes pela criação de um "clube da paz" formado por países não alinhados para mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia. A ideia não ganhou muita força em Washington quando Lula visitou Biden em fevereiro.

Pequim celebrou a visita de Lula como oportunidade não apenas de aprofundar os laços econômicos entre os dois países, mas também de avançar a campanha de Xi na busca para posicionar a China como líder de uma ordem mundial que não seja limitada por Washington. Essa campanha inclui a articulação de 12 princípios para o fim das hostilidades na Ucrânia.

Lula promoveu a si mesmo como potencial mediador entre Moscou e Kiev.

Este mês, ele enviou Amorim para se reunir com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou. Antes da viagem, Amorim disse ao Post acreditar que uma solução diplomática para a guerra seria possível.

Mas, indagado se o Brasil desempenharia um papel na imposição das normas democráticas, Amorim respondeu: "Imposição é uma palavra ruim". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Estadão
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