ONU apóia decisão do STF que impediu fechamento da fronteira
De acordo com entidade, cerca de 200 venezuelanos continuam a entrar no Brasil a cada dia e números de 2018 já superam os de 2017
A Organização das Nações Unidas (ONU) elogiou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil de não permitir o fechamento de fronteiras no País. Em coletiva de imprensa em Genebra, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados ainda deixou claro que o número de pessoas saindo da Venezuela em sete meses de 2018 já superou todo o volume registrado em 2017.
"Aplaudimos a decisão do Tribunal", disse William Spindler, porta-voz da agência da ONU. "O governo brasileiro, até agora, assegurou o acesso a seu território aos refugiados venezuelanos e imigrantes que necessitam proteção e lhes deu serviços básicos", disse Spindler.
O entendimento do Supremo, em decisão da ministra Rosa Weber, contraria liminar do juiz federal Helder Girão Barreto, da 1.ª Vara Federal de Roraima, que havia estabelecido o fechamento das fronteiras do País com a Venezuela. Na segunda-feira (6), a fronteira do Brasil com a Venezuela, no norte de Roraima, foi fechada pela Polícia Federal em decorrência da ordem de Girão Barreto.
Em seu despacho, Rosa Weber não revoga a liminar, mas manda notificar o juiz federal, que poderá rever sua liminar para não descumprir uma determinação da Corte. Segundo Rosa, a competência para resolver sobre o conflito é do STF. "Assento, inicialmente, a competência originária desta Suprema Corte para o julgamento do feito, uma vez que veicula situação de típico conflito federativo", afirma Rosa.
Crise migratória
A governadora de Roraima, Suely Campos, disse que a decisão judicial da primeira instância respeita o sentimento de todo o Estado. "Somos nós que estamos lidando com as consequências de uma tragédia social em nossas fronteiras com a total omissão do governo federal." Ela havia pedido o fechamento da fronteira ao governo federal e editado um decreto regulamentando a oferta de serviços a imigrantes além de fazer a solicitação de deportação de todos os estrangeiros envolvidos em crimes.
"Estamos desde maio pedindo o fechamento da fronteira no STF e o auxílio financeiro para minimizar o impacto em nossos serviços públicos. Não vamos mais aceitar que Brasília trate esta crise migratória por procuração, porque ela bate à nossa porta, não a deles."
A ONU, porém, explicou que o fechamento da fronteira levou 210 pessoas a não conseguir concluir seus procedimentos migratórios. Mas indicou que não houve nenhuma expulsão.
Spindler também deixou claro que a ONU tem ajudado o Brasil, inclusive para levar venezuelanos a outros Estados do País. Até agora, o serviço já transportou para outras regiões cerca de 800 pessoas.
Tensão
A ONU admitiu a existência de uma tensão entre os estrangeiros e a população local, mas insistiu que a situação estaria sendo tratada. Apenas no estado de Roraima, mais de 50 mil venezuelanos encontraram refúgio, levando os serviços básicos a uma situação crítica. "Houve uma certa tensão. Entendemos que houve um grande fluxo e por isso estamos ajudando. As coisas estão melhorando e estamos ajudando venezuelanos para que a responsabilidade seja compartilhada e que o peso não fique com apenas um local", disse.
De acordo com os dados de Spindler, cerca de 200 venezuelanos continuam a entrar a cada dia em Roraima. Nos quatro primeiros meses do ano, 32 mil venezuelanos pediram asilo no Brasil.
Mas outros 25 mil vivem no País com outro tipo de documento migratório, seja residência, vistos de estudantes ou outras formas legais.
Em 2018, um total de 117 mil venezuelanos já pediram asilo em todo o mundo, um número que já superou toda a marca dos doze meses de 2017. A ONU, porém, não soube informar qual havia sido o número do ano passado.
Reações
Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcelo Figueiredo disse que a decisão do fechamento da fronteira causa "perplexidade". "Do ponto de vista formal, não compete ao Judiciário regular essa matéria de entrada e saída de estrangeiros. Isso é da competência do Executivo. A decisão não tem princípio e não é um juiz que deveria fazer essa interpretação."
Em nota, a organização de direitos humanos Human Rights Watch disse que a decisão "é uma violação direta das obrigações legais internacionais do Brasil".
"É ainda mais perverso - para não dizer discriminatório - aplicá-lo (o fechamento da fronteira) exclusivamente a venezuelanos sobre quem a UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) já disse que 'tem ficando cada vez mais claro que um número significativo está de fato necessitando proteção internacional'.