'Oposição não pode se dar por processo de conspiração', diz Trabuco, do Bradesco
Na visão do banqueiro, os atos antidemocráticos ocorridos há cerca de uma semana em Brasília são "lamentáveis"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o "grande desafio" de enfrentar uma oposição que não se dá em ambientes de praxe do jogo político, mas em processos de conspiração, de acordo com o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi. Na visão do banqueiro, os atos antidemocráticos ocorridos há cerca de uma semana em Brasília são "lamentáveis" e reforçam a necessidade de o País cuidar diariamente de sua democracia.
"O presidente Lula tem a legitimidade assegurada pela sua própria eleição. Se ele enfrenta e, efetivamente enfrenta uma oposição, tem de ser exercida nos fóruns adequados e não em processos de conspiração, fora daquilo que é praxe do debate político", diz Trabuco, em entrevista ao Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. "Se faz nas instituições e não fora. Esse é o grande desafio que o novo governo tem", reforça.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Há uma semana, Brasília era palco de atos antidemocráticos. Qual a sua visão? A democracia está em risco no Brasil?
Esses fatos são lamentáveis. Por boa sorte, estão sendo investigados, a vida em Brasília voltou ao normal no dia seguinte e as demonstrações de união dos três poderes da República foram muito sólidas. Não só as reuniões que aconteceram no aspecto físico, mas no aspecto da simbologia. O sentimento de todos nós é que o episódio demonstrou uma harmonia na defesa da democracia. Me lembro agora de uma frase que diz que a democracia é uma plantinha que tem de ser regada todos os dias. No mundo, existem fatores muito grandes de polarização que pressionam a democracia representativa como nós conhecemos, os Três Poderes. O que temos de fazer é apoiar e fortalecer as instituições da República. Curiosamente, o acontecido foi após a posse do presidente Lula e não podemos esquecer que Lula foi eleito, diplomado, e empossado. O que temos agora é de ir para frente, independentemente das posições políticas das pessoas. Vai requerer harmonia e mitigar os riscos da radicalização porque isso afeta o papel do Estado em geral.
Como essas ameaças de golpe podem impactar o governo do presidente Lula?
Eu acho que o desafio sempre é o da governabilidade, da busca de entendimento, diálogo político e o exercício pleno dos processos jurídicos e judiciais em curso. O presidente Lula tem a legitimidade assegurada pela sua própria eleição. Se ele enfrenta e, efetivamente enfrenta uma oposição, tem de ser exercida nos fóruns adequados e não em processos de conspiração, fora daquilo que é a praxe do debate político. Se faz nas instituições e não fora. Esse é o grande desafio que o novo governo tem. Agora, paralelamente a esse aspecto, tem os desafios da governança de várias questões econômicas e fiscais.
Quais?
Do ponto de vista holístico, o governo tem duras questões que são cruciais para o próximo momento: fiscal e social. Existe uma expansão da consciência da sociedade brasileira de que precisamos de uma lei de responsabilidade fiscal, mas tão importante quanto é a lei da responsabilidade social porque a retomada do crescimento, da economia sustentável, tem de compatibilizar esses dois fatores. Temos de ter inflação dentro da meta para voltar a reduzir os juros. Aliás, esse é um desafio de todo o mundo, com a adoção de políticas monetárias duras para voltar a reduzir o juro como consequência do controle da inflação. Se não houver inflação na meta e redução dos juros, vamos ter um longo período no qual o custo do capital será inibidor de investimentos e aí vai dificultar a retomada do crescimento. Essa é a grande questão que se faz. A questão do ano. O juro americano vai a quanto e quando ele para? Os juros subindo retardam a retomada de crescimento. Por outro lado, temos uma recessão batendo à porta.
Como o Brasil pode ser impactado por esse contexto internacional adverso?
Elevação de juro nos Estados Unidos impacta o mundo todo. Afeta não só os aspectos de alocação de investimentos, mas, principalmente, o fluxo monetário internacional. Não tem como fugir da realidade de um mercado global menos favorável. Temos um ciclo de moderação do ponto de vista do crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]. Agora, o Brasil em particular vai se beneficiar daquilo que chamam de abertura da China, ultrapassando o período de lockdown, por conta das nossas fortalezas do setor agrícola, de commodities. A guerra na Ucrânia comprometeu muito a produção de trigo e milho. É surpreendente a qualidade das terras [ucranianas]... produzem ao redor de 25% [de milho e trigo] do mundo. [A Ucrânia] Está estrangulada pela guerra. Devemos explorar essa capacidade para abrir novos mercados. Temos potencial para superar essa fase do mundo.
Diante deste contexto internacional, as medidas econômicas anunciadas por Haddad na semana passada são factíveis e suficientes?
Os mercados estão acompanhando com muita atenção os novos passos da política econômica, o que é natural e previsível, e que pode provocar momentos de volatilidade, mas o direcional da mensagem de confiança do ministro Haddad está demonstrando uma postura realista, um compromisso fiscal equilibrado. Evidente que vamos estar em uma fase de conscientizar a sociedade de que todos devem contribuir.
E qual a sua visão sobre as medidas fiscais que projetam um efeito positivo de R$ 242 bilhões?
O que vimos foi uma busca de receitas extraordinárias, algumas despesas menores que o previsto e uma elaboração da desoneração de impostos em determinados produtos e atividades. É um gesto importante para ser colocado na lei da responsabilidade social e para ter uma política fiscal que dê condições ao gestor da política monetária ter um alinhamento. Muitas vezes, crises no mundo ocorrem através da disfunção ou dissociação entre as políticas fiscal e monetária. Quando as coisas estão em diferentes direções, seguramente, provoca volatilidade. Agora, tivemos uma PEC [da Transição], uma margem para termos essa travessia e isso é totalmente legítimo e adequado porque o mundo pós-pandemia aumentou os gastos fiscais de maneira que ultrapassou o que o orçamento comportava. Agora, neste momento, o grande tema da Fazenda é encontrar uma nova âncora fiscal.
Qual a sua visão sobre o comprometimento fiscal do ministro Haddad?
Em termos fiscais, o que importa e o que se destaca é a ambição, é o propósito. E o ministro Haddad criou um objetivo, uma meta desafiadora [com as medidas]. Sem metas desafiadoras, a tendência normal dos agentes é sempre ficar no mínimo. A mensagem dele é uma meta arrojada e acho que tem de ser. É sempre difícil construir consenso em números, mas ele foi extremamente adequado ao definir uma meta ambiciosa pelo menos na largada.
Pressões sobre o orçamento podem obrigar o governo a caminhar para uma reforma tributária com aumento de impostos?
A reforma tributária tem o anseio que é comum a toda a sociedade brasileira e aos governos: desejar uma reforma tributária que seja uma simplificação de impostos ou da arrecadação. Agora, temos de ter uma visão pragmática. Não cabe ter equívocos que podem provocar polêmicas. O governo não tem muita gordura para queimar, precisa avaliar bem, não pode ser açodado, tem de estar muito consciente porque a reforma tributária tem desafios concretos como a disputa entre Estados produtores e consumidores. Agora, tecnicamente, o projeto do Bernard Appy é uma proposta viável. Ele simplifica, não dá grandes perdas aos entes federativos, tem distribuição mais justa de encargos e é granularizada no tempo. Um Congresso com um perfil mais conservador tem consciência de que essa questão é necessária para o ano de 2023. Esse é um dos desafios do ministro da Haddad.
Sem aumentos de impostos?
O ideal é que fosse no mínimo neutra, quer dizer, ao menos na fase inicial mantivesse a carga tributária para que fosse caindo no decorrer do tempo. E uma carga tributária decrescente vai estar bastante condicionada à capacidade de o País crescer. Um PIB menor requer uma carga tributária maior pelos compromissos assumidos.
Temores fiscais no Brasil corrigiram a expectativa do mercado quanto aos juros no País. O ministro Haddad disse que as medidas fiscais são uma carta ao Banco Central. Já está na hora de a Selic começar a cair?
Essa carta que o ministro Haddad se referiu é uma carta de boas intenções, definindo uma política fiscal que possa ser combinada com crescimento, redução do déficit público estimado no começo do ano, dando condições ao Banco Central de colocar nos seus modelos esses fatos que reduzam indicadores e que possam trabalhar na redução da taxa básica. Em primeiro e último lugar, há um desejo generalizado de que as taxas caiam pela importância da retomada de investimentos, do consumo e da atividade da economia. Agora, para isso é preciso controlar a inflação e ter equilíbrio fiscal. Esses dois fatores criam expectativas positivas no longo prazo. Trabalhar para a redução dos juros é uma prioridade sem dúvida. O BC tem autonomia e independência para avaliar a curva futura de juros à luz de novos compromissos fiscais.
O governo Lula determinou a retirada das estatais do plano de privatização e há a expectativa de um novo papel dessas empresas, com dúvidas em relação à precificação dos combustíveis e a atuação dos bancos estatais, o que as penaliza na bolsa. Qual a sua visão?
A virtude está sempre no equilíbrio. Está no centro. Será que vamos ter um governo mais voltado para uma intervenção? Essa questão está presente, colocada. Mas o que temos de ter muita convicção é que o Estado não vai conseguir resolver sozinho todos os problemas do País, mas o mercado também não. Não devemos ter visão ideológica sobre essa questão. No fim do dia, preponderam o pragmatismo e a objetividade.
O mundo vive temores de recessão diante da escalada da inflação e a subida de juros para contê-la. Quais são as suas expectativas para o Fórum Econômico Mundial, em Davos?
O mundo está em face à pandemia, guerra, inflação, um novo olhar para a globalização, a desconfiança de que a democracia não é o melhor sistema e as mudanças climáticas. Essas crises jogam reflexões em Davos para que se possa expandir um conceito que é o da ONU, de ESG [sigla em inglês para questões de meio ambiente, social e de governança], que foi elaborado para criar boas práticas corporativas, só que agora são tão consensuais na humanidade. As questões ambiental, social e da governança são o grande debate. E vencer a crise talvez seja sair porque a crise é um quarto escuro, em que você não tem janelas. Temos de sair, ter ambição de um mundo mais sustentável, inclusivo, menos desigual e desinflacionário porque quem mais perde são as classes mais pobres. Não podemos perder tempo, do contrário, vamos perder quase uma década.
Nos últimos anos, o Brasil ficou isolado no exterior e foi bastante criticado por sua postura ambiental. Teremos a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em Davos. O que isso representa?
A Marina sendo uma embaixadora dessa nova política ambiental que o Brasil vai perseguir, com certeza, será uma das estrelas de Davos porque ela tem credibilidade. Cria expectativa de uma virada muito intensa na política ambiental brasileira. O prestígio e a coerência dela são uma sinalização importante para o Brasil. Agora, essa mudança de tema, de foco, é auspiciosa porque traz o Brasil para uma nova agenda. É uma mensagem poderosa. Logo na primeira semana [do ano], os países que destravaram financiamento para programas de proteção da Amazônia. Isso cria uma boa diplomacia, que é a diplomacia ambiental. Essa é uma embaixada que não podemos descuidar.
E como os investidores estrangeiros estão vendo o Brasil no novo governo? Os ataques de domingo podem afastá-los?
Existe uma visão positiva pela rápida e firme resposta das instituições brasileiras ao que aconteceu em 8 de janeiro. Evidente que tudo vai depender, olhando para frente, de como o governo mostrar capacidade de absorver impactos e criar clima de ordem. O Brasil é um país respeitável e tem potencial muito grande de garantir a sua governabilidade. O investidor estrangeiro também espera que o Brasil seja protagonista no meio ambiente, que é a face mais visível e que forma a opinião pública, um ambiente favorável para a imagem do Brasil. Em relação à nossa importância econômica, como produtores de commodities, nosso mercado interno, a leitura dos investidores internacionais é de que o governo dá um novo frescor, uma nova abordagem do ponto de vista das políticas institucionais, respeito às instituições, menor dureza nas relações, uma política internacional diferente e que vai provocar harmonia. Agora, em última instância, isso é uma democracia.