Oposição só teve 4% do 'orçamento secreto' de Bolsonaro
Um raio-x do orçamento secreto cujo controle foi entregue pelo governo federal a congressistas, em desrespeito a leis orçamentárias, revela que a participação de deputados e senadores de oposição no rateio dos R$ 3 bilhões em verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional é mínima. Conforme os documentos sigilosos obtidos pelo Estadão, a oposição teve apenas 4% do total de recursos liberados pelo governo a aliados.
O porcentual baixo desconstrói o argumento usado por governistas para minimizar o escândalo revelado pelo Estadão. Segundo auxiliares de Bolsonaro, os recursos foram repartidos de forma equânime, inclusive com parlamentares não alinhados com o governo. Em entrevista ao jornal O Globo publicada no dia 17 de maio, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) admitiu pela primeira vez que os repasses privilegiaram parlamentares aliados na distribuição dos recursos, no modelo conhecido como "toma lá, dá cá".
O critério de divisão não é transparente, mas, para Marinho, não há qualquer problema em tratar os congressistas de forma desigual de acordo com o seu alinhamento ao governo. "É evidente que formam maioria no Parlamento e essas maiorias são exercidas, inclusive, na questão do Orçamento em qualquer democracia do mundo. É muita ingenuidade imaginarmos que na discricionariedade você vai tratar os desiguais de forma igual", afirmou o ministro.
No dia 14, Marinho já havia admitido que os ofícios em que os parlamentares apontam em quais cidades o dinheiro deve ser aplicado e o que deve ser comprado não são públicos, o que também contrariou a versão do governo de que todas as informações estavam disponíveis no site do ministério na internet.
O perfil dos integrantes na planilha do orçamento secreto do Ministério do Desenvolvimento Regional revela a clara predominância de critério político para prestigiar aliados em acordos costurados diretamente por auxiliares do presidente dentro do Palácio do Planalto.
Ademais, a presença de críticos de Bolsonaro na lista se deu, principalmente, por motivos alheios a eventual interesse do governo em contemplá-los por igual. Eles acabaram incluídos por deputados e senadores governistas que repassarem suas cotas para angariar votos de dissidentes para as presidências da Câmara e do Senado ou porque líderes partidários com interlocução no Planalto repassaram suas partes às bancadas. Ou, ainda, por vínculos pessoais e regionais.
Dos 285 nomes que aparecem no planilhão ao qual o Estadão teve acesso, 21 podem ser classificados como opositores porque não costumam acompanhar o governo em votações, são críticos notórios de Bolsonaro, não relatam matérias que o Executivo considera prioritárias ou tem diferenças políticas fortes com o clã. O grupo corresponde a 7,4% dos congressistas que tiveram acesso ao orçamento secreto.
Dos R$ 3,15 bilhões do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional entregues a congressistas, os opositores tiveram acesso a apenas R$ 126 milhões, o que corresponde a 4% do total.
O valor é inferior ao repassado apenas ao senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), de R$ 135 milhões, e ao líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), de R$ 125 milhões. Também é menor do que o reservado a integrantes do PL, partido do Centrão comandado por Valdemar Costa Neto. Os parlamentares da sigla, que tornou-se fundamental para a base de sustentação de Bolsonaro na Câmara, indicaram R$ 300 milhões do orçamento secreto.
O dinheiro do orçamento secreto é paralelo às emendas individuais impositivas a que todos os congressistas têm acesso e que o governo é obrigado a pagar de forma igualitária. Na prática, trata-se de uma verba que o ministério deveria destinar com base em critérios técnicos, mas que foi entregue a parlamentares aliados em troca de apoio. Como revelou o Estadão, parte dos recursos serviu para a compra de máquinas agrícolas em redutos eleitorais de deputados e senadores, motivo pelo qual o caso tem sido chamado de "tratoraço".
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, citou o senador Humberto Costa (PT-PE) como responsável pela destinação de R$ 12 milhões da pasta. No entanto, a inclusão de petistas se deu em razão de um movimento político do então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Após ver sua tentativa de reeleição à Mesa Diretora ser frustrada por decisão do Supremo Tribunal Federal, Alcolumbre agiu para fechar apoios ao seu candidato, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). "Houve da parte do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, uma pergunta a nós da bancada do PT se nós tínhamos interesse de ter algum tipo de emenda além das parlamentares. E nós dissemos que aceitávamos", disse.
Um dos senadores da oposição com poder de indicação foi Weverton Rocha (PDT-MA), que enviou R$ 10 milhões para a Codevasf via ministério. No caso dele, a planilha secreta do governo obtido pelo Estadão também revela que o fiador do repasse foi o senador Davi Alcolumbre. Os dois são muito amigos e Rocha apoiava a reeleição do presidente do Senado.
A assessoria de Weverton afirmou que buscou o ministério por conta própria. No entanto, ao responder a pedido de informações apresentado por meio da Lei de Acesso à Informação, negou ter apresentado qualquer ofício com a solicitação ao governo.
No planilhão, os nomes de Costa, Weverton e, ainda, do também petista Rogério Carvalho (SE), aparecem atrelados ao de Alcolumbre. Marinho, que vem tentando negar que o orçamento secreto de sua pasta privilegia aliados, não fez a ressalva ao lançar a versão nas redes.
O deputado Bacelar (Podemos-BA) é outro oposicionista relacionado na planilha. Ele indicou R$ 3 milhões para a Codevasf, mas garante não ter tratado com ninguém do governo ao qual faz oposição.
A repartição, contou o baiano, se deu por meio do líder da bancada, o governista Igor Timo (MG), que ajudou a levar o partido a prestar apoio à candidatura de Arthur Lira (Progressistas-PI) para a presidência da Câmara.
"A liderança do partido distribuiu um valor de emendas para os deputados da bancada. Inclusive, o meu ofício é direcionado ao líder da bancada. Nunca fui em nenhum ministério. Sou oposição, voto contra o governo porque voto contra a barbárie. Parabéns pela matéria. É um absurdo, tem deputado com uns R$ 200 milhões", afirmou Bacelar.
A deputada Tereza Nelma (PSDB-AL) defende o impeachment de Bolsonaro, mas foi contemplada com R$ 1,5 milhão. Conterrânea de Arthur Lira, a tucana fez mistério sobre como votaria na eleição da Mesa Diretora. Em nota ao Estadão, assim como Bacelar, também alegou ter conseguido o recurso por meio da liderança do partido.
Outro tucano da bancada de Alagoas atendido é o senador Rodrigo Cunha. Ele é um ferrenho defensor das investigações sobre a atuação do governo Bolsonaro na CPI da Covid e tem feito declarações duras contra o presidente por conta da gestão da pandemia. Ao Estadão, ele disse, por meio da assessoria, que levou os pleitos pessoalmente ao ministro Rogério Marinho.
O deputado Rafael Motta (PSB-RN) não comentou a articulação para os R$ 2 milhões em verbas que pôde destinar. Segundo interlocutores, ele teria feito a solicitação sem saber se seria ou não atendido, mas contava com a "boa vontade" de Rogério Marinho, seu conterrâneo.
Na Câmara, o petista Reginaldo Lopes (MG) também foi contemplado, com R$ 1 milhão para a Codevasf, segundo os documentos obtidos pelo Estadão. O valor é bem inferior àquele cujo controle foi repassado a governistas como Lira (R$ 114 milhões) ou Wellington Roberto, do PL da Paraíba (R$ 80 milhões).
De acordo com o parlamentar petista, em regra seus pedidos para municípios onde mantém bases são negados. Mesmo assim, decidiu apresentá-los e acabou atendido.
"Lidero um mandato de amplitude estadual e recebo muitas demandas dos cidadãos, das universidades, institutos federais, prefeituras e entidades da sociedade civil", afirmou Lopes. "Geralmente, os municípios não são atendidos, o que não foi o caso desta vez".
Também chama a atenção a diferença nas proporções dos valores repassados aos mais e menos aliados. Embora seja governista e vote com o Executivo nas principais matérias, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) lançou-se na disputa à presidência da Câmara contra Lira, o preferido do Planalto.
O emedebista teve R$ 1,5 milhão em indicação no orçamento secreto, valor 76 vezes menor que o controlado pelo atual presidente da Casa.