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Política

'Pacote da Democracia' de Lula é 'medida popular e punitivista', avaliam juristas

Constitucionalistas e criminalistas consideram que proposta de até 40 anos de prisão para quem 'atentar' contra vida de ministros do STF tem 'mais simbolismo do que eficácia'

21 jul 2023 - 18h14
(atualizado às 18h48)
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O presidente Lula
O presidente Lula
Foto: Ricardo Stuckert/PR

O 'pacote da democracia', lançado pelo governo Lula nesta sexta-feira, 21 - com a proposta de até 40 anos de prisão para quem 'atentar contra a vida' de autoridades, como o presidente da República e os ministros do Supremo Tribunal Federal - já causa burburinho no mundo jurídico. Constitucionalistas e criminalistas ouvidos pelo Estadão consideram que as medidas são mais 'simbólicas' do que 'eficazes', ressaltando sua ligação com a hostilização ao ministro Alexandre de Mores, do STF, no Aeroporto de Roma.

Os especialistas classificaram o pacote de projetos de leis que endurecem as penas para quem 'atentar' contra o Estado Democrático de Direito como 'exacerbado', 'desproporcional', 'descabido' e até 'inconstitucional'. Avaliam que a proposta é legítima, mas destacam que o Legislativo deve 'encontrar equilíbrio' no texto.

O criminalista Vinicius Fochi vê 'mais simbolismo do que eficácia' da proposta feita pelo governo Lula. Ele diz que, diante de episódios de grande repercussão - como o das hostilidades ao ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma - 'não é incomum os governos adotarem medidas populares e, quase sempre, punitivistas'.

"O problema não reside na ausência de legislação, afinal ela existe e não é branda. O enfrentamento deve ter enfoque no fortalecimento dos órgãos de persecução, responsáveis por investigar os episódios, bem como na qualificação do debate público, que está cada dia mais radical e hostil", indica.

Na mesma linha, Lucas Fernando Serafim Alves, especialista em Direito Penal econômico, ressalta a tendência de se endurecer penas em um momento em que crimes acontecem, colocando o 'pacote da democracia' nessa seara. Em sua avaliação, trata-se de um projeto legítimo, em que o endurecimento das penas visa 'dar ao ofensores' o regime fechado de regime de pena. No entanto, o advogado considera que é necessário trabalhar o tema em esferas, não apenas na criminal.

"É um projeto válido, porém que vai tratar um tema que não se resolverá com prisões. Atos atentatórios à democracia devem ser tratados em outras instâncias, em especial à preliminar ao acontecimento desses fatos. Amedrontar através da norma penal a meu juízo não inibirá de que pessoas atentem contra o Estado Democrático de Direito. É uma tendência, o projeto é legítimo, o endurecimento das penas visa basicamente dá a esses ofensores o regime fechado de regime de pena, mas penso que devemos trabalhar isso em outras esferas também e não apenas na criminal", ressalta.

Proposta 'exacerbada'

O desembargador aposentado e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Marco Antônio Nahum considera 'exacerbada' a previsão de até 40 anos de prisão para crimes que atentem contra a vida de autoridades, entre elas ministros do Supremo Tribunal Federal.

"A exacerbação da legislação penal, em casos semelhantes, é política criminal que encontra respaldo no chamado "Direito Penal do Inimigo". Trata-se de um modelo de política criminal que, logicamente, inspira uma dogmática penal e processual penal de combate do ordenamento jurídico contra indivíduos especialmente perigosos, como se o Estado não falasse com cidadãos que eventualmente violaram a lei", explica.

De outro lado, o Estado Democrático tem o Direito Penal 'como último recurso ou último instrumento a ser usado contra seus cidadãos', indica. Mas só é possível acionar esse recurso quando 'fracassadas outras instâncias de controle social que possam resolver o conflito social'.

"Embora não se possa admitir que ação política de oposição implique em atividade criminosa contra as autoridades públicas, em especial aquelas que representam o Estado Constitucional, espera-se que o Poder Legislativo saiba encontrar o equilíbrio necessário para a nova proposta legislativa", pondera.

O ex-magistrado pondera que a ofensa a um dos integrantes da Corte máxima não pode ser admitida 'como uma singela troca de agravos entre cidadãos comuns', considerando que há um 'desrespeito decorrente da função institucional exercida pela vítima', mas rememora os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Lembra, por exemplo, que há uma diferença entre as imputações e penas aplicadas em casos de homicídio tentado e o consumado.

A criminalista Carolina Carvalho de Oliveira destaca que o projeto do governo Lula 'condiz com a proteção constitucional de um Estado Democrático de Direito, mas, precisa ser revisto pelas Casas Legislativas': "seu texto deve respeitar os limites da justiça e não pode sofrer pressão política"

"As reformas são sempre bem vindas ao ordenamento jurídico desde que construam a dinâmica de um país melhor no tocante a manutenção da democracia na balança da justiça. Assim, necessário se faz um fortalecimento da repressão, por óbvio, mas, sem se esquecer dos problemas que já existem em nosso ordenamento jurídico. Devemos destacar que o caráter preventivo e a tentativa de fortalecer os instrumentos jurídicos disponíveis são perspectivas positivas, entretanto, a mira a determinadas situações pode acarretar uma objetivização da lei", ressalta.

Já o criminalista Sérgio Rosenthal considera que o endurecimento de penas para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito, 'da forma como proposto', é 'temerário e desproporcional'. O advogado destaca que trata-se de um delito 'cuja definição se presta a muitas e diferentes interpretações'.

"Se a proposta de endurecimento das penas cominadas para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito tiver alguma relação com o fato de turistas brasileiros terem discutido com o filho de um Ministro do STF no aeroporto de Roma, receio que em breve não viveremos em uma democracia", avalia.

O constitucionalista André Marsiglia pondera que o aumento das penas, conforme previsto no pacote divulgado pelo governo Lula nesta sexta, 21, somado a uma 'interpretação muito elástica do que pode ser ameaça ao Estado' pode resultar em um 'encolhimento da crítica aos agentes públicos' - "o que, obviamente não é desejável em uma democracia"

Ele destaca como o crime de atentado ao Estado democrático 'tem por objeto atos extremados e excepcionais, dignos de momentos de instabilidade institucional grave'. "É inclusive contraditório as autoridades dizerem que atualmente nossas instituições estão fortes e são inabaláveis e, ao mesmo tempo, entenderem ser necessário um pacote com penas tão agressivas", pondera.

O criminalista Conrado Gontijo avança: não só considera a proposta de aumento de penas 'descabida', mas também 'inconstitucional'. Em sua avaliação considera as penas para os crimes contra o Estado de Direito já são 'especialmente graves'.

"Aumentá-las, em minha visão, representa afronta clara ao princípio constitucional da proporcionalidade. Mais importante do que agravar as penas existentes, é tornar efetivas as apurações criminais, de modo a assegurar a responsabilização de quem atente contra o Estado Democrático de Direito", avalia.

O constitucionalista Aílton Soares de Oliveira também vê 'inconstitucionalidade' no pacote. "O texto constitucional não faz distinção de vidas. Vidas são vidas, até por isso o Estado coloca à disposição dos agentes públicos um aparato judicial e policial para protegê-los. É evidente que há um agravante ou outro a depender do crime e da incapacidade de resistência da vítima", pondera.

Ele ressalta a necessidade de se discutir a 'definição de atentado contra a vida de agente púbico do alto escalão dos poderes democráticos', além de se especificar quando haveria cometimento ou tentativa do crime. "Seria um novo tipo penal certamente. Porque o crime não é só o cometido, ele é também o tentado, e nesse sentido depende de ampla discussão", explica.

Estadão
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