PEC prepara caminho para Lula negociar emendas com Congresso mesmo com fim do orçamento secreto
Texto aprovado na CCJ do Senado cria um novo tipo de emenda de relator, base do orçamento secreto, sob controle do Executivo, que poderá contemplar aliados em 2023
BRASÍLIA - A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, deixa o caminho pronto para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva negociar a liberação de emendas parlamentares com o Congresso, mesmo após o fim do orçamento secreto.
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 7, o futuro das emendas secretas, reveladas pelo Estadão. Líderes do Centrão montaram uma operação de emergência para blindar essa prática, caso a Corte a considere inconstitucional.
O texto da PEC permite que novos recursos sejam negociados por Lula com o Congresso para atender a interesses do governo e de parlamentares, independentemente do futuro do orçamento secreto. O parecer, que entrará na pauta do plenário do Senado nesta quarta-feira, 7, cria um novo tipo de emenda de relator, base do orçamento secreto, para o Orçamento de 2023. Trata-se da primeira peça a ser executada pelo novo governo, mas sob maior controle do Executivo.
Na prática, o relator-geral poderá usar o aumento de despesas no Orçamento para atender pedidos da equipe de transição e emendas de comissão, aquelas indicadas por cada colegiado da Câmara e do Senado, como Saúde, Educação e Infraestrutura. Como o texto não obriga essas vinculações, ele também poderá contemplar emendas de bancada e do próprio relator.
As novas emendas entrarão no Orçamento do ano que vem e só poderão ser carimbadas como despesas obrigatórias (que recebem o código RP-1) e discricionárias do Executivo (com código RP-2). Os recursos ficam sob controle do governo, forçando uma negociação dos parlamentares com o Palácio do Planalto. No momento do pagamento, Lula poderá escolher quais aliados contemplar.
No total, o relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), terá R$ 145 bilhões para atender solicitações do governo e do Congresso. Desse valor, R$ 70 bilhões deverão ser usados para aumentar o programa Bolsa Família e garantir o pagamento mensal de R$ 600 aos beneficiados, além de um benefício extra de R$ 150 para crianças de até seis anos. Sobrarão, portanto, R$ 75 bilhões.
A sobra já é alvo de disputa no Congresso. A equipe de Lula defende o uso do recurso para dar aumento real ao salário mínimo, recompor despesas da área da saúde e reinaugurar o programa Minha Casa, Minha Vida. Os parlamentares também querem participar da distribuição e ter o poder de indicar o destino dos repasses, abocanhando o valor por meio de emendas no Orçamento.
As comissões da Câmara e do Senado apresentaram um total de R$ 196,8 bilhões em emendas ao Orçamento de 2023, dinheiro que atualmente não tem nenhuma reserva garantida, mas que poderia ser contemplado, pelo menos em parte, com aprovação da proposta no Congresso.
A PEC permite, ainda, que o governo troque as verbas de lugar durante o próximo ano, mesmo depois da aprovação do Orçamento, abrindo margem para negociações políticas ao longo do mandato de Lula. O governo poderá, por exemplo, tirar um recurso de uma cidade e enviar para outro município, a fim de atender um ministro ou um aliado no Congresso.
O valor ainda é alvo dos partidos que querem assumir ministérios no novo governo e controlar a distribuição do dinheiro. A equipe de Lula aceitou negociar a destinação dos recursos com os parlamentares, em troca da aprovação da PEC, mas ainda enfrenta um impasse para equilibrar as demandas.
Carimbo
O texto da PEC aprovado na CCJ do Senado, não toca nas emendas do orçamento secreto, carimbadas com o código RP-9. O projeto de Orçamento de 2023 reserva R$ 19,4 bilhões para esses recursos. Se o Supremo declarar o mecanismo inconstitucional, o relator-geral defende a transferência do dinheiro para as emendas de comissão.
Líderes do Centrão, porém, querem aprovar um dispositivo na PEC fixando o orçamento secreto na Constituição e obrigando o governo a realizar os pagamentos, na tentativa de neutralizar eventual decisão do Supremo.
"Eu torço que haja a extinção do orçamento secreto porque é flagrantemente inconstitucional. O Supremo é fundamental, mas, como não é impositivo, o Executivo também poderia derrubar e não empenhar", disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula, que critica a articulação do Centrão de usar a PEC para validar as emendas secretas. "Colocar na PEC não passa. Não vejo saída por aí."