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Política

Pedido de Lula de voto em Boulos pode provocar de multa a inelegibilidade, avaliam especialistas

Advogados ouvidos pelo 'Estadão' avaliam que declarações do presidente podem ser enquadradas em propaganda eleitoral antecipada, uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político e econômico

2 mai 2024 - 20h09
(atualizado às 21h09)
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu votos no pré-candidato a prefeito Guilherme Boulos durante a celebração do dia 1º de Maio no estacionamento da Neo Química Arena, na zona leste de São Paulo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu votos no pré-candidato a prefeito Guilherme Boulos durante a celebração do dia 1º de Maio no estacionamento da Neo Química Arena, na zona leste de São Paulo
Foto: Taba Benedicto/Estadão / Estadão

O pedido de voto explícito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o deputado federal e pré-candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) na quarta-feira, 1º, deve ter consequências na Justiça Eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão concordam que haverá desdobramentos legais, mas discordam da gravidade dos atos de Lula e das punições que podem acarretar aos dois.

Como mostrou o Estadão, o evento organizado pelas centrais sindicais no estacionamento do estádio do Corinthians, em Itaquera, foi custeado em parte com recursos da Lei Rouanet e contou com patrocínios da Petrobras e do Conselho da Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi). A produtora responsável pelo evento captou R$ 250 mil por meio da lei de incentivo à cultura. Trata-se de dinheiro de um doador privado, mas que depois é abatido dos impostos devidos por quem doou. O ato também teve transmissão ao vivo pela TV Brasil, que pertence ao governo federal.

O MDB, partido do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, o Novo, partido da pré-candidata Marina Helena, e o PSDB apresentaram ações ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) alegando que Lula realizou propaganda antes do período de campanha. Segundo o MDB, o ato do presidente teve "inteira concordância e anuência de Guilherme Boulos, que se engajou claramente no ilícito praticado em seu favor".

Como foi o pedido de voto de Lula para Boulos?

Durante o discurso no ato, Lula pediu votos a Boulos, chamando o deputado de candidato, apesar de o período de convenções e registro de candidaturas só começar em julho. O presidente afirmou que "ninguém derrotará" o deputado e disse que os seus eleitores de 2022 deveriam escolher o pré-candidato do PSOL nas eleições de outubro.

"Ele está disputando com o nosso adversário nacional, ele está disputando contra o nosso adversário estadual e ele está disputando contra o nosso adversário municipal. Então, ele está enfrentando três adversários e, por isso, eu quero dizer para vocês, ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo nas próximas eleições. E eu vou fazer um apelo, cada pessoa que votou no Lula, em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010 e em 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo", disse.

O que diz a lei eleitoral?

O pedido explícito de votos a um pré-candidato é proibido pela Lei das Eleições (Lei 9.504/97). O artigo 36-A diz que não configura propaganda eleitoral antecipada "a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos". No entanto, reforça que isso só é permitido "desde que não envolva pedido explícito de voto".

A campanha eleitoral começa no dia 16 de agosto, ou seja, candidatos e aliados só podem fazer pedidos explícitos de votos a partir dessa data.

A Lei das Eleições impede que aliados peçam votos a pré-candidatos, mas permite que eles solicitem apoio ou valorizem as qualidades pessoais dos políticos que pretendem disputar as eleições. Para Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, Lula poderia escapar de uma infração se mudasse o tom do discurso feito no ato em São Paulo.

"Você pode pedir apoio, não pode pedir voto. Se o Lula tivesse trocado todo o discurso e tivesse pedido apoio ao Boulos, não teria nenhum comprometimento e nenhuma ilegalidade. Ele errou quando pediu voto e a lei diz que, neste momento, não pode fazer pedido explícito de voto", afirmou.

Quais as punições para o pedido explícito de votos na pré-campanha?

A Justiça Eleitoral prevê que o pedido explícito de votos na pré-campanha é punido com multa de R$ 5 a R$ 25 mil. Tanto Lula quanto Boulos podem ser condenados. O petista por ser o autor do pedido de votos e Boulos por ter sido o político beneficiado pelas declarações.

De acordo com Vânia Aieta, coordenadora nacional da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), é possível que os dois sejam punidos com o valor mais alto. "Considerando a amplitude de lugar, no dia 1º de Maio, certamente o tribunal pode multar na pena máxima, de R$ 25 mil", explicou.

A declaração de Lula pode ameaçar a candidatura de Guilherme Boulos?

Os especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pelo Estadão divergem sobre a possibilidade de a candidatura de Boulos ser cassada por conta do pedido de votos feito por Lula. Após a veiculação do discurso, opositores do governo federal defenderam a anulação da campanha do deputado, além da inelegibilidade do presidente por abuso de poder econômico e político.

Para o advogado eleitoral Fernandes Neto, as declarações de Lula não tiveram "gravidade suficiente para justificar uma condenação por abuso de poder político, econômico e dos meios de comunicação", mesmo com o uso de recursos públicos para custear o evento e a transmissão ao vivo feita pela TV Brasil.

Deputado federal Guilherme Boulos, pré-candidato a prefeito de São Paulo
Deputado federal Guilherme Boulos, pré-candidato a prefeito de São Paulo
Foto: Felipe Rau/Estadão / Estadão

Já o advogado eleitoralista Adriano Soares da Costa, autor do livro "Instituições de Direito Eleitoral", avalia que a conduta de Lula foi grave e abre margem para enquadrá-lo nos ilícitos eleitorais de abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação, que, por extensão, também atingiriam Boulos por ter sido o beneficiário de eventuais condutas vedadas.

"Isso pode configurar abuso de poder político e de poder econômico pelo uso dos recursos públicos. O uso da TV Brasil gera, em tese, o uso indevido dos meios de comunicação social", afirmou. "Só a fala do Lula seria mera propaganda eleitoral antecipada e geraria multa. O problema é o contexto da fala. Se ele faz essa fala numa entrevista ou numa reunião que não envolvesse recursos públicos, seria propaganda eleitoral antecipada. Mas tem a utilização de recursos públicos", afirmou.

O eleitoralista também apontou que a conduta de Lula foi agravada pelo fato de ele ter sancionado o reajuste da tabela do Imposto de Renda durante o evento com as centrais sindicais. Ele ainda frisou que os sindicatos são vedados pela lei eleitoral de investir recursos em atividade política, sob o risco de incorrer em gasto indevido cuja pena é a inelegibilidade. "Tanto a Lei Rouanet quanto o gasto sindical não poderiam ser utilizados em evento eleitoral. Foi em ambiente privado, só que ele (Lula) praticou ato público em benefício dos trabalhadores mudando a tabela de imposto. Aquilo que seria eminentemente privado, passou a ser incorporado como evento de governo", avaliou.

Soares da Costa explica que uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) só pode ser instaurada para apurar o caso após o registro de candidatura de Boulos. Esse tipo de processo pode culminar na inelegibilidade do autor e do beneficiário da infração.

Para Vânia Aieta, as chances de Boulos ter a candidatura prejudicada são mínimas. A especialista também não enxerga a possibilidade de o fato provocar a inelegibilidade do presidente. "Pode ter a incidência de uma conduta vedada, mas eu sustento tese de que continuaria sendo uma pena de multa. Seria uma pena mais arrojada, mas também não chegaria a implicar em cassação da futura candidatura. Também seria um absurdo uma futura inelegibilidade do Lula", afirmou.

Qual a diferença entre o pedido de votos feito por Lula e a reunião de Bolsonaro com embaixadores?

Após o pedido de votos feito por Lula, opositores compararam a sua fala com a reunião feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores no Palácio do Planalto em julho de 2022, que culminou na inelegibilidade dele por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os críticos ao petista afirmam que o custeio do evento com verbas públicas e a transmissão da TV Brasil são fatores que aproximam os dois episódios.

Os especialistas ouvidos pelo Estadão divergem de uma equiparação entre a reunião com embaixadores e o ato em Itaquera. Alberto Rollo observa que os votos contra o ex-presidente no TSE levaram em consideração outros movimentos do ex-presidente que contestavam a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas, e não apenas o encontro no Planalto.

"O que os votos que condenaram Bolsonaro dizem é que ele já vinha praticando uma campanha de difamação contra a Justiça Eleitoral e contra a urna eletrônica. Em algum momento, o TSE diz que a reunião foi mais um capítulo dessa novela. Então, foi mais grave que um evento feito no estacionamento do Corinthians", afirmou.

O especialista diz que, caso Lula viole a Lei das Eleições em outras ocasiões, haverá mais chances de o presidente ser condenado à inelegibilidade. "Hoje, eu acho pouco para uma Aije. Mas se isso se repetir em vários atos, dá para acusar Boulos de ser o beneficiário e Lula de ser o autor de algum abuso", disse.

Segundo Guilherme Gonçalves, advogado eleitoral e membro da Abradep, a reunião com embaixadores se difere do discurso de Lula por ter tido a intenção de atentar contra a normalidade da eleição presidencial de 2022, e não a de trazer mais votos para um determinado candidato.

"Bolsonaro não foi punido por ter ganhado mais ou menos votos, ele foi punido por ter atentado contra a normalidade da eleição. Ele usou do poder político imenso que tinha para atacar a própria existência do processo eleitoral", explicou.

Estadão
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