Por que Alexandre de Moraes revogou a própria decisão de censurar reportagem
Ministro do STF voltou atrás após duras críticas de juristas, do Ministério Público e de outros membros da Corte
O ministro do STF Alexandre de Moraes decidiu no tarde desta quinta-feira (18) revogar uma decisão dele próprio, que tirou do ar reportagem da revista digital Crusoé.
A reportagem, da última quinta-feira (11), relata a existência de um documento no qual o empreiteiro e delator da Lava Jato Marcelo Odebrecht afirma que o atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, era o dono do apelido "o amigo do amigo do meu pai" em e-mails de executivos da empresa.
Em nova decisão, o ministro justificou sua atitude anterior dizendo que "esclarecimentos feitos pela Procuradoria-Geral da República não confirmaram o teor e nem mesmo a existência de documento sigiloso" citado na matéria da revista, também reproduzida pelo site O Antagonista.
"Determinei cautelarmente ao site O Antagonista e a revista Crusoé que retirassem matéria já veiculada nos respectivos ambientes virtuais e intitulada 'O amigo do amigo de meu pai'", afirmou o ministro.
Segundo a reportagem, uma cópia do documento havia sido enviada à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, "para que ela avalie se é caso ou não de abrir uma frente de investigação sobre o ministro - por integrar a Suprema Corte, ele tem foro privilegiado e só pode ser investigado pela PGR."
De acordo com Moraes, ao ver que a "afirmação jornalística" era incongruente com "os esclarecimento da PGR", pediu "à autoridade competente cópia integral dos autos referidos pela matéria, para verificação das afirmações realizadas".
O ministro continuou argumentando que o documento só foi enviado pelo MPF-PR à Procuradoria na tarde da sexta-feira, 12 de abril. Diante da confirmação do envio, ele afirmou não ser mais necessária a censura.
Moraes afirmou também que não houve censura prévia: "Foi o que ocorreu na presente hipótese, onde inexistente qualquer censura prévia, determinou-se cautelarmente a retirada posterior de matéria baseada em documento sigiloso cuja existência e veracidade não estavam sequer comprovadas e com potencialidade lesiva a à honra pessoal do Presidente do Supremo Tribunal Federal e institucional da própria Corte."
O inquérito
As decisões do ministro foram tomadas em um inquérito aberto em 14 de março por Dias Toffoli, cujo objetivo era investigar ataques e notícias falsas divulgadas online contra o Supremo e seus integrantes. Alexandre de Moraes foi designado por Toffoli para ser o relator do inquérito.
A investigação, ordenada de ofício pelo ministro, também resultou nesta semana em mandados de busca e apreensão nas casas de usuários do Twitter, além da retirada do ar da reportagem.
Na decisão desta quarta-feira, o ministro defendeu a investigação e negou que ela pretenda restringir a liberdade de expressão. "Os atos investigados são práticas de condutas criminosas, que desvirtuando a liberdade de expressão, pretendem utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a consumação de atividades ilícitas contra os membros da Corte e a própria estabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal", afirmou.
A determinação de Alexandre de Moraes de retirar do ar a reportagem foi tomada no dia 15, quatro dias depois que o material foi publicado.
O texto se baseia em informações prestadas por Marcelo Odebrecht aos investigadores da força-tarefa da Lava Jato. Numa conversa por e-mail entre executivos da empreiteira da família de Marcelo, um deles pergunta se o pai do empresário, Emílio Odebrecht, falaria com o "amigo do amigo", como parte de uma negociação.
Ao ser questionado pelos investigadores, Marcelo Odebrecht disse que o tal "amigo do amigo" seria atual presidente do STF, que na época era advogado-geral da União.
A decisão de Moraes de mandar os veículos retirarem a matéria do ar foi tomada após a PGR dizer que nunca recebeu o documento com a acusação - como dizia a reportagem. O ministro afirmou, por causa disso, que o texto seria fake news. Segundo o entendimento de Moraes, há "claro abuso no conteúdo da matéria veiculada".
No entanto, a Folha de S. Paulo e a TV Globo tiveram acesso ao documento e confirmaram não se tratar de uma notícia falsa. Embora a PGR não tenha recebido o documento, ele foi incluído nos autos da Lava Jato em 9 de abril e retirado depois da publicação da notícia, segundo a Globo. Não se sabe o motivo, já que o processo é sigiloso.