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Política

Por que Bolsonaro não poderia vender presentes que recebeu? Entenda

Objetos recebidos por presidentes pertencem à União e só presentes 'personalíssimos' podem ser levados a acervos privados; especialistas explicam o motivo de Bolsonaro ser investigado por peculato

12 ago 2023 - 16h10
(atualizado às 16h31)
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Bolsonaro está no centro de suspeitas de um possível esquema de desvios de presentes oficiais.
Bolsonaro está no centro de suspeitas de um possível esquema de desvios de presentes oficiais.
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

A troca de presentes valiosos, como os que o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou vender, é comum em protocolos diplomáticos. Mas existem regras que disciplinam o tratamento a ser dado a esses objetos. A Polícia Federal vê indícios de que Bolsonaro e assessores podem ter descumprido essas normas e praticado o crime de peculato, quando um agente público usa o cargo para obter ou desviar bens públicos.

Em primeiro lugar, um presidente recebe presentes como representante do País, e não como "pessoa física". Os casos em que os objetos que ele ganha podem ser levados, sem serem destinados ao acervo público da Presidência, são muito específicos.

A principal referência sobre os critérios é um entendimento fixado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao analisar diferentes leis e decretos em 2016. O tribunal decidiu que os presentes recebidos em agendas e viagens oficiais devem ser incorporados ao patrimônio da União.

Há exceções para os "itens de natureza personalíssima". Como exemplo, o TCU citou "medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo e perfumes". Para que um presidente possa ficar com o material, é preciso que seja algo pessoal e também que tenha um valor baixo.

O relator do caso à época, ministro Walton Alencar, deixou claro que joias preciosas não poderiam ser consideradas "personalíssimas". "Imagine-se, a propósito, a situação de um Chefe de Governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente", afirmou no voto.

Em março deste ano, após vir à tona a tentativa de Bolsonaro reaver joias de valor milionário dadas pela Arábia Saudita, o TCU determinou a devolução de objetos. No julgamento, o presidente do tribunal, ministro Bruno Dantas, ressaltou que "o baixo valor" também é uma condicionante a ser observada.

Na operação Lucas 12:2, deflagrada nesta sexta-feira, 11, a Polícia Federal apontou que além de ter vendido - e depois recomprado - um relógio de alto valor, o entorno do ex-presidente também tentou vender esculturas douradas de um barco e de uma palmeira e um conjunto de joias com anel, abotoaduras e rosário islâmico. Um Rolex e um outro relógio de luxo, da marca Patek Philippe, foram vendidos por US$ 68 mil, cerca de R$ 332 mil na cotação da época.

Segundo a investigação, Bolsonaro recebeu valores oriundos das negociações realizadas por aliados em dinheiro vivo, o que pode configurar crime de peculato. A polícia vasculhou endereços ligados ao advogado Frederick Wassef e ao general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid, apontou indícios de que Bolsonaro estaria envolvido no esquema de venda de presentes.

Tanto os episódios investigados pela operação desta sexta-feira quanto o caso das joias que o Estadão revelou em março têm em comum o fato de que presentes recebidos por Jair Bolsonaro durante compromissos oficiais não foram cadastrados pela Comissão Permanente de Valoração de Bens Móveis (CPVBM/PR), vinculado à Presidência, nem incorporados ao patrimônio público da União.

O cadastramento dos objetos, uma das exigências do decreto nº 4.344/2002, também é uma proteção contra eventuais tentativas de oferta de presentes ao chefe do Executivo em troca de favores.

O caso das joias de março é investigado pela Polícia Federal em Guarulhos, local em que foram retidas. Já a operação de sexta-feira está vinculada ao inquérito das milícias digitais e foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Nas duas situações, Bolsonaro é investigado, mas não é réu. No final das apurações, o Ministério Público pode ou não denunciá-lo para que ele vá ao banco dos réus, dependendo da interpretação que fizer das provas colhidas.

O que é peculato?

A conduta de Bolsonaro, segundo as investigações, poderia ser enquadrada como peculato. Como explica o criminalista André Lozano, sócio do Lozano Barranqueira Advocacia e mestre em Direito Penal pela PUC-SP, "o crime de peculato acontece quando um funcionário publico subtrai um bem que está em poder dele em razão do cargo". A pena prevista no Código Penal é de dois a doze anos de prisão.

De acordo com o advogado, o motivo das investigações é o fato de que os presentes que Bolsonaro recebeu durante as agendas oficiais são do cargo, e não da pessoa física. "Quando são dados presentes dessa magnitude a um chefe de Estado, não é para a pessoa, e sim, para o cargo."

Um dos objetos investigados na operação da PF desta sexta é um conjunto de joias que esteve à venda em um site de leilões virtuais por R$ 120 mil. O relógio da marca Rolex recomprado por Frederick Waasef para ser devolvido ao Tribunal de Contas da União custou mais de R$ 300 mil ao advogado.

Motivos de presentes podem levar a outros crimes

Lozano aponta para a possibilidade de outro crime ser incluído no rol de investigações da Polícia Federal - corrupção passiva. Isso porque, nas conversas que PF interceptou entre Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e o pai, o general Lourena Cid, há a menção ao fato de as estátuas e outros bens de alto valor não terem documentos. Nos e-mails do ex-ajudante de ordens aos quais a CPI do 8 de Janeiro teve acesso, ele tenta vender um relógio da marca Rolex, mesmo modelo do que foi recomprado por Wassef, sem documentação.

"Pelas normas de Direito Internacional, a cessão também precisa ser registrada pelo país que deu as joias", explica Lozano. "Se não há registro, é necessário verificar o motivo de ele não ter sido feito."

Para que o crime de corrupção passiva esteja caracterizado há outros requisitos. "Seria necessário demonstrar que esse presente recebido foi, em verdade, uma contraprestação a algum ato praticado pelo servidor público em favor do doador do presente", pondera Pedro Paulo de Medeiros, também advogado criminalista e pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. O texto do Código Penal usa a expressão "vantagem indevida".

Contas à disposição

A banca de advogados que defende Jair Bolsonaro divulgou uma nota após a operação da PF. O texto nega quaisquer crimes e diz que as contas do ex-presidente estão à disposição da Justiça.

"A defesa do presidente Jair Bolsonaro voluntariamente e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU — ainda em meados de março, p.p. —, requerendo o depósito dos itens naquela Corte, até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito", diz a manifestação assinada por Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten.

Estadão
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