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Política

Projeto manobrado por bancada da bala facilita acesso a armas por condenados

Texto avançou sob 'cochilo' de governistas, e agora integrantes do Ministério da Justiça e especialistas em segurança pública correm para frear proposta

11 dez 2024 - 14h48
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BRASÍLIA - Integrantes da bancada da bala da Câmara dos Deputados manobram para aprovar um projeto de lei que facilita o acesso de armas para criminosos, flexibiliza o porte e a anistia a irregularidades e desmonta o Estatuto do Desarmamento. Após avançar sem resistência de governistas, agora integrantes do ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) correm para frear a proposta.

Na segunda-feira, deputados apresentaram um pedido para acelerar a tramitação de um projeto de lei de Paulo Teixeira (PT-SP), que propunha a custódia de armas apreendidas para o Poder Judiciário. O novo relator de plenário, Ismael Alexandrino (PSD-GO), porém, mudou o texto.

Ele escolheu um apensado que vai na contramão do projeto original. O novo texto prevê que teriam restrição a armas de fogo apenas pessoas condenadas com trânsito em julgado — ou seja, quando não cabe mais recurso em nenhuma corte — e por crime contra a vida considerado hediondo com a intenção de matar. Isso permitiria a condenados em primeira instância, por exemplo, a adquirir armamento. Hoje legislação diz que, para ter acesso a arma, a pessoa não pode responder a inquérito policial ou a processo criminal, numa etapa anterior à condenação.

O texto também anistia quem tem armas ilegais desde 2008 e dispensa a exigência de atestados de aptidão técnica, aptidão psicológica, comprovações de idoneidade e antecedentes criminais para regularizar a arma — requisitos que são hoje exigidos. O porte de arma de fogo (isto é, a possibilidade de levar a arma consigo mesmo em lugares públicos) é proibido no Brasil. A lei altera essa permissão e condiciona o porte à prévia licença.

Um relatório da auditória do Tribunal de Contas da União (TCU) nos sistemas de fiscalização de armas do Exército identificou 70.646 boletins de ocorrência, 9.387 mandados de prisão e 19.479 processos de execução penal relativos a cidadãos com armas registradas no Exército. Tratam-se de pessoas que não cumpriam ou deixaram de cumprir requisitos de idoneidade, mas que mesmo assim tinham acesso aos produtos. A manobra da bancada da bala pode agravar esse cenário.

Além disso, o projeto de lei revoga a necessidade de apresentar uma justificativa individualizada para a compra de armas, e amplia para dez anos o prazo para renovação de registro — período considerado por especialistas como inadequado para checagem de requisitos como a inexistência de antecedentes criminais. Na prática, extingue a proibição do porte de armas como regra geral, já que o Estatuto do Desarmamento define que o porte de arma, isto é, a autorização para pessoas circularem armadas pelas ruas, é proibido, salvo nas exceções previstas na própria lei.

A Câmara vota nesta semana um pacote de projetos de lei do campo da segurança pública, pauta apoiada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ele delegou ao presidente da bancada da bala e da Comissão de Segurança Pública, Alberto Fraga (PL-DF), selecionar os projetos que seriam votados. Integrantes do MJSP já conversaram com Alexandrino para alterar o projeto de lei, mas dizem que ele não cede nos principais pontos que preocupam a pasta.

As mudanças no texto foram feitas sob "cochilo" da esquerda. O PSOL, por exemplo, partido que costuma se colocar contra a pauta do armamento da população civil, votou a favor do regime de urgência, e um de seus parlamentares defendeu a votação da proposta de autoria de Teixeira.

"Esse projeto é do atual ministro e ex-deputado Paulo Teixeira, que considera, e nós concordamos com isso, inadequado que a custódia de armas apreendidas fique com o Poder Judiciário. Claro, a discussão de mérito virá no momento adequado, mas entendemos que a urgência é cabível, porque há casos, e o autor as relata na sua justificativa, de vulnerabilidade desses locais. Essas armas, muitas vezes, voltam para mãos criminosas, e por isso essa cautela é muito importante", disse na segunda-feira o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

O Congresso e o próprio Lira passam por uma indisposição com o governo Lula em meio à crise das emendas parlamentares, cujo pagamento foi travado pelo ministro Flávio Dino (Supremo Tribunal Federal), que exige mais transparência no processo. O governo federal publicou nesta terça-feira, 10, uma portaria acertada com a cúpula do Parlamento para destravar o pagamento das emendas e reduzir a animosidade do Legislativo contra os projetos do Executivo.

Especialistas ouvidos pelo Estadão criticam a manobra da bancada da bala, Roberto Uchôa, policial federal que trabalhou com fiscalização de armas na corporação e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que a proposta, a que ele chama de "péssima", pode acabar anistiando armas que entraram no território brasileiro de forma ilícita.

"Enquanto a gente discute sobre campanhas para recompra de armas quando a gente quer retirar o excesso de armas em circulação, a bancada da bala teima em aumentar o número de armas em circulação, mesmo diante de pesquisas mostrando como isso tem sido nocivo para a sociedade. Esse projeto é um verdadeiro trem da alegria para a indústria armamentista", declara Uchôa.

Para o Instituto Sou da Paz, trata-se de uma tentativa de alterar o Estatuto do Desarmamento "inserindo dispositivos camuflados em projetos de lei com outros objetivos", tentando evitar o debate público. A organização critica o fato de o texto original, que tratava da doação de armas apreendidas para as forças de segurança, ter sido deturpado para incluir alguns pontos que descaracterizam a legislação brasileira de controle de armas, o que chama de "grave retrocesso".

"Além de alterar o Estatuto do Desarmamento, que passou incólume, inclusive, pela gestão de Jair Bolsonaro, esse projeto facilita que pessoas respondendo a crimes graves possam adquirir armas. Aprovar tais alterações é fragilizar estruturalmente a política de controle e armas, prejudicando diretamente a população brasileira", diz a organização em nota.

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Estadão
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