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Política

PT tenta trocar projeto de Sóstenes sobre aborto por texto 'mais brando' na Câmara

Partido do presidente Lula quer convencer maioria dos deputados a trocar texto proposto por bancada evangélica por projeto que trata de apenas um tipo de procedimento para interrupção de gravidez

11 jun 2024 - 10h31
(atualizado às 11h42)
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BRASÍLIA - Em uma tentativa de reduzir danos no avanço da pauta conservadora de costumes, que contraria a base eleitoral progressista do governo Lula, a bancada do PT na Câmara tenta trocar o projeto do evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) que trata de aborto por uma proposta "mais branda". O assunto deve ser debatido em reunião de líderes partidários com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), nesta terça-feira, 11.

O texto protocolado pelo parlamentar de oposição, que pode ter a urgência votada ainda nesta terça, equipara a interrupção da gravidez após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, com penas de seis a 20 anos de prisão. Os petistas, por sua vez, defendem que essa regra tenha validade somente para o uso de uma técnica específica, chamada de "assistolia fetal", e não para todos os casos.

Lideres da Câmara vão discutir nesta terça-feira qual texto sobre aborto será submetido à votação
Lideres da Câmara vão discutir nesta terça-feira qual texto sobre aborto será submetido à votação
Foto: Wilton Júnior/Wilton Júnior/Estadão / Estadão

"Vamos tratar assistolia fetal, esse é o ponto", disse ao Estadão/Broadcast o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG). Segundo ele, esse foi o acordo prévio feito na semana passada no Colégio de Líderes. A decisão sobre como se dará a votação da proposta, contudo, será tomada por Lira.

"Todos vamos esperar a reunião de líderes, para ver como o presidente vai encaminhar", afirmou. De acordo com Odair, só a partir disso será possível definir se a votação será simbólica, sem registro nominal de votos, e qual a orientação a base governista receberá para o plenário. Assistolia fetal é uma técnica que usa medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, utilizado em casos de aborto autorizados pela lei, como em gestações decorrentes de estupro.

Como mostrou a Coluna do Estadão, a bancada evangélica começou a preparar o votação do projeto que restringe o aborto em reação ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio, o magistrado suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia a assistolia fetal. A proposta de Sóstenes, contudo, é mais ampla e proíbe também o aborto após 22 semanas mesmo em casos de estupro.

O Congresso tem defendido e aprovado pautas consideradas conservadoras, em uma espécie de recado para lembrar ao governo Lula que a esquerda é minoritária. O próprio Lira tem dito que as derrotas do Executivo na mais recente sessão de análise de vetos presidenciais refletem o posicionamento do Legislativo e que, por isso, de nada adiantará mudar a articulação política.

A estratégia do Planalto é tentar minimizar esses reveses com a afirmação de que o foco do governo são as pautas econômicas e não as ideológicas. Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que o cenário é positivo porque o governo aprovou no Congresso, desde o ano passado, medidas do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação, o arcabouço fiscal e a reforma tributária.

Os governistas também ressaltam que, apesar de ter perdido em pautas de costumes na sessão conjunta do Congresso, o Planalto conseguiu manter o veto presidencial ao calendário fixo de pagamento de emendas que havia sido incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e que diminuiria o poder do Executivo de barganhar a liberação dos recursos em troca de apoio legislativo.

Na segunda-feira, 10, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que Lula pediu aos presidentes das casas do Congresso e a líderes que priorizem temas econômicos e sociais, em vez de pautarem projetos que "aticem a intolerância". Sem se posicionar sobre o mérito das matérias, o articulador político do Planalto afirmou que o governo considera que propostas sobre aborto e delação premiada "não deveriam estar no centro das pautas".

Delação premiada

Citada por Padilha, também pode ser votada nesta terça-feira a urgência para um projeto que impede a homologação judicial de delações premiadas de quem estiver preso. A proposta, resgatada agora, foi apresentada em 2016, no auge da Operação Lava Jato, pelo ex-deputado Wadih Damous (PT-RJ), hoje secretário nacional do Consumidor Ministério da Justiça do governo Lula.

Para Padilha, a matéria "não tem nenhuma relação" com Jair Bolsonaro (PL), apesar de governistas no Congresso terem considerado que o projeto, em tese, poderia afetar o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid contra o ex-presidente em casos como o da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Caso os requerimentos de urgência sejam aprovados, com no mínimo 257 votos favoráveis cada um, as propostas sobre aborto e delação premiada poderão pular a etapa de análise em comissões e serem pautadas diretamente no plenário da Câmara.

Autor do requerimento de urgência no caso da delação e também de um projeto de lei que trata do mesmo assunto e cujo texto está apensado (unido) ao de Damous, o deputado Luciano Amaral (PV-AL) nega, em nota, que o objetivo seja "atingir investigações ou processos específicos".

Mesmo assim, líderes governistas avaliaram na semana passada que Lira mandou um recado ao governo de que "ainda tem tinta na caneta" ao pautar a urgência para o projeto das delações premiadas. Deputados ressaltaram que a decisão ocorreu, coincidentemente, em meio ao impasse sobre a taxação das compras internacionais de até US$ 50, em que Lira foi desafiado pelo relator no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos-AL), após ter fechado acordo com o governo.

Esquerda minoritária

No último dia 4, Lira disse que a derrubada de vetos não é falta de articulação do governo Lula, mas um posicionamento do Congresso, que é majoritariamente conservador, sobre determinados assuntos.

Na semana anterior, deputados e senadores haviam derrubado vetos de Lula ao projeto de lei que limita a chamada "saidinha" de presos do regime semiaberto para verem familiares. Além disso, haviam rejeitado o veto do petista a um trecho da LDO que proíbe a destinação de recursos para pautas consideradas de esquerda e mantido veto de Bolsonaro a um trecho da nova Lei de Segurança Nacional que criminalizaria as fake news em massa.

"Vivemos uma mudança de paradigmas e de regras e comportamentos que têm que ser observados. Não é falta de articulação ou excesso de articulação, é posicionamento. Em determinadas matérias, há um entendimento dentro do Congresso, que é conservador. Em 2014, a esquerda elegeu 130 deputados, em 2018, 120 deputados, em 2022, mais 130. Então, as pautas têm que ser consensuadas, discutidas, acordadas", declarou Lira.

Após as derrotas, Lula resolveu retomar seu envolvimento direto na articulação política do governo, por meio de reuniões toda segunda-feira com o núcleo político e "canal aberto" para receber líderes e vice-líderes de partidos.

Líderes partidários da base governista na Câmara avaliaram que na sessão de vetos de maio houve uma "sensação de impotência" do Planalto que não ocorria nem na gestão de Bolsonaro, quando o Congresso assumiu controle total da agenda legislativa.

Um líder que apoia o governo afirmou, sob condição de anonimato, que o Planalto deveria ter centrado todas as forças para manter o veto à saída temporária dos detentos, considerada como "questão de honra" no governo. Em vez disso, de acordo com o parlamentar, a articulação política tentou negociar vários vetos ao mesmo tempo, o que acabou gerando a profusão de derrotas.

Essa liderança lembrou que, apesar de a gestão anterior também não ter contado com uma base sólida no Legislativo, o então líder do governo Bolsonaro no Congresso, o senador Eduardo Gomes (PL-TO), conseguia "entrar numa sala e sair de lá com os acordos fechados".

Estadão
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