Ramagem criou dossiê sobre caso Flávio 1 mês antes de ser indicado à PF, diz jornal
Ex-chefe da Abin teria montado documento intitulado “Bom dia Presidente" entre março de 2020 e 2021
Um documento apreendido pela Polícia Federal indica que o deputado federal Alexandre Ramagem (PL) produziu para Jair Bolsonaro (PL) um dossiê secreto com informações do caso das “rachadinhas” envolvendo o senador Flávio Bolsonaro. De acordo com a Folha de S. Paulo, o documento foi produzido em março de 2020, um mês antes de ser indicado para o cargo de diretor-geral da PF, com objetivo de anular as investigações contra o filho do ex-presidente.
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Na época, Ramagem era diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Intitulado “Bom dia Presidente", o arquivo, alimentado até março de 2021, era formado por afirmações sem provas de que o filho ‘01’ do ex-chefe de Estado foi levado à investigação por meio de acessos ilegais de dados por parte dos auditores da Receita Federal.
O dossiê reúne informações de ao menos três desses servidores. "Os metadados [do arquivo apreendido com Ramagem] indicam a construção do documento com as respectivas alterações para informar ao presidente da República sobre os auditores da Receita responsáveis pelo RIF [relatório de inteligência financeira] que deu causa à investigação do senador Flávio Bolsonaro", aponta o relatório da PF.
O objetivo era colocar em dúvida as provas em relação à Operação Armadeira, que, em outubro de 2019, apreendeu o auditor da Receita Marco Aurélio da Silva Canal, à época suspeito de extorsão contra investigados na Operação Lava Jato, além de desviar o foco de servidores da RF que integravam o grupo de acessos ilegais de dados fiscais a contribuintes, incluindo Flávio.
Foram levantadas informações de Christiano Paes Leme Botelho, do Escritório de Pesquisa e Investigação da 7ª Região Fiscal, Cleber Homen da Silva, que até então eram chefes do setor, além do então corregedor-geral da Receita, José Pereira de Barros Neto.
O documento diz que os chefes estavam no cargo há anos e que isso ocorria por omissão do corregedor-geral, portanto, era necessário "o detalhamento das irregularidades com apuração especial do Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados] e acompanhamento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em Brasília".
Ainda sem provas, o dossiê afirma que a Operação Armadeira certamente pegou alguns "fiscais ladrões", mas que se tratava de uma "operação de marketing" patrocinada pelos supostos “algozes dos Bolsonaros” na RF. No grupo, conforme o documento, estaria também o então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, e todos estariam "na marca do pênalti" para serem descobertos pela apuração especial no Serpro.
"Estes necessitam, portanto, mostrar serviço e aparecer como combatedores de corrupção."
De acordo com a Folha de S. Paulo, a Receita Federal instaurou uma apuração sobre o caso, mas não encontrou fundamento na tese. Nada irregular foi apontado contra os três servidores da Receita investigados.
Christiano Paes Leme Botelho foi exonerado em dezembro de 2020, enquanto Tostes Neto foi demitido um ano depois, ambos em meio a pressão da família Bolsonaro.
Ramagem é investigado no caso que ficou conhecido sobre o uso ilegal de sistemas da Abin, que ficou conhecido como Abin-Paralela, para espionagem de autoridades públicas enquanto o ex-diretor esteve no comando da Agência.
Em depoimento concedido na semana passada à Polícia Federal (PF), ele foi questionado sobre documentos encontrados em nuvem de seu e-mail, escritos por ele mesmo, com orientações ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre os textos, estavam recomendações sobre o ataque às urnas eletrônicas e relatos sobre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao ser questionado sobre o dossiê, Ramagem afirmou que não se lembrava do documento, pois costumava escrever textos de fontes abertas para comunicação de fatos que pudessem ser de interesse de Bolsonaro.
À Folha, a defesa dele afirmou que ele não vai se manifestar neste momento. A defesa de Bolsonaro também não se pronunciou.
Operação da PF
No último dia 11 de julho, a PF cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão em cinco Estados do País pela 4ª fase da Operação Última Milha. A ação fez parte de uma série de investigações da PF sobre uma organização criminosa que agia na espionagem ilegal de autoridades públicas e na produção de fake news dentro da Abin -- o que ficou conhecida como 'Abin paralela' -- durante o governo de Bolsonaro.
Segundo a PF, os criminosos chegaram a acessar computadores, celulares e a infraestrutura de telecomunicações da Abin para monitorar agentes públicos. Os alvos incluíam membros dos três poderes e até jornalistas.
Além do monitoramento ilegal, o grupo também criava perfis falsos para atacar autoridades e divulgar informações manipuladas, trabalho do grupo que recebeu alcunha de 'gabinete do ódio' dentro do governo Bolsonaro.
Na ocasião, foram cumpridos cinco mandados de prisão preventiva e sete mandados de busca e apreensão em Brasília, Curitiba, Juiz de Fora, Salvador e São Paulo.
Os nomes dos alvos da 4ª fase da operação foram confirmados ao colunista do Terra Guilherme Mazieiro. Um deles é Mateus de Carvalho Spósito, ex-assessor no Ministério das Comunicações no governo Bolsonaro.
Quem também aparece nas investigações é Giancarlo Gomes Rodrigues. No período em que o grupo criminoso atuava, o militar trabalhava como assessor do então diretor da Agência, Alexandre Ramagem. Richards Pozzer e Marcelo Araújo Bormevet também foram alvos de mandados.
Ao fim da operação, os investigados poderão responder por crimes como organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio.