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Política

Ramos assinou projeto que criou orçamento secreto do governo

Ministro reformulou proposta e articulou lei que originou a emenda do relator; mecanismo foi usado pelo governo Bolsonaro para distribuir R$ 3 bi a parlamentares aliados

25 mai 2021 - 05h06
(atualizado às 07h35)
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O atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, participou diretamente da articulação e criação do orçamento secreto para favorecer políticos aliados do governo, o chamado "tratoraço". Braço direito de Jair Bolsonaro, Ramos era chefe da Secretaria de Governo quando reformulou uma proposta antes barrada pelo presidente para criar uma emenda de relator-geral usada pela equipe para distribuir R$ 3 bilhões e conquistar o controle do Congresso.

O secretário de governo, General Luiz Eduardo Ramos, e o presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto
O secretário de governo, General Luiz Eduardo Ramos, e o presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto
Foto: Adriano Machado / Reuters

Em sua sala no quarto andar do Palácio do Planalto, um nível acima do gabinete do presidente, Ramos resgatou um mecanismo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro. Assim, em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou sozinho a exposição de motivos que acompanha o projeto de lei que criou a emenda chamada RP9. É um caso atípico, pois propostas sobre orçamento costumam passar pelo crivo do Ministério da Economia.

"Diante do exposto, submeto a sua consideração o anexo Projeto de Lei que 'Altera a Lei no. 13.898, de 11 de novembro de 2019, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária em 2020 e dá outras providências", escreveu o general ao presidente Bolsonaro.

Desde que o Estadão revelou o orçamento secreto, Bolsonaro tem negado a existência do esquema. O presidente chegou a chamar os jornalistas do Estadão de "idiotas" e "jumentos" por noticiar o caso, batizado de "tratoraço" nas redes sociais por envolver compras de máquinas a preços até 259% acima da tabela de referência do governo. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sustenta que "é de conhecimento de qualquer jornalista que acompanhe minimamente o noticiário em Brasília que a RP9 foi iniciativa do Congresso". Os documentos contradizem essa versão.

A operação de Ramos ocorreu três semanas após Bolsonaro vetar a tentativa do Congresso de criar a RP9. A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha convencido o presidente de que a nova emenda engessaria o governo, pois impactava o cálculo do resultado primário, afetando a meta fiscal. Mas, quando Ramos ressuscitou a proposta, Bolsonaro trocou as justificativas técnicas que usou para barrar a medida pela criação de um orçamento que lhe permitira escolher quais parlamentares seriam beneficiados com bilhões de reais.

No mesmo projeto enviado ao Congresso, o general da reserva chegou a incluir no texto um artigo, o 64-A, que dava ao Congresso o direito de indicar o que deveria ser feito com o dinheiro. Nesse caso, porém, Bolsonaro novamente impediu a iniciativa por contrariar o "interesse público" e "fomentar o cunho personalístico" das indicações. O Congresso não derrubou esse veto. Dessa forma, tornou irregular o toma lá, dá cá que veio a fazer mais tarde.

Agora na Casa Civil, Ramos é o homem forte do governo no Planalto e mantém influência na articulação política. Em fevereiro, com o orçamento secreto, ele garantiu as vitórias dos aliados Arthur Lira (Progressistas-AL), na Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado.

Procurado pelo Estadão, o ministro repetiu que "a iniciativa da criação da RP9 foi da Comissão de Orçamento do Congresso". Toda negociação dos parlamentares para divisão do dinheiro da RP9 foi feita no gabinete da Secretaria de Governo, pasta que Ramos comandava quando assinou o texto. O jornal encaminhou à assessoria do general a documentação citada na reportagem.

Riscos

Em ao menos duas reuniões no gabinete do general, no fim de 2019, técnicos previram que o esquema para aumentar a base de apoio de Bolsonaro poderia resultar no primeiro grande escândalo do seu mandato. Na ocasião, tentaram dissuadir o Planalto de vetar a possibilidade de os congressistas imporem os bilhões da emenda RP9.

Segundo um dos presentes, o braço direito do ministro, Jonathas Assunção de Castro, foi alertado de que as negociações para divisão do dinheiro já estavam em curso e o veto tornaria essa operação ilegal. Nessa queda de braço, porém, quem ganhou foi a equipe econômica, para quem dar ao Congresso o direito de também definir como aplicar R$ 20 bilhões de RP9 transformaria Bolsonaro em "rainha da Inglaterra".

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União investiga se, ao ignorar seu veto, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade por "atentar contra a lei orçamentária, nos termos do art. 85, inciso VI, da Constituição Federal".

Após a publicação da reportagem, o ministro Ramos foi ao Twitter para dizer que a informação é mentirosa. "Mais um dia q MENTIRA é capa do Estadão. Incompetência e desespero são tamanhos q atribuem a um ministro a assinatura de um PL. Até montagem de documento vale p seguir a narrativa suja. Isso é resultado da ausência de corrupção do @jairbolsonaro P/ vender jornal tem q inventar." O documento a que o ministro se refere pode ser lido na página oficial do Senado.

Nesta quarta-feira, 19, o ministro voltou a usar as redes sociais para comentar o assunto. "A mentira não vai prosperar! Irei à Justiça em busca da VERDADE. Jornalistas inescrupulosos usaram meu nome de forma caluniosa para vender jornal. No Gov @jairbolsonaro não nos faltará coragem de enfrentar os que lutam diariamente com mentiras e difamações para destruir nosso Brasil".

A exposição de motivos a que o ministro se refere é parte integrante do projeto de lei. Procurado pelo Estadão no dia 12 de maio, seis dias antes da publicação da reportagem, o ministro respondeu no dia 17, mas sem citar sua participação na elaboração do projeto. Ele manteve a versão de que a proposta foi elaborada pelo Congresso, o que é uma inverdade.

Estadão
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