Receita investigará 2º presente de sauditas a Bolsonaro
Remessa de joias foi entregue à Presidência da República durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro
A Receita Federal informou nesta segunda-feira, 6, que investigará se houve irregularidades em um segundo pacote de presentes do governo da Arábia Saudita que chegou ao Brasil em outubro de 2021. A remessa de joias foi entregue à Presidência da República durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
As investigações por parte do órgão acontecem após uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo deste domingo, 5, revelar a existência de um recibo que mostra que um suposto presente saudita deu entrada no acervo pessoal de Bolsonaro. O documento indica que mais de um presente foi enviado pelos sauditas após uma visita de comitiva brasileira, que não tinha a presença de Bolsonaro, ao país árabe.
O pacote que chegou ao seu destino final, de acordo com o jornal, se tratava de um estojo que, em seu interior, continha um relógio, uma caneta, duas abotoaduras, um anel e um tipo de rosário. Os itens são da marca suíça de luxo Chopard, a mesma das joias que teriam sido presenteadas a Michelle Bolsonaro pelos sauditas, e que ficaram retidas pela Receita Federal quando desembarcaram no Brasil.
"O procedimento de seleção de passageiros leva em consideração critérios de gerenciamento de risco, baseados em um conjunto de informações relativas ao voo, ao passageiro e às características da viagem. Matérias jornalísticas mencionam a existência de um outro pacote de joias que teria ingressado no país, o que somente seria possível se trazido por outro viajante, diferente daquele alvo da fiscalização aduaneira. O fato pode configurar em tese violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos", disse a Receita Federal.
O órgão acrescentou que tomará as providências cabíveis no âmbito de suas competências para a esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, "sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem".
Entenda o caso
O governo Jair Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o País um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões.
As joias eram um presente do governo da Arábia Saudita para o ex-presidente e a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Elas estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro Bento Albuquerque, das Minas e Energia, que esteve no Oriente Médio na comitiva do presidente, em outubro de 2021. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Ao saber que as joias foram apreendidas, o ministro retornou à área da alfândega, e tentou usar o cargo para liberar os diamantes. Foi nesse momento que Albuquerque disse que o conjunto de diamantes era um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle Bolsonaro.
A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, como é de praxe nesse tipo de fiscalização. Mesmo assim, o agente da Receita reteve as joias, porque, no Brasil, é obrigatório declarar ao Fisco qualquer bem que entre no País que passe de US$ 1 mil.
O Estadão apurou que nos últimos dois meses houve ao menos quatro tentativas frustradas de Bolsonaro de reaver as pedras preciosas, envolvendo três ministérios (Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores) e militares.
A última ocorreu quando faltavam apenas três dias para ele deixar o mandato, em 29 de dezembro. Um funcionário do governo pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. O funcionário, que se identificou como “Jairo”, argumentou que “não pode ter nada do [governo] antigo pro próximo, tem que tirar tudo e levar”, conforme relatos colhidos pelo jornal.
A reportagem localizou a solicitação para a FAB levar o chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, o 1º sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, que foi para Guarulhos “para atender demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade e retornará em voo comercial no trecho Guarulhos-SP para Brasília-DF”.
No dia 28 de dezembro de 2022, houve mais uma tentativa do gabinete do presidente de reaver as peças. Desta vez, o próprio presidente da República enviou um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que os bens fossem destinados à Presidência da República, em atendimento ao ofício 736/2022, da “Ajudância de Ordem do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.
Bento Albuquerque confirmou à reportagem do Estadão que as joias trazidas ao Brasil da Arábia Saudita eram, de fato, um presente para Michelle Bolsonaro. Albuquerque, porém, afirmou que desconhecia o conteúdo do estojo de joias. Segundo o ex-ministro, os itens passaram pela alfândega saudita e embarcaram no voo comercial, sem que ele e sua comitiva fossem questionados sobre o conteúdo dos presentes. “Nenhum de nós sabíamos o que eram aquelas caixas”, disse Albuquerque.
No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita Federal, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né... deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos.”
Defesas
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse que "não estava sabendo" que tinha "tudo isso", referindo-se às joias de diamantes avaliadas em R$ 16,5 milhões que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o País.
"Quer dizer que, 'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa (sic) vexatória", publicou Michelle nos stories do Instagram.
O ex-presidente Jair Bolsonaro negou que tenha havido irregularidades na tentativa de trazer joias de valor milionário da Arábia Saudita. Em uma entrevista a jornalistas na saída da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), um dos maiores eventos conservadores dos Estados Unidos, o político se defendeu do caso, afirmando que não pediu, nem recebeu o presente.
"A legislação diz que poderia usar, mas não se desfazer do bem. Agora eu estou sendo crucificado por um presente que eu não recebi. Alguns jornais disseram que tentei trazer joias ilegais para o Brasil, não existe isso", declarou.
Investigação
O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou, na noite desta sexta-feira, 3, que vai acionar a Polícia Federal para apurar a tentativa do governo Bolsonaro de trazer ilegalmente para o País o conjunto de joias.
Nas redes sociais, Dino afirmou que os fatos revelados pela reportagem do Estadão podem configurar crimes de descaminho, além de peculato e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades.
"Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira", escreveu Dino, em sua conta pessoal no Twitter. (*Com informações do Estadão Conteúdo)