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Política

Rua Tutoia, 921: as feridas abertas do maior centro de extermínio do Brasil

31 mar 2014 - 18h50
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São Paulo, 31 mar (EFE/).- Aos 16 anos, Ivan Seixas não teve o direito de escolher ser livre e, junto com a família, foi "capturado" dentro de casa e levado para o prédio do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), na rua Tutoia, número 921, em São Paulo, comparado por ele a "um campo de concentração nazista".

"Aquele espaço é correspondente ao campo de concentração e extermínio de Auschwitz. Por ali passaram 8 a 10 mil pessoas que foram torturadas e mais de 50 que acabaram assassinadas", contou nesta segunda-feira Seixas, que preside o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), em entrevista exclusiva à Agência Efe.

Lá, ele passaria um período imperdoável e inesquecível, no qual viu o pai ser torturado e assassinado, e, hoje, é um dos responsáveis pelo projeto de tombamento do prédio, onde, atualmente, funciona uma delegacia.

Para Ivan, o tombamento do prédio do DOI-CODI, que foi oficializado em janeiro deste ano, foi fundamental, pois o local representa, segundo ele, "território inimigo que a gente tem que conquistar e devolver para a civilização".

"O espaço foi um pedaço do Brasil durante 21 anos. A memória daquele local não me pertence, mas a todos os brasileiros, por isso temos que conviver com ela e nao dá para destruí-la, temos que preservar o local e assumir que é um patrimônio", declarou.

Ivan, junto com centenas de pessoas, se manifestaram durante a manhã de hoje dentro do antigo DOI-CODI no espaço onde ficaram presos e foram torturados militantes. Ele relatou que foi difícil viver o som da tortura e passar por tantas situações como uma greve de fome, e que as frases que ouviu quando chegou no local foram "você chegou no inferno, vamos ver se você sairá vivo daqui".

Ao descrever o local, Ivan relembra: "eram seis selas subterrâneas e uma sela solitária. Tinha salas de tortura, de interrogatório nos fundos do prédio com cadeira de dragão, pau de arara e outras ferramentas de tortura. O que separava a tortura do mundo era um vitrô, e a população ouvia e sofria com a gente", disse à Efe.

Neste dia 31 de março, esta trágica memória brasileira aparece como um marco. Durante a manifestação, alguns participantes como Amelinha Teles e Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade "Rubens Paiva" do estado de São Paulo, leram um manifesto intitulado "Ditadura Nunca Mais" pelos 50 anos do golpe, destacando que a data "é o dia da vergonha nacional".

"O golpe começou há 50 anos e mostrou que a ditadura canalha levou à tortura e ao assassinato, infelicitou três gerações de brasileiros que, através da censura e do medo, não podiam ler, assistir, e foram emburrecidas", criticou o ex-preso político.

"A idade média dos presos eram 23 anos, eu era uma das mais velhas, com 27. Aqui representa o início de uma nova fase da ditadura de extermínio da oposição política de esquerda, a gente era tão torturado que eles deixavam um tempo para saírem as marcas da tortura para depois transferirem a gente para outro lugar. Nós ficavamos incomunicáveis, sem direito à advogado", disse, por sua vez, Amelinha.

O DOI-CODI era um órgão de repressão subordinado do Exército nos "Anos de Chumbo" destinado a prender aqueles que eram considerados pelos militares como pessoas que supostamente ameaçariam a segurança nacional.

O órgão surgiu a partir da Operação Bandeirante (Oban), criada em São Paulo em 1969 e que coordenava as repressões aos presos e, hoje, foi lembrada no ato de memória do golpe com faixas e cartazes que diziam "Oban nunca mais". Os DOIs eram comandados por militares das três Forças Armadas e reuniam integrantes das polícias militar e civil.

No local, um dos principais comandantes apontados como líderes das torturas entre 1970 e 1974 foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, além do ex-médico legista Harry Shibata, responsável por dar laudos dos presos políticos classificando, muitas vezes, os episódios de tortura como suicídios, como fez em 1975 com o jornalista Vladimir Herzog.

"Esse lugar tem uma marca negativa, claro, mas o lado bom é que estamos nele comemorando a derrota da ditadura, a ocupação dos prédios e a (esperança) de ver um centro de documentação e memória ser feito aqui", destacou o jornalista e autor do livro "As duas guerras de Vlado Herzog", Audálio Dantas.

As discussões que ainda restam para os manifestantes e todas as pessoas que sofreram com o trágico período são o encaminhamento da lei da Anistia e medidas para punir os culpados, como aponta o jornalista Paulo Markum.

"A Lei da Anistia é fruto de um momento histórico. Estamos em outro momento, que permite repensar certas questões, como a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Mas, também nesse caso, é um processo político, um jogo de forças e interesses".

EFE   
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