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Política

Sem acordo, senado adia votação do projeto das Fake News

Entidades ligadas a empresas de tecnologia veem possível prejuízo à liberdade de expressão; adiamento também era desejo de governistas

25 jun 2020 - 21h47
(atualizado às 21h49)
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BRASÍLIA - Em uma sessão marcada pela falta de consenso, o Senado adiou para a próxima terça-feira, 30, a votação do projeto de lei que visa combater desinformação, contas falsas e "robôs" nas redes sociais. O adiamento era pedido por governistas, mas também por entidades ligadas a empresas de tecnologia, que veem na proposta em análise riscos à liberdade de expressão, à privacidade e até ao combate da pornografia infantil nas redes.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, durante sessão virtual
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, durante sessão virtual
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado / Estadão Conteúdo

A sessão começou às 16 horas, sem consenso. O relator da matéria, senador Angelo Coronel (PSD-BA), só apresentou o parecer quase 40 minutos depois do início da sessão. Diante de um assunto complexo, que pode afetar milhões de usuários de plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), remarcou a votação.

"Saio daqui convencido de que o desejo de todos é votar 'sim'. É prover uma legislação que possa punir esses milicianos que ofendem e agridem os brasileiros", afirmou Alcolumbre, ao acolher os apelos de senadores.

As ressalvas à proposta ocorrem por receio das consequências da lei que está sendo preparada e do peso da reação. Sob o pretexto de combater notícias falsas, o risco é de o remédio ser amargo demais e acabar prejudicando liberdades individuais. Desde que Angelo Coronel apresentou seu relatório, na quarta-feira, dezenas de entidades, empresas e especialistas fizeram críticas ao texto.

A versão mais recente do projeto do relator retirou a obrigação de condicionar cadastros de contas nas redes sociais à apresentação de documento de identidade e número de celular. O item era alvo de críticas por permitir coleta massiva de dados pessoais, oferecendo riscos à privacidade e ao direito à proteção de dados. Na nova proposta, os documentos pessoais só são exigidos em caso de denúncias feitas contra determinada conta.

Mesmo assim, ainda não há consenso sobre a nova redação do dispositivo. É que o texto ainda mantém um trecho que obriga empresas como Facebook e Twitter a requerer que usuários e responsáveis pelas contas, por uma única vez, "confirmem sua identificação". O relatório não especifica como a confirmação deveria se dar.

A nova versão do texto de Angelo Coronel também autoriza que as empresas excluam publicações imediatamente "nos casos da prática de crime de ação penal pública incondicionada, com a comunicação às autoridades competentes".

Trata-se de uma adequação, após críticas recebidas à versão prévia, apresentada na quarta-feira, 24. Até então, o relatório só autorizava exclusões mediante ordem judicial ou após a "abertura de procedimento de moderação" com notificação dos autores e garantia do contraditório e da defesa.

A versão também despertou críticas. A limitação impedia que as plataformas removessem imediatamente conteúdos de terrorismo, pornografia infantil e discurso de ódio.

"Vemos com especial preocupação a instauração de um sistema de revisão de conteúdo burocrático que impede as plataformas de aplicar imediatamente políticas de remoção sobre conteúdos ilícitos e que podem causar danos graves às vítimas", destacou uma nota divulgada por 18 entidades ligadas à proteção de direitos da infância e à adolescência e a empresas de internet.

Mesmo assim, a nova redação do artigo é vista com ressalvas porque o texto dá a entender que caberia aos provedores interpretar quais publicações configuram "crime de ação penal pública incondicionada", que englobam crimes graves nos quais promotores de Justiça podem atuar sem solicitação prévia - entre eles, crimes sexuais.

A tramitação da proposta ocorre em meio à forte de pressão das gigantes de tecnologia. Caso aprovada a ideia, as plataformas serão submetidas a uma série de novas leis. Deverão criar processos para receber denúncias de usuários e até comunicar ao Ministério Público Eleitoral propaganda eleitoral "potencialmente irregular de que tiver conhecimento".

Outro ponto contestado é o que cria novos controles sobre serviços de "mensageria privada", como o WhatsApp. As empresas deverão "guardar os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa" por três meses, sem violar a privacidade dos conteúdos.

"Essa proposta, mirando algumas árvores, acerta toda uma diversa floresta. Ela afronta o direito fundamental à privacidade e proteção de dados de milhões de cidadãos, mesmo quando tenta circunscrever a intrusão ao caso definido como encaminhamento em massa. Uma tal obrigação de rastreabilidade exigiria a coleta de muito mais informações sobre os usuários do que é necessário para que os serviços funcionem normalmente", diz nota conjunta divulgada por Google, Facebook, Twitter e WhatsApp.

Apesar do esforço de governistas para postergar a votação, o adiamento também era apoiado por críticos do presidente Jair Bolsonaro, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "Não podemos usar o Senado como instrumento de vingança particular. No afã de tentar reagir às quadrilhas virtuais que são montadas, podemos estar ferindo princípios muitos sensíveis", disse.

Randolfe fazia referência aos episódios narrados por senadores favoráveis ao relatório nos quais lembravam que eles mesmos eram alvos de perfis apócrifos e de notícias falsas na internet. Nos discursos dos contrários ao texto, sobraram recomendações para que o Parlamento evitasse uma "aprovação figadal".

Autor do projeto original que inaugurou o debate, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) defende que o texto não apresenta qualquer risco às liberdades e que as empresas devem, sim, assumir novas responsabilidades.

"Não há risco para a atividade econômica nem à liberdade de expressão. Não há qualquer risco de censura. Mas os que vivem à sombra da internet, esses sim devem permanecer incomodados", afirmou Vieira.

Estadão
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