"Sem Moro, Bolsonaro vira refém de Guedes", diz especialista
Por manter o apoio do centrão e investidores, ministro da Economia parece ser o melhor caminho para evitar o impeachment do presidente
Em meio a uma pandemia mundial e uma guerra com os governadores de estado, com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal (STF), o governo Bolsonaro sofreu mais um duro golpe após o pedido de demissão do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. O ex-juiz da Operação Lava Jato, responsável por condenar, entre outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é tido por enorme parte do eleitorado como um símbolo de moralidade e luta contra a corrupção.
Agora, a base do governo tenta juntar os cacos, após a perda de seu membro mais popular, de acordo com as pesquisas de opinião. Além disso, as graves acusações feitas pelo ex-magistrado contra Bolsonaro em seu pronunciamento de despedida, somada à troca do comandante da Polícia Federal (PF), colocam em dúvida o compromisso de Bolsonaro com o combate à corrupção, uma vez que, de acordo com Moro, o presidente queria interferir em investigações da PF.
O que o governo perde sem Moro?
De acordo com o cientista político e professor de Relações Internacionais da Faculde de Campinas Pedro Costa Júnior, o grande prejuízo do governo com a saída do ex-juiz é em "capital político". "Moro era um pilar de sustentação crucial no governo, pois tem um capital político ainda maior que o de Bolsonaro, como mostram as pesquisas. Não podemos esquecer que Bolsonaro se forja no 'lavajatismo'", explica. O especialista ainda aponta que o ex-ministro conseguia dialogar com um eleitorado mais amplo. "Moro conversa com uma classe média mais moderada, enquanto Bolsonaro, cada vez mais, só fala com a extrema direita", ponderou.
Para o especialista, o presidente está "cada vez mais isolado". Antes de Moro, Bolsonaro já havia rompido com o PSL, partido que o elegeu e tem uma das maiores bancadas do Congresso, e com governadores que também o apoiaram durante o pleito, como João Doria (PSDB), de São Paulo, e Wilson Witzel (PSL), do Rio de Janeiro. Além disso, o presidente tem relações conturbadas com os poderes Legislativo e Judiciário, por conta de suas frequentes críticas aos parlamentares e ministros do STF. Sem Moro, a tensão tende a aumentar.
"Existe uma lição básica na ciência política: não contrate alguém que você não pode demitir", diz Costa Júnior. Dentro desta ótica, a decisão de Bolsonaro de nomear o ex-juiz como "super-ministro" acabou se virando contra o presidente, que tende a perder ainda mais popularidade ao romper com o ex-magistrado. No entanto, para o especialista, é outro nome de peso anunciado por Bolsonaro pouco após a eleição que pode salvar ou acabar com o mandato do capitão da reserva: Paulo Guedes.
Guedes é a chave para evitar impeachment
"Está todo mundo olhando para um lado, mas a questão está em outro", opinou o cientista político. Para ele, após a saída de Moro, o "governo se tornou refém" do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Defensor do reajuste fiscal, o economista da Escola de Chicago é apontado por muitos como o "próximo alvo" da ala ideológica do governo, tida como responsável pelas demissões de ministros como Gustavo Bebianno, Luiz Henrique Mandetta e Carlos Alberto dos Santos Cruz.
A saída de Moro também teria ligação com o grupo, que conta com dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, investigados pela PF por um suposto esquema de disparo de notícias falsas nas redes sociais. Esse inquérito teria sido um dos motivos que levou Bolsonaro a demitir Maurício Valeixo da PF, o que culminou no pedido de demissão do ministro.
Guedes se mostrou contrário ao plano de recuperação econômica pós-pandemia elaborado pelo Planalto sem a sua presença, o Pró-Brasil, e, de acordo com interlocutores, também estuda desembarcar da pasta. Para Costa Júnior, uma eventual saída do ministro significaria o colapso do governo. "Bolsonaro se elegeu com dois pilares, o da moralidade, representado pelo Moro, e do crescimento econômico, representado pelo Guedes", afirma.
Sem o ministro, que assumiu a função também com status de “super” e plena autonomia em suas decisões econômicas, Bolsonaro perderia força entre seus apoiadores ligados ao mercado. Visto como uma espécie de “fiador” do presidente, Guedes sempre foi a garantia das promessas de uma agenda econômica liberal e o responsável por conquistar os executivos, economistas e banqueiros que influenciaram a opinião pública para a vitória do então candidato do PSL nas eleições de 2018.
Ao perder Guedes, além de ver o apoio do mercado financeiro ir embora, Bolsonaro também terá problemas ao enfrentar o centrão, grupo formado por partidos de centro e centro-direita com aproximadamente 200 dos 513 deputados, que encurrala o presidente em meio à crise. "O centrão não abandona o mercado, e o mercado não deve abandonar o Paulo Guedes", explica Costa Junior. Desde o início do governo, os parlamentares deixaram claro que apoiavam a agenda reformista do ministro.
Reforçando o argumento do especialista, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), sinalizou nesta segunda-feira (27) descontentamento com as saídas recentes dos ministros Moro e Mandetta. Ao ser questionado sobre uma possível demissão do titular da Economia, Maia ressaltou seu parecer negativo considerando os resultados para a sociedade e citou a credibilidade do ministro, mesmo depois de alguns conflitos entre os dois.
"Acho que ele [Guedes] tem tentado colaborar da forma que ele acredita, por isso que muitas vezes a gente diverge, mas diverge do ponto de vista das ideias, não do pessoal. O que a gente espera é que com menos turbulência, todos juntos possam construir um caminho para que o Brasil possa superar essa crise, com um dano menor".
No mesmo dia, Bolsonaro fez questão de afirmar em entrevista coletiva no Palácio da Alvorada que o “homem que decide a economia no Brasil é um só”, referindo-se ao ministro.
Ciente do cenário desastroso no qual poderia se ver, Bolsonaro parece ter conhecimento de que Paulo Guedes parece ser a melhor aposta para conseguir manter o mandato em meio à crise política. "Enquanto o mercado ainda estiver com Bolsonaro, ele segue viável para o Congresso", finaliza Costa Júnior.