"Sistema particular" de informações funciona, diz Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em reunião ministerial de abril, que tem um "sistema particular" de informações que funciona e criticou o sistema oficial ao dizer que "desinforma", revelou vídeo do encontro divulgado nesta sexta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de investigação sobre suposta interferência do presidente na Polícia Federal.
"O meu particular funciona. Os que têm oficialmente, desinformam. E voltando ao tema: ´Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho´", disse Bolsonaro no encontro.
O ministro Celso de Mello, do STF, decidiu nesta sexta-feira permitir a divulgação do vídeo, com exclusão de apenas dois trechos, da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril, na qual, segundo o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente teria tentado interferir no comando da Polícia Federal.
Em sua decisão, Celso de Mello determinou a exclusão de trechos específicos em que há referência a dois países com os quais o Brasil mantém relação diplomática, informou o STF em nota.
"O decano autorizou, ainda, o acesso à íntegra da degravação do vídeo. A única restrição imposta foi a trechos específicos em que há referência a dois países com os quais o Brasil mantém relação diplomática", disse o STF na nota. "Com a decisão, qualquer cidadão poderá ter acesso ao conteúdo do encontro de ministros com o presidente Jair Bolsonaro", acrescentou.
Depois da divulgação do vídeo, Bolsonaro disse que "uma farsa" foi desmontada, e reiterou que não tentou interferir no comando da PF. "Nenhum indício de interferência na Polícia Federal", afirmou.
"Cadê a parte do vídeo onde falo em superintendente ou diretor-geral da Polícia Federal? Eu falo da minha segurança pessoal", acrescentou.
Questionado em entrevista sobre o "sistema particular" de informação que afirmou ter, Bolsonaro disse que obtém as informações por meio de uma série de contatos particulares, e criticou, assim como no vídeo, a inteligências das forças oficiais.
"É essa informação que eu tenho, pessoal meu, que eu descubro muitas coisas que, lamentavelmente, não descubro via as inteligências oficiais, que é da PF, da Marinha, Aeronáutica e Exército e Abin, é isso aí", afirmou.
VERSÕES
A divulgação do vídeo mostrou as falas de Bolsonaro que tinham sido transcritas pela Advocacia-Geral da União (AGU) dos trechos que, segundo alegou, teriam relação com as declarações feitas por Moro. Segundo a defesa do presidente, Bolsonaro manifestou preocupação com a sua segurança e de seus familiares, ao contrário do que alega o ex-ministro.
"Eu não posso ser surpreendido, ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não me dá informações, a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação", disse o presidente.
"Então essa é a preocupação que temos que ter: a questão estratégia. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso —todos— é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça,. Não é extrapolação da minha parte. É uma verdade", emendou, pouco depois.
Em outro momento, Bolsonaro fala sobre eventual tentativa de troca da "segurança nossa" no Rio de Janeiro.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", afirmou Bolsonaro.
Nesses dois trechos mais sensíveis, a gravação mostra um plano focado no presidente, não sendo possível identificar com clareza se as falas dele foram endereçadas ao então ministro da Justiça.
A defesa de Moro aponta o vídeo da reunião como uma das principais provas do inquérito conduzido pelo ministro do Supremo para tentar confirmar as acusações do ex-ministro de que Bolsonaro buscava mudar o comando da PF, pois estaria preocupado com investigações tocadas pela corporação. Dois dias depois da reunião, Moro e o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, deixaram seus cargos.
A defesa do ex-ministro disse em nota que a decisão de Celso de Mello "possibilita às autoridades e à sociedade civil constatar a veracidade das afirmações do ex-ministro em seu pronunciamento de saída do governo e em seu depoimento à Polícia Federal, em 2 de maio".
Segundo depoimento prestado por Moro, o presidente teria dito na reunião que iria interferir em todos os ministérios e, quanto à pasta da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio, trocaria o diretor-geral da corporação e o próprio ministro da Justiça. Esse episódio ocorreu dois dias antes de Moro pedir demissão do cargo.
Em mensagem no Twitter, o ex-ministro da Justiça disse que a "verdade foi dita, exposta em vídeo, mensagens, depoimentos e comprovada com fatos posteriores, como a demissão do diretor-geral da PF e a troca na Superintendência do RJ. "Quanto a outros temas exibidos no vídeo, cada um pode fazer a sua avaliação", disse.
PRÓXIMOS PASSOS
Após uma série de depoimentos colhidos e da aguardada divulgação do vídeo, o inquérito conduzido por Celso de Mello continuará na próxima semana. Na próxima terça-feira, por exemplo, o empresário Paulo Marinho vai depor a respeito das acusações de que a PF teria adiado uma operação que poderia beneficiar o presidente durante a eleição de 2018.
Para uma fonte da ala jurídica do governo, o vídeo não comprova a acusação feita por Moro contra o presidente. Não haveria a demonstração de indício de crime, reforçou.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia opinado pela divulgação restrita do vídeo e disse não compactuar com o uso de investigações como "palanque eleitoral precoce" de 2022.
Augusto Aras tinha pedido ao Supremo a abertura de inquérito sobre a fala do ex-ministro e citou uma série de supostos crimes que poderiam ter sido cometidos, como obstrução de Justiça, prevaricação e advocacia administrativa.
O chefe do Ministério Público Federal só vai se pronunciar sobre o vídeo na próxima semana, disse uma fonte. Aras quer assistir ao vídeo com calma, cada uma das partes liberadas pelo STF. Ele não viu ainda a gravação, somente procuradores da sua equipe esta semana, disse a fonte.
No vídeo, há uma série de críticas feitas por Bolsonaro e ministros a outras autoridades, inclusive com uso de palavrões. Um das falas mais contundentes foi feita pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que defendeu que "vagabundos" e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam colocados na cadeia. Celso de Mello disse que essa "gravíssima aleivosia" do ministro "configuraria possível delito contra a honra".