Sob Bolsonaro, disciplina e hierarquia são rompidas
A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto
Começo com um pensador ético da modernidade. Diz Spinoza no seu Tratado Político: "A soberba é natural ao homem. A nomeação para o cargo de um ano basta para tornar os indivíduos orgulhosos. Sendo assim, que pensar dos nobres que desejam receber honras perpétuas?" Um pequeno emprego faz a pessoa se tornar arbitrária, acima da lei. Imaginemos o cume do poder! No país do "sabe com quem está falando" e do guarda da esquina (bom Pedro Aleixo…) a prática enunciada pelo filósofo é certeza.
O Estado moderno reúne três monopólios: o da norma jurídica, da taxação, da força pública. Na democracia vários setores dividem aqueles monopólios. Em terra não democrática os referidos monopólios se concentram em um setor em detrimento de outros. No Brasil, a força pública (Exército, Marinha, Aeronáutica) é partilhada com a polícia judiciária, com a civil e a militar (antigas corporações a serviço dos entes federados). O Poder Executivo em nossa pátria tem o controle majoritário daquelas forças.
Sempre houve tensão entre quartéis e com a polícia judiciária, civil ou militar. O uso coordenado das forças exige disciplina e hierarquia dos setores. O domínio mais amplo pertence a Exército, Marinha, Aeronáutica. O mais restrito é o da Polícia Civil e Militar. Sob Bolsonaro, a disciplina e a hierarquia são rompidas. A cada hora um policial civil ou militar imagina ter a plenitude do monopólio da força. E age com arbítrio. O indivíduo usurpa a soberania. Julgando-se superior aos cidadãos, ele se põe como carcereiro, promotor e juiz. É o que ocorreu em Goiás, quando um policial apoiador do presidente decretou contra uma pessoa o crime de calúnia contra o mandatário por usar o termo "genocida" e o prendeu. No Recife, duas pessoas perderam a vista porque a Polícia Militar se julga superior aos dirigentes civis do Estado. A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto. Cabe à cidadania lutar contra o arbítrio em todos os níveis, do guarda da esquina ao presidente da República.
*PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA DA UNICAMP