STF endossa suspensão de emendas e acentua conflito com Congresso
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta sexta-feira, 16, no plenário virtual, a manutenção da decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu as emendas impositivas apresentadas por deputados e senadores. Os magistrados, de forma unânime, chancelaram a determinação de Dino de barrar a execução das emendas até que o Congresso dê transparência aos repasses. O resultado do julgamento na Corte acentuou o clima de conflito entre os Poderes Judiciário e Legislativo.
Horas depois de o STF formar maioria para ratificar a liminar de Dino, foi registrado um despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que enviou para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que limitam o poder da Corte. Uma das PECs, já aprovada no Senado, restringe as decisões monocráticas (individuais) de ministros do Supremo.
Da parte do Executivo, a decisão que mantém a suspensão do pagamento de emendas deixa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com um poder maior para negociar com o Congresso, tentar influenciar na sucessão da Câmara e do Senado e ainda cumprir o arcabouço fiscal neste ano, ameaçado pela arrecadação menor e aumento de gastos.
Ontem, em entrevista à Rádio Gaúcha, Lula voltou a falar sobre tema. "O impasse que está acontecendo agora é possivelmente o fator que vai permitir a gente fazer uma negociação com o Congresso", afirmou o petista. "Hoje, metade do Orçamento está na mão do Congresso Nacional. Não tem nenhum país do mundo que tenha essas condições."
São de execução obrigatória pelo Poder Executivo as emendas individuais e as de bancada - chamadas de "impositivas".
As emendas individuais se tornaram de execução obrigatória em 2015, depois da aprovação de uma PEC no Congresso. Até então, o governo não era obrigado a executar as emendas, e seu pagamento era utilizado como moeda de negociação com os parlamentares. Em junho de 2019, o Congresso voltou a aprovar uma nova proposta, desta vez tornando obrigatória a execução das emendas de bancada. Na prática, os parlamentares se fortaleceram, já que garantiram maior controle do Orçamento e têm uma cota mínima de emendas a ser executada anualmente.
Votos
Todos os outros dez ministros do STF votaram para confirmar a liminar de Dino. Apenas os ministros André Mendonça, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques juntaram justificativas aos votos. Como relator, Dino foi o primeiro a votar e defendeu a manutenção de sua decisão. Também destacou que há reuniões previstas entre representantes do STF, do Congresso e do Executivo em "busca de solução constitucional e de consenso, que reverencie o princípio da harmonia entre os Poderes".
"A busca por conciliação deve prosseguir", escreveu. Ele também registrou que, a depender do resultado dos "diálogos institucionais", a decisão poderá ser reavaliada.
A indicação se refere às reuniões da comissão técnica montada por Dino para o integral cumprimento da decisão do STF que derrubou o orçamento secreto - revelado pelo Estadão - e proibiu qualquer prática similar. A missão do grupo é centralizar os dados sobre as emendas, após o Congresso e o Executivo relatarem "limitações" nas informações que dispõem sobre os repasses.
O ministro já havia determinado à Controladoria-Geral da União (CGU) que promovesse auditorias nos municípios que mais receberam emendas parlamentares, por habitante, nos anos de 2020 a 2023.
Cruzando dados orçamentários e do Censo de 2022, o Estadão chegou à lista de municípios que deverão ser analisados pela CGU. Concentradas em Roraima, no Amapá e no Tocantins, as cidades são base eleitoral do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP); do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro; e dos senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), entre outros.
A Câmara chegou a afirmar que "não tem como colaborar" com os dados dos "patrocinadores" das emendas de comissão.
'Parlamentarização'
A maior parte do voto de Dino reproduz a decisão em que ele suspendeu todas as emendas impositivas até que o Congresso dê transparência ao repasses. O ministro frisou que a instituição do "orçamento impositivo" não significa a exclusão dos critérios constitucionais e legais para a execução da lei orçamentária. Ele chamou de "anomalia" o fato de o Brasil ter um sistema presidencialista convivendo com a "figura de parlamentares que ordenam despesas discricionárias como se autoridades administrativas fossem". A avaliação de Dino é a de que o "equivocado desenho prático" das emendas impositivas gerou a "parlamentarização" das despesas públicas, sem que exista um sistema de responsabilidade política e administrativa implantado no Congresso.
Como os despachos de Dino são analisados em sessão virtual, os ministros podem optar por seguir o relator, sem apresentar suas razões para tanto. Também se manifestaram sobre o caso apenas os ministros André Mendonça e Dias Toffoli. O primeiro destacou a possibilidade de uma resolução consensual do imbróglio. Já Toffoli acenou ao Parlamento e lembrou do voto que proferiu quando o STF derrubou o orçamento secreto.
No julgamento em questão, Toffoli foi um dos cinco ministros que defenderam a manutenção das emendas do relator, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Os ministros votaram em uma sessão extraordinária que se encerraria à meia-noite de hoje. Eles registraram os votos na plataforma online sem debate presencial ou por videoconferência.
Recurso
Em outro revés do Congresso, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, barrou na madrugada ontem uma ofensiva do Legislativo e dos partidos contra a decisão que sustou a execução de todas as emendas impositivas. O Senado e a Câmara queriam que Barroso derrubasse monocraticamente despachos assinados por Dino. Barroso negou o pedido ressaltando que as decisões foram submetidas a referendo no plenário da Corte.
"Em situações absolutamente excepcionais, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a suspensão, pela presidência, de decisões proferidas por outros ministros. No presente caso, contudo, essas circunstâncias não estão presentes", argumentou Barroso. O presidente do STF destacou ainda que o voto apresentado por Dino no julgamento concluído ontem "sinaliza a possibilidade de construir solução consensual para a questão".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.