Tancredo era a saída para conciliação, diz governador do PE em 83
Roberto Magalhães lembra que seria muito difícil enfrentar o ex-governador Miguel Arraes nas urnas, por se tratar de um 'mito'
A primeira eleição para governadores pelo voto direto depois do golpe de 1964 teve suas particularidades em Pernambuco. Diferentemente de outros Estados, o escalado para ser o candidato da oposição para o cargo não foi um ex-exilado que retornou, depois da anistia política, foi Marcos Freire, líder do PMDB no Senado Federal. O candidato do governo foi o então vice-governador Roberto Magalhães, que enfrentaria seu primeiro teste nas urnas. De família tradicional com história na política, Roberto Magalhães reforçou o perfil conservador dos governadores nordestinos do período. Aos 80 anos, o sempre direto Roberto Magalhães recebeu o Terra em seu escritório político, no bairro da Boa Vista, para conversar sobre o período em que foi governador de Pernambuco. Falou, inclusive, da sua sorte em não ter o Miguel Arraes como adversário. “Seria muito difícil se o adversário fosse Arraes, até porque ele se tornou um mito, no bom sentido”. Veja a seguir os principais trechos da entrevista ao Terra, neste especial sobre os 30 anos da posse dos primeiros governadores eleitos diretamente pós 1964:
Terra – O seu maior cargo político foi o de governador de Pernambuco. Como foi que se tornou candidato e governador no momento em que as instituições democráticas estavam sendo restabelecidas?
Roberto Magalhães – Eu era advogado, não tinha ambições política quando, em 1967, fui convidado pelo governador Nilo Coelho para ser secretário de Educação. Eu tenho algumas fórmulas de conduta que a vida me ensinou. Prefiro errar por ação do que por omissão. Diante da oportunidade de ter uma experiência nova, na área de educação – eu era professor –, disse sim. Minha vida tomou um rumo bastante diferente. Cumpri os três anos e meio como secretário de Educação e depois voltei às minhas atividades normais. Passados seis ou sete anos, com a força dessa experiência, fui convidado pelo então deputado federal Marco Maciel, indicado governador, em 1978, para ser seu vice na chapa. Eu disse sim, não mais partindo daquela premissa. A vida pública é uma coisa fabulosa.
É difícil emoção maior do que inaugurar, como inaugurei, uma barragem com 200 mil metros cúbicos de água, em pleno sertão. Saber que com aquela água se está perenizando 100 quilômetros do Rio Brígida, em um dos sertões mais secos do Estado.
Concordei em ser candidato a vice. Não houve campanha, era uma eleição indireta. Eu tive uma experiência interessante, embora o cargo de vice não é um cargo que tenha atribuições permanentes. Marco Maciel fez uma boa equipe, bem escolhida. Ao que eu saiba, não tinha ladrão, não tinha sujeitos mal-educados.
Vários fatos me levaram a ser o candidato do partido – uma candidatura dificílima. O candidato do PMDB em Pernambuco era o senador Marcos Freire. Eu fui ser candidato, mas poderia ter ficado no governo. Marco Maciel sairia para ser candidato ao Senado e eu seria o governador, por dez meses, sem disputar um voto. Eu preferi a candidatura. Até porque no fim de governo, o que eu iria fazer? Nem teria governo. Teria um período ruim de governo, como costuma ser o período da eleição, com muitos pedidos, muitos pleitos, muitas coisas que talvez não me agradassem fazer. Não digo nada desonesto, não! Digo essa coisa que a gente vê no governo ederal todo dia, essa facilidade, essa negociação de ministério por bancada, por partido.
Então eu me tornei candidato preparado para perder. Ganhei a eleição. Comecei com pouca intenção de votos no Recife. Terminei com 32,5%, que, para o PDS, era uma coisa extraordinária na capital. Eu me elegi com a força dos votos do Sertão e do Agreste, os votos do interior.
Terra – O senhor acredita que enfrentar o senador Marcos Freire como candidato foi mais difícil do poderia ser disputar votos com o ex-governador Miguel Arraes?
Magalhães – Não. Seria muito mais difícil enfrentar Miguel Arraes. Em Pernambuco, Arraes se tornou um mito no bom sentido. Ele foi uma força. Três vezes governador e ainda deixou um nome que apoiou o neto dele, que é governador hoje e é um bom governador (o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é neto do ex-governador Miguel Arraes). Olhe: eu sou adversário, mas me dou com ele, gosto dele e gostava de Arraes. Eu fui prefeito do Recife dois anos em que Arraes era governador. Eu tenho saudades. Arraes seria forte, por ter se tornado mito, e teria votos no interior. Coisa que Marcos Freire não tinha.
Terra – Se Arraes fosse candidato teria um efeito semelhante ao que se verificou no Rio, com Leonel Brizola, também recém-chegado do exílio?
Magalhães – As coisas caminhariam por aí. Miguel Arraes foi candidato na eleição seguinte. Ganhou e elegeu seus dois candidatos ao Senado. Eu era candidato ao Senado e perdi. Na minha vida pública, tenho uma coisa curiosa: ganhei uma eleição perdida para o governo do Estado e perdi uma eleição ganha, para o Senado.
Terra – Como foi o início de governo com o sentimento do fim da ditadura, da volta do estado de direito?
Magalhães – Para mim, não teve nenhuma dificuldade. Eu me elegi com votos do interior e tinha tido uma boa performance no Recife. Então, juntados esses dois fatores, nenhuma dificuldade.
Magalhães – Houve um inconformismo muito grande do PMDB, por ter perdido. Foi uma fase inicial difícil, com passeatas na frente do Palácio do Campo das Princesas. Eu tive de endurecer. Em uma passeata, o cinegrafista de uma tevê importante começou a conduzir as pessoas para invadirem o palácio. Eu chamei umas pessoas, que eu não quero nomear por que uma já morreu. Eu disse que a autoridade não será desmoralizada, que ninguém ia invadir o palácio, que é inclusive o meu domicílio – eu fui o último governador de Pernambuco a morar em palácio. Eu disse que nenhum carro de som vai fazer barulho, por aqui defronte. Eu não estava usando a polícia e disse que passaria a usar a polícia armada. O fato foi muito grave, eu sei o que estou dizendo.
Terra – Como foram as articulações políticas nesse período em que o senhor foi governador?
Magalhães – Eu tive uma atuação muito proativa. Porque eu me convenci que não dava mais para se ter um presidente eleito indiretamente por seis anos, ainda mais se fosse Paulo Maluf [então pré-candidato a presidente da República, pelo partido do governo]. O país iria para uma luta, não haveria quem evitasse. Iríamos para uma luta, uma luta entre irmãos. Era a hora de uma saída pela conciliação. Marchei para Tancredo Neves [candidato da oposição a presidente da República.
Terra – Marco Maciel foi um dos líderes dessa articulação que possibilitou a eleição de Tancredo Neves?
Magalhães – Foi, mas quem partiu na frente foram os governadores do Nordeste, que eram todos do PDS. Todos os governadores, menos o da Paraíba, que ficou com Maluf. Os dois primeiros fomos eu e Gonzaga Mota, do Ceará. Eu fui procurado por Tancredo Neves. Eu disse à minha bancada de deputados: “Nós vamos fazer o que mais de errado existe em termos de estratégia política”, vamos apoiar o adversário.
Terra – O período do seu governo foi de crise econômica no país. Como o senhor conseguir administrar as contas do Estado?
Magalhães – Eu não tive problema. Marco Maciel [antecessor no cargo] não me deixou dívidas de empreiteiras. Isso é uma grande coisa. Eu fui da prefeitura e sei o que é você ter dívidas a pagar. É como se seu mandato fosse diminuído. Eu tinha dívidas de empréstimos em moeda estrangeira. O meu secretário da Fazenda era meu sobrinho, Luiz Otávio Cavalcanti. Ele fez o seguinte: naquela época, os estados podiam contrair empréstimos em dólar, com bancos estrangeiros, de acordo com a circular 63 do Banco Central. O que nós fazíamos? Quando se aproximava uma prestação semestral, nós tomávamos novo empréstimo e rolávamos. Não pesava no meu orçamento. Com esses dois fatos: Marco Maciel, que não deixou dívida, e as dívida internacionais que eu rolei, tinha dinheiro para tudo.
Terra – Quais as principais realizações do seu governo?
Magalhães – O sistema de abastecimento de água de Botafogo tem 50 quilômetros de extensão. Olinda não tinha água, os poços estavam quase vazios, com pouca água salobra. Eu fui governador depois de cinco anos de seca. Passei cinco anos vendo a seca. No sertão, fiz uma adutora que levou água a Salgueiro, a 70 quilômetros do Rio São Francisco.
Terra – Qual a grande polêmica política do seu governo?
Magalhães – Foi a campanha pela eleição direta. A campanha Diretas Já foi um período ordeiro de manifestações políticas.
Terra – Como foi sua relação com o presidente da República João Figueiredo?
Magalhães – Foi boa, mas ele não era um homem fácil. Os militares me diziam que o Figueiredo não era o mesmo do passado. Houve uma mudança ainda maior depois que ele foi para os Estados Unidos fazer uma cirurgia para implantação de pontes safena. Ele voltou completamente diferente, caladão e só abria a boca para reclamar de alguma coisa. A modificação foi muito grande.
Terra – Como era sua relação com os setores militares?
Magalhães – A impressão que tenho dos militares é que pelo menos ao nível de coronel para cima, as promoções são feitas com rigor muito grande. Nunca eu vi, desses homens, um gesto que eu pudesse recriminar. Não faziam um pedido sequer. Uma nomeação para a sobrinha, uma remoção para alguém, nunca, nunca. Então eu tinha um excelente relacionamento. Devia haver uma distância muito grande entre isso e os chamados porões. São pessoas muito educadas e algumas cultas. Lembro-me do ministro do presidente José Sarney, do SNI, Ivan de Souza Mendes, era um senhor intelectual.
Terra – Como foi a campanha Diretas Já?
Magalhães – Eu me pronunciei pelas eleições diretas, mas não subi em nenhum palanque. Como o projeto foi derrotado no Congresso Nacional, só bastou o caminho, que abracei, da conciliação. Não tinha outro. Não teve nenhum político melhor do que Tancredo Neves para personalizá-lo. Desgraçadamente estava idoso e doente. Político tem horror a dizer que está doente.
Terra – Que balanço o senhor faz do período da redemocratização?
Magalhães – Eu acho que foi a melhor saída. Acho que o brasileiro se portou com muita maturidade, mas acho que tem havido muito revanchismo.