Troca de acusações sobre Al Jazeera se soma a histórico de rivalidade entre Ana Amélia e Gleisi
As senadoras bateram boca esta semana por causa de um vídeo que a petista gravou para a rede de televisão árabe sobre a prisão do ex-presidente Lula. As duas já discutiram no plenário da Casa em outros episódios; em 2016, Ana Amélia chegou a representar contra Gleisi Hoffmann no Conselho de Ética do Senado.
As senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Ana Amélia (PP-RS) bateram boca e trocaram acusações esta semana por causa de um vídeo que a petista gravou para a rede de televisão árabe Al Jazeera sobre a prisão do ex-presidente Lula. Essa não é, contudo, a primeira vez que elas discutem no plenário do Senado.
Tanto Gleisi quanto Ana Amélia também já trocaram farpas com outros colegas da Casa.
Na quarta-feira, Ana Amélia afirmou que Gleisi poderia ter violado a Lei de Segurança Nacional e disse esperar que o vídeo para a emissora árabe não tivesse "sido um pedido para que o Exército Islâmico venha ao Brasil", em referência ao grupo extremista Estado Islâmico. Gleisi rebateu e classificou as críticas de Ana Amélia como "ignorância, xenofobia e má-fé".
Outros embates mais duros entre as duas senadoras aconteceram em 2016, um deles em agosto e outro em novembro.
Gleisi também já altercou com Renan Calheiros (PMDB-AL), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Romero Jucá (PMDB-RR). Ana Amélia, por sua vez, tem frequentes embates com o também petista Lindbergh Farias (RJ) e com Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), além de Gleisi.
À BBC, Ana Amélia diz que poucos senadores se animam a enfrentar os colegas de plenário, em especial os mais barulhentos e agressivos. E afirma que só parte para o embate a depender do tema e do tom dos outros senadores.
"Estou fazendo o meu papel, não posso ficar em silêncio. Tenho que me comportar de acordo com a expectativa dos meus eleitores", justificou a senadora, dizendo que toma o cuidado para ficar "no limite do institucional" e não levar as discussões "para o lado pessoal".
Por meio de sua assessoria, Gleisi Hoffmann afirma que não comenta opiniões pessoais sobre sua atuação no Senado. "Seus pronunciamentos são públicos, em defesa da democracia, da Constituição e dos direitos do povo brasileiro. Sempre contrários à violência, ao preconceito e à xenofobia", diz a nota.
'Que baixaria'
Em agosto de 2016, Ana Amélia chegou protocolar junto ao Conselho de Ética do Senado representação para que a petista prestasse esclarecimentos por ter dito que o Senado "não tem moral" para julgar a então presidente afastada Dilma Rousseff.
"Estou cumprindo minha missão, não aceito. E acho que quem cala consente, você tem que ter uma reação à altura, e a minha foi essa", disse a senadora gaúcha ao justificar a iniciativa. Segundo a assessoria de Ana Amélia, a representação foi arquivada.
Essa mesma declaração de Gleisi provocou bate-boca da petista com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e tumulto no plenário do Senado durante o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff.
"Como a senadora pode fazer uma declaração dessa (que o Senado não tem moral para julgar a então presidente da República)? Exatamente uma senadora que, há 30 dias, o presidente do Senado Federal conseguiu, no Supremo Tribunal Federal, desfazer seu indiciamento e de seu esposo", questionou Calheiros no plenário.
Imediatamente, é possível ouvir voz de Lindbergh Farias (PT-RJ) dizendo: "Que baixaria, que baixaria". Ao microfone, Renan tenta afastar Lindbergh, que grita: "Não me empurra". Enquanto isso, Gleisi repete: "Não é verdade".
Diante da confusão generalizada, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, que presidia o julgamento do impeachment, anunciou que anteciparia o intervalo do almoço.
Telhado de vidro
Três meses depois desse embate, quando o Senado discutia a PEC dos Gastos - que limitou os gastos do governo federal por 20 anos -, Gleisi defendeu que os senadores também reduzissem as despesas em 10%. Na tribuna, Ana Amélia provocou a colega do PT. A gaúcha não apenas afirmou que gastava apenas 30% da verba indenizatória a que tem direito como levantou os gastos da bancada petista e comparou com as próprias despesas.
Para Ana Amélia, esse foi o embate que mais irritou Gleisi. "Ela ficou profundamente irritada. Depois disso, parou de me cumprimentar", disse à BBC.
Usando informações do portal da transparência do Senado, a senadora do PP disse ter gasto em 2015 R$ 146 mil, e a petista, por sua vez, R$ 369 mil, enquanto a média dos petistas teria sido de R$ 350 mil. "Quem tem telhado de vidro não pode atirar pedra no telhado dos outros", afirmou Ana Amélia.
"Eu não tenho telhado de vidro não dona... senadora Ana Amélia", retrucou Gleisi, que disse ainda não ter problema algum em expor as próprias contas. "Faço economia com as verbas aqui", disse na ocasião, listando os vários projetos para reduzir.
Na réplica, Ana Amélia disparou: "Esses argumentos são defensáveis para quem perdeu o poder aqui e perdeu o poder por não ter feito o ajuste fiscal, por ter agido com irresponsabilidade, perdulariamente com recursos públicos... Eu tenho 22 funcionários e a senadora Gleisi tem 41".
O senador Renan Calheiros, que à época presidia o Senado, interveio. O peemedebista contemporizou dizendo que o Senado sempre foi ponto de equilíbrio da discussão dos gastos públicos.
Mas a PEC dos Gastos também motivou um embate entre Gleisi e o tucano Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), hoje ministro das Relações Exteriores. A discussão começou quando Nunes acusou o PT de não ter feito a reforma tributária, nem aprovado o projeto de taxação dos mais ricos. A senadora, por sua vez, acusou o PSDB de ter aumentado a carga tributária quando esteve no governo.
A troca de acusações continuou com ambos se chamando de mentirosos. Nunes disse que a senadora estava "muito nervosa". A senadora Regina Sousa (PT-PI) entrou na discussão e acusou o tucano de praticar "misoginia", mas ele não parou de falar e disse que "o fato em Curitiba talvez tenha deixado a senhora nervosa".
Gleisi e o marido, Paulo Bernardo, que chegou a ser preso, são réus no âmbito da investigação da Lava Jato.
No ano passado, Gleisi teve uma dura discussão com o senador Romero Jucá na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) sobre a reforma trabalhista.
À BBC, Ana Amélia diz que seus embates Lindbergh Farias e Vanessa Grazziotin são diferentes.
"Na aparência, parece que a gente vai se agarrar. Mas depois a gente deixa claro que está representando nossos eleitores", diz, emendando que chama Lindbergh de "Lindinho".
Em março, contudo, com o dedo em riste, ela disse ao petista e à senadora do PCdoB: "Não me torne bode expiatório dos seus problemas... isso é indigno da inteligência dos dois", enquanto fazia um discurso na tribuna e foi interrompida por Lindbergh e por Vanessa - ambos a acusavam de ter incitado a violência contra a caravana de Lula num discurso de uma convenção do PP, o que ela nega ter feito.
Ana Amélia também teve uma dura discussão este mês com Renan Calheiros, a quem chamou de "coronel".
O senador deu início a um bate-boca no Senado ao criticar a carta enviada por um grupo de congressistas ao STF, que, às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, pediam para que a prisão imediata após condenação em segunda instância fosse mantida. Calheiros os acusou de traírem e rasgarem a Constituição.
Irritados, os senadores tentaram rebater Renan, que tentou interromper a resposta da senadora Ana Amélia. "Renan é o coronel querendo calar as mulheres no Senado", criticou a senadora.
Audiência
À BBC ela diz que, às vezes, é preciso colocar o dedo na ferida. Ana Amélia disse ainda que seu embate com Gleisi lhe rendeu seguidores nas redes sociais e que seu discurso foi visto por mais de 60 mil pessoas. "Gerou ativismo e me deu visibilidade", diz.
Questionada sobre se há o risco de congressistas subirem o tom por audiência, ela disse: "Não subo o tom para isso, no meu caso foi consequência. O que me surpreende é como a sociedade está atenta, online e acompanhando em tempo real".
Ana Amélia, que era jornalista antes de ser senadora, esclareceu que só citou o vídeo gravado por Gleisi no Senado porque a petista "foi desrespeitosa com as instituições e com a imprensa".
"Dizer que o Lula é preso político é forçar a barra", afirmou. Também fez questão de dizer que em nenhum momento atacou a comunidade árabe, por quem afirma ter "relação afetiva e respeitosa".