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Política

TV Brasil: Bolsonaro ocupou mais de 157 horas na programação

Documento obtido pelo Estadão também denuncia censura ao trabalho de jornalistas

8 out 2021 - 03h40
(atualizado às 07h33)
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Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia  no Palácio do Planalto
27/09/2021 REUTERS/Ueslei Marcelino
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto 27/09/2021 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

Um dossiê produzido por funcionários da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) aponta que o presidente Jair Bolsonaro ocupou a grade de programação da TV Brasil por mais de 157 horas e 42 minutos entre agosto de 2020 e julho de 2021. Isso equivale a seis dias e meio ininterruptos de discursos políticos do mandatário transmitidos pela emissora pública a todo o País. Bolsonaro é alvo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Superior Tribunal Federal (STF) sob suspeita de fazer uso político do canal.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado tambem investiga se a TV Brasil foi utilizada por Bolsonaro para disseminar narrativas negacionistas sobre a pandemia, como a propaganda da cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz. Funcionários da emissora também acusam a direção da empresa de censurar informações de interesse público em relação à doença.

Segundo o dossiê dos funcionários, obtido pelo Estadão, foram transmitidos 208 eventos com a participação de Bolsonaro. O presidente interrompeu a programação da TV Brasil, em média, a cada dois dias. Somente neste ano foram 97 transmissões ao vivo, sendo responsáveis por consumir 78 horas e 37 minutos - pouco mais de 3 dias - do tempo destinado a programas jornalísticos, culturais e de entretenimento. Na maioria dos casos, a produção da TV era paralisada para dar lugar a discursos em cerimônias militares - de janeiro a julho deste ano, foram 12 horas e 41 minutos destinado a esse tipo de acontecimento.

No dia 18 de junho, por exemplo, a programação da televisão foi interrompida três vezes por eventos com a presença de Bolsonaro, como a celebração de 110 anos da Assembleia de Deus no Brasil, a cerimônia de entrega de títulos de propriedades rurais, a inauguração de trecho pavimentado da BR-230 e a assinatura da ordem de serviço para construção da ponte do Xingu, que juntos somam 2 horas e 21 minutos de publicidade das ações do governo.

O caso de maior destaque de uso da TV pública foi a live realizada por Bolsonaro no dia 29 de julho, na qual prometia apresentar provas de que é possível fraudar a urna eletrônica. O evento ocupou 2 horas e 7 minutos da programação da TV Brasil, sem que o presidente apresentasse qualquer indício de fraude e transmitisse, sem ser contestado, desinformação que coloca em xeque a confiança da população no sistema eleitoral.

O evento levou à abertura de um inquérito administrativo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O uso da TV pública é uma das frentes da investigação conduzida pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão.

Segundo apurou o Estadão com interlocutores dos ministros, a Corregedoria já ouviu os funcionários da EBC e se debruça sobre as denúncias de censura - também contidas no dossiê - e uso indevido do veículo.

Além do TSE, Bolsonaro é alvo do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), por causa dos ataques, sem provas, às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral. O presidente ainda pode ser atingido por mais uma investigação: a ministra Cármen Lúcia, do STF, aguarda o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) para decidir se levará ao plenário uma notícia-crime que pede a apuração dos fatos ocorridos na live presidencial transmitida pela TV pública.

Em junho, o Ministério Público Eleitoral entrou com representação no TSE cobrando a aplicação de multa a Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada ao expor uma camiseta com a mensagem "É melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022", em cerimônia de entrega de títulos de propriedade rural, em Marabá (PA), transmitida pela TV Brasil.

Para que Bolsonaro pudesse faturar politicamente com os discursos na TV, antes foi necessário que os funcionários do alto escalão da EBC aprovassem em Assembleia Geral Extraordinária a fusão da TV Brasil com a estatal TV Nacional Brasil (NBR), rede oficial do governo. Em 9 de abril de 2019, o diretor-presidente da EBC, Alexandre Henrique Graziani Junior, indicado por Bolsonaro ao cargo, sancionou a união dos dois veículos.

Os custos para manutenção da TV Brasil, de janeiro a setembro deste ano, ultrapassam R$ 128 milhões, de acordo com dados públicos disponibilizados pela EBC. A TV pública, diferentemente da estatal, não está subordinada diretamente aos interesses do governo, portanto, não é obrigada a divulgar as suas ações. O dossiê elaborado pela Comissão de Empregados da EBC, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Ouvidoria Cidadã da EBC - responsável pelo levantamento de interrupções do presidente na TV Brasil - e pelos sindicatos de jornalistas e radialistas de São Paulo, Rio e Distrito Federal, indica o contrário.

Segundo os autores do documento, as chefias da EBC "se mantiveram ferrenhas na missão de desmanchar qualquer articulação que permitisse a análise crítica sobre os conteúdos produzidos". Além das intromissões na grade da TV Brasil, os responsáveis pelo comando da empresa teriam censurado ao menos 161 produções jornalísticas da EBC potencialmente negativas ao governo e modificado outras 89 reportagens para que favorecessem a gestão Bolsonaro.

Carol Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, afirma que a reprodução recorrente de discursos pode levar ao seu enquadramento no TSE por crime de abuso dos meios de comunicação, mesmo que não haja orientação expressa do Planalto de uso da TV pública para fins políticos. Caso a Justiça Eleitoral reconheça a prática e decida pela condenação, Bolsonaro pode ter seu mandato cassado e se tornar inelegível. Cléve destaca ainda possíveis violações aos princípios da administração pública.

"Em caso de abuso dos meios de comunicação, a lógica que se aplica é a mesma das outras modalidades de abuso. É necessário provar apenas que houve abuso para que haja responsabilização daquele ente beneficiado por condutas que desviaram do limite da licitude", afirma. "Na seara do direito administrativo, há também um possível ato de improbidade pela violação do princípio da impessoalidade devido à promoção pessoal."

Bolsonaro prometeu privatizar empresa, mas plano não saiu do papel

O uso intenso da TV pública contraria promessa de campanha de Bolsonaro. Antes mesmo de ser eleito, o presidente afirmou que privatizaria a EBC, passando a empresa responsável pela emissora para a iniciativa privada. A estatal chegou a ser incluída no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), mas a ideia nunca saiu do papel.

Ao assumir o cargo de ministro das Comunicações, no ano passado, Fábio Faria adaptou o discurso e tem repetido, desde então, que antes de vender a EBC, é preciso "enxugá-la". O argumento é que a empresa é deficitária e, por isso, não haveria interessados na compra.

Em abril, porém, o governo pagou R$ 3,2 milhões pelos direitos de exibição da novela Dez Mandamentos, de cunho religioso, que foi produzida pela Record TV, emissora ligada à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O bispo Edir Macedo, líder da Universal, é aliado de Bolsonaro. O gasto foi contestado por opositores ao governo sob o argumento de que deturpa o conceito de comunicação pública.

Em outro investimento contestado, o governo transmitiu a partida de futebol entre Brasil e Peru, em outubro do ano passado, válida pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Na ocasião, após falta de acordo entre a TV Globo, que costuma transmitir o campeonato, e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), integrantes do governo entraram em campo para negociar a exibição. Durante o jogo, o narrador mandou "abraço especial" a Bolsonaro e propagandas favoráveis ao governo foram exibidas no intervalo. Nas redes sociais, a oposição classificou a iniciativa como uso político da TV pública.

A TV Brasil foi criada em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, sob argumento de fomentar a comunicação pública no País. Em países como no Reino Unido e no Japão, por exemplo, canais públicos de TV, como a BBC e a NHK, respectivamente, são referências.

O aparelhamento político da EBC nas gestões petistas, porém, fez com que a iniciativa fosse contestada. Na campanha eleitoral, Bolsonaro costumava dizer que a estatal se tornou um "cabide de emprego". Na sua gestão, a empresa foi comandada pelo general do Exército Luiz Carlos Pereira Gomes, sem experiência na área, antes de o publicitário Glen Lopes Valente assumir o cargo, em setembro. Valente é ex-diretor do SBT, de Silvio Santos, sogro do atual ministro das Comunicações.

Procurados pela reportagem, a Empresa Brasil de Comunicação e a Secretaria de Comunicação da Presidência não responderam aos questionamentos sobre censura a jornalistas e ocupação da grade de programação da TV Brasil.

Estadão
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