Verba de ministro de Lula banca obras com suspeita de irregularidades
Juscelino Filho, Comunicações, nega responsabilidade e prefeitura de Vitorino Freire, comandada pela irmã do ministro, não comenta
BRASÍLIA - Uma emenda ao orçamento elaborada pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, bancou obras com suspeita de irregularidades em Vitorino Freire (MA), município administrado pela irmã do ministro, a prefeita Luanna Rezende.
Auditoria da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) realizada em março, ao qual o Estadão teve acesso, constatou asfalto mal feito, ruas esburacadas, rachaduras e falta de sinalização nas ruas que deveriam ser pavimentadas.
O ministro nega qualquer responsabilidade sobre a execução das obras na cidade. A prefeitura não se pronunciou.
As obras foram feitas pela prefeitura com a mesma emenda que o ministro direcionou para asfaltar a estrada que passa em frente à fazenda dele. O caso foi revelado pelo Estadão em janeiro. A mesma auditoria que encontrou obras mau feitas nas ruas da cidade não identificou problemas na construção da estrada que leva até as fazendas da família do ministro.
A emenda de Juscelino, oriunda do orçamento secreto, é de R$ 7 milhões: R$ 5 milhões para asfaltar a estrada que passa em frente a oito fazendas do ministro e da família dele e o restante para pavimentar outras ruas da cidade. No ano passado, o governo federal pagou R$ 1,5 milhão para bancar a primeira etapa do projeto - o restante depende do andamento dos trabalhos.
Auditoria da Codevasf encontra serviço mal feito em Vitorino Freire
Em março, a Codevasf verificou que havia erros no projeto executivo, documento que diz o que será feito nas obras. Detectou ainda a falta de licenciamento ambiental e qualidade duvidosa do asfalto colocado nas ruas. As ruas pavimentadas foram alteradas durante a execução sem aprovação prévia da Codevasf.
Não havia relatórios para comprovar a quantidade de material empregado na mistura que produz o asfalto.
O que se vê nas fotos da fiscalização são ruas esburacadas e pavimentação faltando em vários trechos. Só o asfalto foi orçado em R$ 5,2 milhões, incluindo todas as ruas beneficiadas.
Nas ruas dos povoados Pau Vermelho e Serra do Jerônimo, que ficam na área rural de Vitorino Freire, as sarjetas - área entre a rua e o meio-fio - deveriam ter 10 centímetros de altura e 30 centímetros de largura de concreto, mas não passavam de três centímetros de altura.
A auditoria também verificou que não havia placa de identificação da obra, apesar de a estrutura ter custado R$ 9,3 mil para os cofres públicos e a prefeitura ter declarado que o objeto estava no lugar. A placa só foi colocada depois de março, com a logomarca do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Houve mudança de trechos pavimentados sem nenhuma justificativa, como a substituição de uma rua da comunidade Centro do Antônio Branco por outra no povoado Centro do José Rodrigues.
Auditoria não encontra nenhum problema na estrada do ministro
Em julho, outra auditoria foi feita. Alguns problemas foram resolvidos, como a construção das sarjetas nos tamanhos adequados na maioria dos trechos e a colocação da placa, mas ainda havia uma rua do Povoado Pau Vermelho com a estrutura fora dos padrões do projeto. Além disso, as vias não estavam sinalizadas e as obras estavam atrasadas.
Já na estrada que leva para a fazenda do ministro, diferente das outras ruas, a auditoria não encontrou nenhuma irregularidade. Até julho, a empresa executou dois quilômetros de terraplenagem, de um total de 19 quilômetros.
As alterações no projeto original sem aprovação da Codevasf persistiram. A companhia constatou que apenas 24,87% do que foi contratado foi feito. Com as obras paralisadas, o custo para a administração pública de retomar os serviços no futuro aumenta. Além disso, a população não recebe o que foi prometido com o projeto.
A Codevasf é responsável por fiscalizar a obra, pois foi o órgão usado por Juscelino para mandar o dinheiro para a prefeitura, que contratou a empresa para as obras. O órgão assinou um convênio com a prefeitura de Vitorino Freire para executar o projeto em 2020.
A Codevasf informou à reportagem que suspendeu o repasse de recursos para o município em setembro, após a operação da Polícia Federal, e determinou a realização de uma auditoria especial no projeto. A fiscalização, porém, ainda não foi autorizada pelo Conselho de Administração da estatal.
A empresa afirmou que não pode ser responsabilizada por ilegalidades nas obras executadas por prefeituras com as quais assina parcerias. "A Codevasf mantém postura de irrestrita colaboração com o trabalho das autoridades policiais e da Justiça", disse a companhia.
Como Juscelino Filho usou o orçamento secreto no Maranhão
Juscelino Filho era deputado federal e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro quando indicou a emenda secreta para Vitorino Freire, em 2020. Três anos depois, ele virou ministro das Comunicações do governo Lula e comanda uma pasta com orçamento de R$ 2 bilhões.
A Codevasf do Maranhão é controlada pelo grupo político do ministro e deu aval para a obra da estrada. Lula atendeu o União Brasil, partido do ministro, e manteve o engenheiro Marcelo Moreira, indicado da legenda, na presidência do órgão.
O ministro enviou uma nota dizendo que não é responsável pela execução das obras, ainda que os projetos tenham sido fruto de emendas indicadas por ele no Orçamento da União. "É leviano responsabilizá-lo pela atuação de terceiros, bem como por contratos e convênios celebrados com órgãos da administração pública", diz a nota do ministério. A prefeitura não se pronunciou.
Suspeitas envolvem irmã do ministro e amigo empresário
O dinheiro indicado por Juscelino foi direcionado para a prefeitura de Vitorino Freire, governada pela irmã do ministro, Luanna Rezende.
A empresa Construservice, que ganhou a licitação para executar a obra, está em nome de laranjas e também é investigada por desvio de recursos públicos, segundo a Polícia Federal.
O empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido como Eduardo Imperador, é apontado como verdadeiro dono da Construservice. Ele é amigo do ministro e foi preso no ano passado suspeito de pagar propina para servidores públicos. O ex-gerente da Codevasf Julimar Alves da Silva Filho, que deu parecer favorável à pavimentação da estrada do ministro, é acusado de receber dinheiro desviado da empresa.