Volta às ruas para novas manifestações divide oposição
Possível terceira onda de covid-19 pode frear novos atos contra governo após os de 29 de maio, avaliam organizadores
Uma eventual convocação de novas manifestações contra o governo Bolsonaro divide organizadores dos protestos de 29 de maio. A maior parte dos movimentos que organizaram as passeatas vai se reunir ao longo da semana para decidir se novos atos serão, ou não, convocados. O temor, como da primeira vez, é com o avanço dos casos da covid-19 no País.
As manifestações seguiram agendas próprias e reuniram dezenas de milhares de pessoas em mais de 200 cidades - em muitos locais, gerando aglomerações. A avaliação entre os organizadores é de que as manifestações surpreenderam ao levar mais pessoas do que o esperado às ruas. Atitudes e reações do presidente Jair Bolsonaro são apontadas como razões que podem impulsionar novos protestos, incluindo a possibilidade de realização da Copa América no Brasil.
Um dos organizadores do atos do último sábado, Raimundo Bomfim, da Frente Brasil Popular, disse que, apesar da repercussão da mobilização nacional, é preciso ter calma ao se falar em novas manifestações por causa da terceira onda da pandemia. "Não é uma competição de rua. Não há de nossa parte esse campeonato de quem leva mais (pessoas) para a rua a cada fim de semana". Segundo Bonfim, os coordenadores da frente devem anunciar uma decisão até, no máximo, o início da próxima semana. Protestos simbólicos ou em outros formatos não estão descartados.
Mas na pauta de uma assembleia virtual convocada para hoje está a discussão de uma possível nova data para atos nas ruas. O evento é divulgado pelo partido Unidade Popular (UP). Porém, a ideia não ganhou adesão de outras frentes. Entre os demais partidos de esquerda que levaram sua militância às ruas, há cautela.
"O PT apoiará a decisão coletiva. As pessoas que foram às ruas, cientes dos riscos, não estavam erradas em protestar. Errado está Bolsonaro e seu governo criminoso", disse a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann. "Não descartamos a realização de novos protestos", afirmou Paula Coradi, Secretária Nacional de Movimentos Sociais do PSOL. "Já está mais que provado que o Bolsonaro debocha da vida dos brasileiros, a mais recente prova disso é a realização da Copa América no Brasil, rejeitada pela Argentina justamente por conta da pandemia."
Provocações
O governo tenta minimizar os atos contra Bolsonaro. "Sabe por que teve pouca gente nessa manifestação de esquerda neste fim de semana? Porque estão apreendendo muita maconha pelo Brasil. Faltou erva para o movimento", disse o presidente a apoiadores na segunda. Os filhos do presidente, o senador Flávio (Patriota), o deputado federal Eduardo (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos (Republicanos), passaram o fim de semana ironizando as manifestações nas redes sociais. Integrantes de "tropa de choque" bolsonarista na Câmara, deputados como Vitor Hugo, Carla Zambelli e Bia Kicis foram na mesma linha.
Além das provocações, a estratégia de desacreditar as manifestações passa por apontar contradições no discurso de oposicionistas e de questionar o número de pessoas que participaram dos atos. "Nunca fomos hipócritas de dizer que defendemos isolamento, lockdown", disse Zambelli.
O Estadão mostrou que bolsonaristas disseminarem fake news para emplacar nas redes sociais e em aplicativos de mensagens a ideia de que imagens da manifestação na Avenida Paulista seriam na verdade de atos de 2016, de quando a militância pró-Dilma Rousseff (PT) foi às ruas contra o impeachment. Porém, é possível ver nas imagens das publicações faixas contra Bolsonaro e o boneco inflável gigante em que o presidente é representado como a morte segurando uma caixa de cloroquina.
"A tendência é que o governo continue na defensiva que o caracteriza. Bolsonaro sempre se defendeu atacando. Ao ser contrariado, grita", disse o cientista político Humberto Dantas. "Se essa quantidade de pessoas foi às ruas mesmo com as restrições impostas pela pandemia, imagine em situações normais. Essa conta o presidente e seu entorno fizeram."
Impeachment
Apesar de opositores apostarem no fortalecimento da pauta pró-impeachment no Congresso após os atos, Dantas diz que é improvável que o tema avance na Câmara. Um dos motivos é a relação construída pelo governo com o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas/AL), a quem cabe decidir sobre o andamento de uma eventual abertura de processo. Ele cita ainda o apoio sólido de cerca de 28% da população, que têm avaliado o governo como bom ou ótimo em pesquisas recentes apesar da gestão da pandemia, e o "trauma" político deixado pelo impeachment de Dilma. "Partidos que se opuseram a Dilma também foram levados para o buraco. Foi traumático", diz o cientista político.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas/PR), avalia que a campanha para 2022 foi antecipada e o País deve viver em clima eleitoral de agora até o final do próximo ano. Ele defende que o governo siga com a mesma postura de mobilização dos bolsonaristas que tem marcado o último mês. "O governo não tem de reagir, a esquerda está reagindo à mobilização bem-sucedida do governo. O governo continua com seu jogo, o presidente tem sua agenda e está cumprindo", diz. Ele avalia, ainda, que muitos oposicionistas que foram às ruas não devem votar em apenas um candidato de oposição. "Vamos assistir, daqui e até a eleição, essas mobilizações e esses discursos que se dirigem, cada um, à sua base. Ninguém fala com a sociedade como um todo."
Na semana passada, Lira disse em entrevista à Rádio Bandeirantes que há condições dadas para o impeachment de Bolsonaro. "O impeachment se faz por diversas circunstâncias: quando você perde a capacidade política, quando você perde a capacidade de gestão econômica, quando você cria no Brasil uma condição de desemprego absurda, quando você cria no Brasil uma condição de inflação incontrolável, quando a economia vai mal, quando o povo está na rua. Não enxergamos essa situação no Brasil", afirmou. Até agora, 118 pedidos de impeachment contra Bolsonaro já foram protocolados na Câmara.