Pontos de vista: impacto ao Brasil da nova relação EUA-Cuba
Bandeiras dos EUA e de Cuba são exibidas em sacada em Havana: reaproximação entre os países não deve afetar relação comercial com Brasil, segundo analistas
Ao retomar as relações com Cuba e defender uma aproximação com a ilha caribenha, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, adotou postura semelhante à trilhada pelo governo brasileiro nas últimas décadas.
Nos últimos anos, num sinal da vitalidade das relações bilaterais, o Brasil financiou a reforma do maior porto cubano e fechou um acordo com Havana para o envio de milhares de médicos cubanos ao país.
A BBC Brasil entrevistou dois pesquisadores estrangeiros sobre o que a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba significa para o Brasil – e o que ela diz sobre a diplomacia brasileira para a ilha caribenha.
O jornalista britânico Michael Reid, autor de Brazil: The Troubled Rise of a Global Power, diz que o Brasil não desempenhou papel relevante na reaproximação. No entanto, Reid, editor da revista Economist para a América Latina, elogia o engajamento de Brasília com Havana, tido como ele um exemplo positivo em comparação com a política de embargo adotada por Washington.
Para Carl Meacham, diretor do Programa das Américas do Centro para Estudos Estratégicos e de Segurança, um dos mais respeitados centros de pesquisa dos EUA, a retomada das relações com Cuba pode favorecer a relação do governo americano com países latino-americanos governados pela esquerda, inclusive com o Brasil.
Leia abaixo os principais trechos das entrevistas.
BBC Brasil - O Brasil historicamente defendeu mais diálogo entre Cuba e EUA e nos últimos anos foi incisivo na defesa da reintegração de Cuba à comunidade latino-americana. O anúncio feito pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro pode ser considerado uma vitória diplomática brasileira?
Michael Reid - O Brasil não foi o único país latino-americano que se opôs ao embargo econômico contra Cuba e que defendeu a normalização das relações diplomáticas entre cubanos e americanos. Esta oposição foi um fator levado em conta pelo presidente Barack Obama. Mas ele também percebeu a falha evidente do embargo e o crescimento entre o público americano de opositores (às sanções contra Cuba). Acima de tudo, porém, Obama estava pensando em seu próprio papel histórico, e fez o que achava melhor.
Carl Meacham – Acho que havia um consenso na região inteira (Américas) sobre a necessidade de que os Estados Unidos avançassem na relação com Cuba. A leitura do governo americano também se relacionava com a situação econômica na Venezuela. A Venezuela financia Cuba há muito tempo e sua economia está implodindo. E se a economia venezuelana implode, Cuba vai enfrentar uma situação muito negativa. A ação de Obama força os países da região a ver os Estados Unidos de forma diferente. Não é mais um país enraizado em pensamentos da Guerra Fria.
Porto de Mariel é um dos símbolos do investimento brasileiro em Cuba
BBC Brasil - Analistas no Brasil disseram que o anúncio de Obama cria oportunidades para um reaquecimento das relações Brasília-Washington.
Michael Reid - Certamente tira do caminho um obstáculo. Mas as mais importantes tensões entre Brasília e Washington são bilaterais: o escândalo de espionagem da NSA (agência nacional de segurança americana), 12 anos de intervenções militares unilaterais, o protecionismo do Brasil e a decisão do atual governo brasileiro de priorizar as relações com os países do grupo Brics, o que semeou falta de confiança em relação a valores, lealdades e intenções.
Carl Meacham – O anúncio melhora o ambiente com a esquerda, pois esse sempre foi um tema caro à esquerda no Brasil e na região. Mas outras questões estão por resolver, como a da NSA e algumas disputas comerciais. Se os brasileiros sentem que o anúncio pode ajudar com essas questões, será positivo. Mas é importante ser realista: os problemas entre o Brasil e os Estados Unidos são independentes das ações dos EUA para reformar a política com Cuba.
BBC Brasil - Quais as lições que o atual governo pode tirar de seu posicionamento diplomático?
Michael Reid - A administração do PT teve como política para Cuba o apoio às modestas reformas econômicas ao mesmo tempo em que ficou em silêncio em questões como democracia e direitos humanos. É cedo para julgarmos se esta política vai ajudar a trazer mudanças para Cuba, mas é potencialmente mais promissor que o embargo americano, um freio para mudanças.
Carl Meacham - A maior lição aqui é que aproximar-se é melhor que isolar. Eu diria que o Brasil poderia aprender com a ação americana e aplicar essa postura em suas tratativas com os Estados Unidos para um acordo sobre impostos, ou em outras questões da relação bilateral. É muito importante avançar, sair de uma relação que é mais retórica e entrar numa que inclua substância real.
BBC Brasil - O que dizer sobre as críticas à diplomacia brasileira no que diz respeito ao suporte dado a regimes controversos como o cubano, o venezuelano e mesmo o iraniano?
Michael Reid – A política do Brasil com o Irã, que foi descontinuada por Dilma Rousseff, gerou desconfiança. Não por causa da ideia de negociar, mas pela maneira como elas foram conduzidas. O apoio à entrada da Venezuela no Mercosul foi feito somente para beneficiar as empreiteiras brasileiras. Reduziu ainda mais a credibilidade do Mercosul, um bloco que ninguém fora da América do Sul ainda leva a sério.
Carl Meacham - O Brasil tem interesse em se tornar um participante mais ativo das questões globais, mas, como muitos outros países, tem que trabalhar com os pilares desse sistema para alcançar seus objetivos. Em questões referentes a problemas regionais e à paz global, deve trabalhar junto dos países que são mais influentes no sistema global. É importante que se veja o Brasil como um país com o qual se pode trabalhar em várias questões. Isso inspiraria mais confiança em países que poderiam apoiar o interesse do Brasil em estar no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo.
BBC Brasil - O comércio do Brasil com Cuba aumentou de forma significativa entre 2003 e 2013. Isso pode ser ameaçado por um potencial fim do embargo americano?
Michael Reid - O Brasil se posicionou como um importante parceiro comercial de Cuba ao longo da última década. As mudanças anunciadas por Obama significam que os Estados Unidos potencialmente serão um parceiro comercial cada vez maior em termos comerciais, de turismo e do envio de dinheiro de expatriados para a ilha. Se isso gerar um crescimento econômico mais rápido para Cuba o Brasil não vai perder coisa alguma.
Carl Meacham - Não sei se ameaça, mas a ação de Obama busca encorajar o mercado livre e a competição em Cuba. E os Estados Unidos têm vantagens que outros países não têm. Um deles é a proximidade e outra é que temos uma conexão cultural em virtude dos tantos americanos de origem cubana que moram na Flórida e em outras partes dos Estados Unidos. As condições que temos para competir economicamente são afetadas por essas realidades. Mas isso não é necessariamente ruim para o Brasil. Pode haver um cenário em que todos saiam ganhando: Brasil, Estados Unidos e Cuba.