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Por dentro da UTI no principal front contra a covid-19 em São Paulo

25 mai 2020 - 13h04
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No epicentro do novo coronavírus no Brasil, profissionais de saúde no distrito que concentra mais mortes relatam esgotamento. "A sensação é de nadar no seco, não vemos uma luz no fim do túnel", diz médica.A médica intensivista Bruna Lordão lamenta ter tido que dar a notícia da morte de uma paciente de 39 anos, vítima da covid-19, a seu filho, de 16 anos. "Você vê nos olhos da pessoa que você está tirando o chão dela. Naquele dia, eu sentei e chorei, chorei muito. Aí, levanta e segue o trabalho."

O fisioterapeuta José Wilke Santana trabalha em quatro hospitais públicos, com turnos de 12 horas
O fisioterapeuta José Wilke Santana trabalha em quatro hospitais públicos, com turnos de 12 horas
Foto: DW / Deutsche Welle

Lordão é uma das plantonistas da UTI do Hospital Geral de Vila Penteado, que desde o começo da quarentena recebe apenas pacientes com covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. A unidade é referência na região de Brasilândia, distrito na zona norte de São Paulo que concentra o maior número de mortes causadas pelo novo coronavírus na cidade. Até 20 de maio, foram 185 óbitos.

A cidade de São Paulo é o epicentro da pandemia no Brasil, e teme-se que em breve seu sistema de saúde entre em colapso, como já ocorreu em outras capitais, entre elas Manaus, onde a morte de pacientes em casa se tornou parte do cotidiano.

"De três semanas para cá passamos de dez para 45 leitos de UTI para pacientes da covid-19", diz o diretor médico do Hospital Geral de Vila Penteado, Carlos Alberto Soares. "Desde então, chegamos a ocupar todos os leitos muitas vezes, batendo na trave da superlotação, acredito que nos próximos dez a 20 dias haverá um colapso."

A opinião dele coincide com a do governo do estado de São Paulo, que vê possibilidade de colapso em até três semanas. "Estamos perdendo essa batalha, o vírus está vencendo a guerra", afirmou na última semana o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 de São Paulo, Dimas Covas.

Segundo ele, a guerra só poderá ser vencida se a quarentena for respeitada por pelo menos 70% da população. No último sábado (23/05), a taxa de isolamento ficou em 53% na capital paulista, que até este domingo registrou 49.306 casos confirmados e 166.603 suspeitas de covid-19. As mortes confirmadas somam 3.351, além de outros 3.671 óbitos suspeitos de terem relação com o coronavírus.

Cada uma das mortes de pacientes internados precisa ser comunicada aos familiares pelos médicos responsáveis pelos casos. Para Lordão, não há como se acostumar com a situação.

"Faz parte do nosso trabalho, mas jamais se torna algo corriqueiro. A pessoa é entregue aqui na nossa responsabilidade, e pode ser a última vez que o parente a vê, porque depois é em um saco, direto para o enterro. Até aquele ritual de luto promovido pelo velório esse vírus tirou", lamenta a médica, que descreve o coronavírus como imprevisível.

"Aquele garoto de 16 anos comentou: 'Doutora, ontem você me ligou falando que ela estava melhorando, e agora isso?' E ela realmente estava, mas essa é uma das características mais terríveis do novo coronavírus: o paciente melhora lentamente, e, de repente, afunda", diz.

Desrespeito à quarentena e cloroquina

A falta de observação da quarentena vem se agravando desde o final de abril, um mês após seu início. O pior dia foi registrado em meados de maio, quando cerca de 40% da população de São Paulo permaneceu em casa. Os números levaram os governos municipal e estadual a decretarem um 'superferiado' entre 20 e 25 de maio, como uma última cartada para tentar aumentar a taxa de isolamento social e evitar o lockdown. Profissionais de saúde que trabalham em UTIs criticam o comportamento das pessoas.

"Amigos e parentes me perguntam se a epidemia é tudo isso, e é tudo isso, sim. Estamos vendo muita gente morrendo aqui por causa de pessoas teimosas que querem fazer festa, ficar curtindo na rua", reclama a enfermeira Zípora Henriques, de 42 anos.

"O pessoal vai nas varandas bater palmas, mas sinceramente palmas não vão fazer diferença", diz Lordão. "Eu queria mesmo era respeito, e isso é entender que há muitos botando a vida em risco para cuidar de gente que não precisava sair à rua, mas está por aí, caminhando, fazendo nada, quando deveria estar em casa", comenta a médica.

Na última quarta-feira, sob pressão do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde publicou um novo protocolo para o uso da cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Antes liberados apenas para pacientes com quadros graves da doença, os medicamentos passam a ser recomendados também para casos leves - uma medida sem respaldo científico e criticada pela comunidade médica.

"Aqui mesmo no hospital computamos o uso da cloroquina, e hoje abandonamos. Há riscos demais com os efeitos colaterais e nenhum benefício comprovado", comenta o diretor Soares.

Esgotamento

O diretor médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Francis Fujii aponta que todos os profissionais na linha de frente do combate à covid-19 estão sob pressão, com medo de se contagiar e levar o vírus a familiares, enquanto perdem colegas para a doença.

Beatriz Mirian, técnica de enfermagem de 55 anos, cuida da diálise dos pacientes cujos rins foram afetados pelo coronavírus. A peruana, radicada no Brasil há 30 anos, diz nunca ter vivido algo como esta pandemia.

"Perdi colegas que trabalhavam comigo. Um dia estava conversando com ele, no dia seguinte foi intubado, e pouco depois ele se foi. Dá muito medo, trabalhamos sob adrenalina", conta.

Pensando nos efeitos sobre a saúde mental dos profissionais da linha de frente, o hospital da Vila Penteado criou um atendimento em saúde mental para seus funcionários durante a pandemia. Feito online, ele é gratuito e realizado por psicólogos e psiquiatras voluntários.

Para muitos, no entanto, falta tempo para esse cuidado. O fisioterapeuta José Wilke Santana trabalha em quatro hospitais da rede pública paulista, com turnos de 12 horas. A fisioterapia de UTI é uma das funções mais sobrecarregadas durante a pandemia, uma vez que são esses profissionais os responsáveis pela configuração dos respiradores, essenciais para manter os pacientes vivos enquanto o organismo tenta combater o vírus.

"Todos os hospitais estão lotados. Já houve caso em que cheguei e em dez minutos já havia socorrido e, infelizmente, perdido dois pacientes. Já houve plantão em que foram 20 pacientes, não tem como descansar", comenta.

Drama familiar

Separados por uma cama, mãe e filho permanecem sedados e intubados. A mãe, de 79 anos, já teve o teste confirmado para covid-19 e deu entrada na UTI do hospital da Vila Penteado em 10 de maio. O filho, de 62, chegou seis dias depois e ainda está sob suspeita da doença.

O respirador ao lado deles e de outras 17 pessoas em duas alas emite um ruído semelhante à respiração do Darth Vader, vilão da saga Star Wars. Esse inspirar e expirar mecânico mantém a oxigenação do sangue em níveis razoáveis, mas deve haver sequelas caso os pacientes se recuperem.

"É um ciclo vicioso. Quanto mais tempo internado o paciente, mais complicações e sequelas ele terá", explica Lordão. "Tentamos de tudo, até deixar o paciente por 16 horas deitado de barriga para baixo, mas não resolve. A sensação é de nadar no seco, não vemos uma luz no fim do túnel."

Natural de Rondônia, a médica que trabalhou em Pitangueiras do Oeste - "onde você precisa rodar 150 km para chegar a uma UTI e 600 km para conseguir uma tomografia" - diz que, se o epicentro da covid-19 no Brasil não fosse São Paulo, a situação seria ainda pior. "A doença expôs aqueles lugares onde o sistema sempre operou no limite, mas o SUS, que sempre foi criticado, está segurando a situação."

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