Por que a 'agenda de costumes' de Bolsonaro deve continuar parada no Congresso em 2020
Propostas como Escola Sem Partido não avançarão, diz presidente da Câmara; saiba quais são os projetos prioritários para o Congresso em 2020.
Quando falam sobre as prioridades do governo, alguns aliados do presidente Jair Bolsonaro costumam mencionar assuntos da chamada "pauta de costumes": medidas como o Estatuto da Família, que restringe a definição de núcleo familiar à união de homem e mulher; a Escola Sem Partido, que busca impedir professores de expressar opiniões "ideológicas"; a luta contra a "ideologia de gênero"; ou a redução da maioridade penal.
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o deputado Marco Feliciano (sem partido-SP), um dos principais líderes da bancada evangélica no Congresso, e também um dos defensores mais fiéis de Bolsonaro no Congresso, deu a entender que o governo poderia se empenhar em um avanço com essas pautas: "Ele crê (Bolsonaro), de fato, como eu creio, que a missão dele é uma missão divina, é uma missão para recuperar o nosso país, para recuperar o moral, pra recuperar os bons costumes, para recuperar a família".
Mas nenhuma destas questões será prioridade do Congresso em 2020, segundo os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Os dois receberam jornalistas que cobrem o Congresso Nacional para cafés da manhã em suas residências oficiais na quinta (19) e sexta-feira (20) respectivamente e deixaram claro que não estão dispostos a tocar em temas da "pauta de costumes".
Alcolumbre e Rodrigo Maia permanecerão no comando do Senado e da Câmara pelo menos até fevereiro de 2021. Os dois são responsáveis por montar a pauta das respectivas casas do Legislativo: são eles que determinam quais projetos serão votados e quando.
Aos jornalistas, os dois disseram que a agenda prioritária no Congresso é a econômica.
"A pauta do Brasil é econômica. Se a gente ver o que está conseguindo segurar o país, a confiança das pessoas, o aquecimento da economia, (se deve à) pauta econômica", disse Davi Alcolumbre a jornalistas, na manhã de sexta (20).
"Há previsão de debates, apenas (para a pauta de costumes). Os debates todos estão sendo feitos dentro da Câmara. Agora, votar Escola sem Partido, no próximo ano, não há qualquer previsão", disse Rodrigo Maia durante o café em sua residência oficial, na manhã de quinta-feira (19). Outro projeto ligado à pauta conservadora, que permite às crianças estudarem em casa (homeschooling), também não deve ser votado em 2020, disse Maia.
Segundo o presidente da Câmara, as prioridades do Congresso, já para fevereiro de 2020, são aprovar a autonomia do Banco Central; o novo marco legal das parcerias público-privadas (PPPs), e a lei que moderniza as regras para a recuperação judicial e as falências de empresas.
Embora a autonomia do Banco Central esteja em discussão no Congresso há anos, Maia disse acreditar que ela "agora, passa fácil".
"Só não foi aprovada ainda porque eu não pautei. Porque não deu tempo", disse Maia.
A Câmara também pode votar, ainda antes do Carnaval de 2020, o projeto que altera as regras para o licenciamento ambiental. O texto é relatado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
Ao longo do primeiro semestre, a agenda do Congresso é mais ambiciosa: tanto Maia quanto Alcolumbre querem aprovar projetos de reforma tributária e administrativa.
O presidente da Câmara também disse que quer ver aprovado primeiro projeto da chamada "agenda social" da Câmara — especialmente as mudanças no Bolsa Família. O projeto foi apresentado em meados de novembro e foi criado por Rodrigo Maia em parceria com a deputada Tábata Amaral (PDT-SP).
Abaixo, a BBC News Brasil detalha o que são e em que ponto estão alguns dos projetos prioritários para o Congresso em 2020.
Reforma tributária
Há hoje duas propostas principais em debate: aquela formulada pelo economista Bernard Appy e apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), em discussão na Câmara; e outro texto em tramitação no Senado. Ambas consistem em propostas de emenda à Constituição (PECs).
Nesta semana, o Congresso instalou uma comissão mista, com deputados e senadores, para tentar chegar a uma proposta de consenso entre as duas PECs.
As mudanças teriam por objetivo simplificar a cobrança de impostos no país e não significariam o aumento e nem a redução da carga tributária — que continuaria igual, segundo o presidente do Senado. Hoje, a carga tributária do país está entre 33% e 35% do PIB, a depender do cálculo adotado.
O governo também tem propostas a serem apresentadas sobre a reforma tributária. Segundo o ministro Paulo Guedes, o governo não encaminhará uma terceira PEC sobre o tema, mas fará sugestões à comissão de deputados e senadores criada para estudar o assunto.
Mudanças no Bolsa Família
Trata-se de um conjunto de propostas cuja elaboração foi encabeçada pela deputada Tábata Amaral (PDT-SP) e outros congressistas ligados a ela, como Felipe Rigoni (PSB-ES) e João Campos (PSB-PE). O pacote foi batizado de 'Agenda Social' da Câmara, e lançado em novembro.
O próprio Rodrigo Maia incentivou Tábata a trabalhar na proposta, e participou da elaboração das propostas.
O pacote tem cinco pontos principais, que vão desde iniciativas para o fornecimento de água no semiárido até mudanças para facilitar o acesso aos recursos do FGTS por parte dos trabalhadores.
Até agora, no entanto, o único ponto que avançou são as mudanças no Bolsa-Família — a proposta é aumentar a abrangência do benefício e incluí-lo no texto da Constituição, para que fique menos exposto a pressões políticas.
O projeto também cria um benefício para a primeira infância, um pagamento adicional de R$ 100 para crianças até os seis anos de idade, gestantes e mães que acabaram de ter bebê. O custo das mudanças previstas na proposta é de R$ 9,8 bilhões por ano.
O governo também pretende atuar neste assunto: em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo nesta semana, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o Palácio do Planalto enviará ao Congresso um projeto de "um novo Bolsa Família" até maio.
Reforma administrativa e 'PEC da Regra de Ouro'
As duas propostas tratam de temas diferentes, mas têm objetivo parecido: permitir que a União, Estados e municípios gastem menos com custeio (principalmente com salários de servidores públicos). Hoje, quase tudo que o governo federal arrecada está comprometido com gastos obrigatórios deste tipo.
A reforma administrativa deveria ter sido apresentada pelo governo ainda este ano, mas, no fim de novembro, o ministro Paulo Guedes admitiu que só enviaria o texto ao Congresso no começo de 2020.
Poucos detalhes do texto são conhecidos, mas durante o café da manhã com jornalistas, Rodrigo Maia disse que a proposta precisará alterar a progressão de servidores na carreira, por exemplo. Os critérios para a estabilidade dos servidores — isto é, a impossibilidade de serem demitidos — também deverá mudar, disse Maia. A princípio, as novas regras valeriam apenas para os novos servidores.
Já a segunda proposta se refere à chamada "Regra de Ouro", uma norma constitucional segundo a qual o governo não pode se endividar para pagar despesas correntes — como salários, aposentadorias, e despesas cotidianas da administração.
O texto proíbe o Congresso de abrir créditos extraordinários de forma a permitir a quebra da regra, como acontece hoje. Ao invés disso, o Executivo passa a ter vários mecanismos à disposição para não descumprir a regra: proibição de reajustes de; redução da jornada (e dos salários) dos servidores públicos; aumento das alíquotas da contribuição previdenciária e diminuição de gastos com cargos comissionados, entre outras.
A PEC da "Regra de Ouro" foi aprovado pela CCJ no fim de outubro.
Autonomia do Banco Central
Hoje, o presidente e os diretores do Banco Central do Brasil (Bacen) são indicados pelo presidente da República, e podem ser substituídos a qualquer momento; a proposta estabelece um mandato com duração fixa de quatro anos, renováveis por mais quatro, para estes profissionais.
A data de início dos mandatos também seria intercalada com a posse do presidente da República, para reforçar a independência dos dirigentes do Bacen em relação ao Executivo.
Juridicamente, o Banco Central é hoje uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia. Com a mudança, o órgão pode passar a ter autonomia administrativa e financeira para organizar suas atividades.