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Por que há uma nova corrida espacial pela conquista da Lua, como na Guerra Fria

18 dez 2016 - 08h39
(atualizado às 13h25)
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Rússia quer construir bases na Lua, projeto que a China compartilha
Rússia quer construir bases na Lua, projeto que a China compartilha
Foto: ESA / BBC News Brasil

Há décadas existe a promessa de uma base na Lua. Colocamos um pé lá, e parou por aí - nossa presença no satélite natural da Terra se resume a pegadas.

Ao mesmo tempo, nos tornamos especialistas em orbitar a Terra a bordo da Estação Espacial Internacional.

No entanto, estão surgindo cada vez mais iniciativas públicas e privadas que não só anunciam um retorno à Lua, mas ambiciosos planos de colonização.

A China já revelou que pretende pousar no lado oculto da Lua (que não pode ser visto da Terra) em 2018, enquanto a Rússia prepara o pouso de sua primeira nave tripulada para 2031.

Os Estados Unidos não se manifestaram como governo, mas em julho deste ano deram permissão para a empresa privada Moon Express ir à Lua. E a NASA convocou recentemente companhias do setor privado a enviarem sugestões de experimentos que podem ser feitos por lá.

A que se deve tanto interesse?

Para o especialista em aeromecânica Leon Vanstone, da Universidade do Texas, o principal motivo é o mesmo da Guerra Fria: poder.

"Devemos lembrar que foram os russos (então União Soviética) os primeiros a enviar um homem ao espaço - eles queriam militarizar o espaço - e os Estados Unidos se apressaram então em colocar um homem na Lua", disse Vanstone à BBC mundo.

Essa demonstração de poder custou centenas de milhões de dólares e, segundo Vanstone, as então potências perceberam que o melhor para todos era realizar iniciativas conjuntas em que os gastos e responsabilidades são compartilhados (como acontece agora na Estação Espacial Internacional).

Mas o tabuleiro do xadrez geopolítico mudou.

A China está crescendo como uma potência espacial, e os Estados Unidos já não têm o mesmo status - dependem dos russos para avançar com seu programa espacial. E, conforme lembra a especialista em Direito Espacial Jill Stuart, da London School of Economics, "há muita tensão entre os Estados Unidos e a Rússia ".

"Então, há sempre uma política complicada por trás", afirmou Stuart à BBC.

Além disso, diferentemente da maioria das agências espaciais do mundo - como a NASA (EUA), ESA (Europa) ou Roscosmos (Rússia) -, o programa espacial chinês é dirigido por militares.

Estados Unidos provaram que era possível ir à Lua, mas a um custo muito alto
Estados Unidos provaram que era possível ir à Lua, mas a um custo muito alto
Foto: Getty Images

Essa seria a diferença entre o governo chinês e americano.

"Os Estados Unidos não querem dizer que o seu programa é estatal. Na sua política capitalista, preferem dizer 'vamos deixar nossas empresas privadas à frente do programa espacial'", esclarece Stuart.

Para Naveen Jain, um dos fundadores da Moon Express, as possibilidades de negócios na Lua são ilimitadas. Uma licença de uso e exploração permitiria a ele dar início a atividades de mineração, oferecer pacotes turísticos ou vender pedaços de rochas lunares como pedras preciosas.

Stuart e Vanstone deixam claro, no entanto, que essas empresas não são de todo privadas, uma vez que são financiadas com dinheiro do Estado e devem operar sob a tutela da NASA.

Por que agora?

Uma outra razão para a retomada do interesse pela Lula é a tecnologia mais barata.

"A primeira vez que o homem foi à Lua precisou de foguetes gigantes que custaram centenas de milhões de dólares", conta Jain à BBC.

Os avanços na tecnologia permitem que os foguetes sejam menores, mais leves, eficientes e econômicos.

"Estamos usando um foguete menor impresso em 3D que custa menos de US$ 5 milhões", acrescenta o empresário, que planeja enviar no ano que vem uma sonda avaliada em outros US$ 5 milhões para a Lua.

E o avanço tecnológico nos leva à terceira razão para essa "febre" pela Lua: recursos minerais e naturais.

O desenvolvimento de dispositivos inteligentes é possível graças aos raros recursos minerais da Terra, como tântalo ou tungstênio, supercondutores que fazem com que a tecnologia seja rápida, minimalista e econômica.

Jain não esconde que esse é o seu principal interesse no satélite.

"A Lua é extremamente rica em recursos. Tudo pelo que brigamos na Terra está em abundância no espaço", afirma o empresário.

"Lutamos por terra, água e combustível, sem perceber que somos um pequeno ponto azul no espaço", completa.

Vanstone concorda que esse é um interesse comercial e geopolítico importante.

"Cada vez mais pessoas estão interessadas em metais raros, e esse é o interesse de fazer a mineração na Lua", diz.

A questão é que seria muito mais caro trazer esses minerais para a Terra do que continuar a explorar o que temos aqui.

Bases lunares?

O fato de que há muitos recursos na Lua leva a outra motivação: construir bases lunares.

Com o avanço da tecnologia e a capacidade de chegar cada vez mais longe, a Lua se torna apenas um pequeno passo para a exploração do espaço.

Mas, para que isso aconteça, é preciso resolver um problema antes: combustível para viajar. Afinal, a maior parte do peso das naves lançadas ao espaço é de combustível.

Assim que a meta não for mais o nosso satélite, será Marte. E, se um dia chegarmos lá, então o desafio vai além.

Para isso, a Lua poderia ser uma parada estratégica para abastecimento.

E não apenas os Estados Unidos acreditam nisso. A China também está de olho em Marte e anunciou, recentemente, que em 2020 pretende visitar o Planeta Vermelho.

"A Lua pode ser usada como uma base, já que é feita exatamente dos materiais que precisamos", diz Vanstone.

Mas as empresas privadas não a veem apenas como uma base para abastecimento.

"Parafraseando JFK (ex-presidente americano John Fitzgerald Kennedy) 'escolhemos ir à Lua não porque era fácil, mas porque era um bom negócio', e é disso que se trata, de fazer um bom negócio", diz o fundador da Moon Express, que vê a comercialização da Lua como um negócio "grandiosamente genial".

Leon Vanstone reconhece que há muito dinheiro envolvido no espaço.

"E os primeiros a fazer negócio serão aqueles que ganharão mais dinheiro", avalia.

Mas quem pode explorar a Lua?

Na Antártida não se pode declarar soberania de nada, mas é permitido ter bases. Será assim na Lua?
Na Antártida não se pode declarar soberania de nada, mas é permitido ter bases. Será assim na Lua?
Foto: Getty Images

Esse poderia ser o risco do investimento.

Segundo o tratado sobre a exploração e utilização do espaço, assinado por 103 países em 1967, "o espaço, incluindo a Lua e outros corpos celestes, não deve ser objeto de apropriação nacional por reivindicação de soberania, uso, ocupação ou de qualquer outra forma".

Como os governos poderiam então planejar operações na Lua e conceder concessões a empresas privadas se, a princípio, ninguém tem o poder de fazê-lo?

Embora o acordo internacional afirme que o espaço é um território neutro e ninguém pode se apropriar dos corpos celestes, há diversas interpretações.

"Primeiramente, o tratado especifica que nenhuma nação deve se apropriar de qualquer corpo celeste", diz a especialista Jill Stuart. "Mas há dúvidas se as entidades não-estatais poderiam fazer essas reivindicações."

Em segundo lugar, o fato de que você não pode reclamar a propriedade, não significa que não possa ocupar o espaço.

"É como a Antártida", diz a especialista. "Você pode ter uma base lá, contanto que diga que o que está sob seus pés não é seu", afirma Stuart.

Sendo assim, Estados e empresas privadas estão à procura de brechas na legislação de quase 50 anos para abocanhar uma fatia do negócio no espaço.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos explicou por escrito à BBC que a permissão dada à Moon Express está baseada no fato de que são "as atividades privadas que desbloqueiam novas investidas espaciais e permitem avançar nossa compreensão do sistema solar, o que, sob vigilância adequada, pode beneficiar todos os países no longo prazo."

O governo dos EUA não ignora o tratado, pelo contrário, considera a responsabilidade de legislar sobre as atividades nacionais no espaço.

"A base para esta jurisdição é mais nacional do que territorial. Entre os objetivos do processo de autorização para atividades privadas no espaço está assegurar o cumprimento do tratado", afirmou.

Para Stuart, o que preocupa são outras iniciativas do governo americano para promover atividades espaciais.

Em novembro de 2015, os Estados Unidos aprovaram uma lei que permite aos cidadãos americanos explorar comercialmente e reivindicar a posse de recursos obtidos no espaço.

"Isso me perturba um pouco", admite Stuart.

"Essa lei tem o potencial de minar o acordo internacional que já está em vigor para o espaço", completa.

Na opinião de Sa'id Mosteshar, do Instituto de Direito e Política Espacial de Londres, essa legislação não cumpre os tratados internacionais.

"Parece que os Estados Unidos estão concedendo a seus cidadãos um direito que o próprio país não tem", disse Sa'id Mosteshar à BBC.

"Você não pode dar um direito nacional que não pode exercer".

Em 1979, antecipando uma futura exploração lunar, a ONU redigiu o Tratado da Lua, estipulando as condições para essa atividade.

A questão é que apenas 13 países assinaram o acordo - e nenhum deles tem recursos para participar de uma corrida espacial.

Para os especialistas, parte do problema é que essas leis foram escritas há muitos anos e não foram atualizadas.

Talvez a exploração da Lua seja inevitável. E a possibilidade de haver bases de diferentes países, como ocorre na Antártida, não está tão distante de acontecer.

Mas, para Jill Stuart, a pergunta que devemos fazer é: quem nós queremos que nos represente no espaço?

"Em breve teremos diferentes entidades pousando em corpos celestes, e acho que devemos nos perguntar quem a gente quer que vá para o espaço e nos represente".

"Eu não quero acordar daqui a 100 anos e descobrir que a Lua é da Coca-Cola", acrescenta.

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