Prisão de Odebrecht é 'duro golpe' para maior multinacional brasileira
A prisão do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, é um "duro golpe" para a maior multinacional brasileira, que se tornou um dos ícones da projeção internacional do país, dizem analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Marcelo Odebrecht e outros três executivos da companhia (Márcio Faria, Alexandrino Costa e Rogério Araújo) foram presos na sexta-feira ao lado do presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, e outros dois dirigentes do grupo (Paulo Dalmazzo e Antonio Pedro).
As prisões, efetuadas pela Polícia Federal (PF), ocorreram no âmbito da operação Lava Jato, que investiga denúncias de corrupção envolvendo políticos, empreiteiras e a Petrobras.
Obrebrecht foi apontado por delatores como o líder de um cartel que gerenciaria contratos com a estatal.
Em nota, a Odebrecht disse que os mandados de prisão são "desnecessários", já que a companhia e seus executivos "sempre estiveram à disposição das autoridades para colaborar com as investigações".
Império empresarial
Odebrecht, 47 anos, pertence à terceira geração da família que ergueu um dos maiores grupos empresariais do hemisfério Ocidental, com negócios em 23 países.
A companhia foi fundada em 1944 por Norberto Odebrecht (1920-2014), avô do atual presidente e neto de imigrantes alemães. Na época, a empresa tinha sede em Salvador e atuava apenas como construtora.
Hoje a empresa é tida como o maior grupo industrial do Brasil, com negócios nos setores de energia, biocombustíveis, defesa, seguros e petroquímico, entre outros. Também é a mais internacional das multinacionais brasileiras, segundo um ranking da Fundação Dom Cabral.
A empresa - uma das maiores doadoras de campanhas eleitorais - ocupa o décimo segundo lugar no ranking das maiores construtoras do mundo da revista Engineering-News Record.
Para o jornalista e escritor uruguaio Raúl Zibechi, autor de um livro sobre a ascensão de multinacionais brasileiras, a prisão de Marcelo Odebrecht "é um duro golpe" para a empresa.
Ele diz que a companhia "revolucionou o setor de construção" no Brasil com um método de operar "muito agressivo e eficiente", gestado por Norberto e transmitido por seu filho Emílio ao atual presidente.
A filosofia, batizada de "Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)", é definida pela companhia como um "conjunto de princípios, conceitos e critérios" que valoriza "potencialidades do ser humano, como a disposição para servir, a capacidade e o desejo de evoluir e a vontade de superar resultados".
Segundo Zibechi, Marcelo Odebrecht integra um grupo de executivos nascidos em empresas familiares que foram bastante influenciadas pela Escola Superior de Guerra (ESG), um centro de estudos ligado ao Ministério da Defesa.
"Eles têm uma visão nacionalista, que prega que o desenvolvimento econômico traz independência e soberania a um país".
Embora seja uma companhia familiar, ex-funcionários dizem que a Odebrecht é menos centralizada que outras grandes construtoras e que seus escritórios no exterior operam com grande autonomia, o que teria ajudado em sua expansão.
Eles afirmam que, ainda que Marcelo Odebrecht tenha mantido o modelo de gestão do pai e do avô, há importantes diferenças de personalidade entre os três.
"O doutor Noberto era um homem muito querido por todos", diz um ex-empregado que prefere não ser identificado. Segundo ele, seu sucessor, Emílio Odebrecht - que comandou o grupo entre 1991 e 2004 - não tinha o carisma do pai e era um "homem de negócios, mas muito acessível". Já Marcelo é descrito como "ansioso" e "arrogante".
Laços com o BNDES
Paralelamente à operação Lava Jato, a Odebrecht também tem enfrentado crescentes questionamentos sobre suas relações com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em seminário na segunda-feira em São Paulo, Marcelo Odebrecht se disse "irritado por estarmos na linha de fogo do embate político, nós que geramos empregos".
Sob forte pressão para se tornar mais transparente, o BNDES derrubou no início do mês o sigilo sobre seus financiamentos a empresas brasileiras em Cuba e Angola, que tiveram a Odebrecht como principal receptora.
Poucas semanas antes, o Ministério Público Federal (MPF) pediu informações à Odebrecht, ao Instituto Lula e ao BNDES sobre financiamentos a obras da empresa em países da África e América Latina.
O MPF analisa os dados para decidir se há base para a abertura de um inquérito, primeiro passo para uma eventual denúncia à Justiça. Segundo uma reportagem da revista , o MPF apura se Lula usou sua influência para facilitar negócios celebrados entre a Odebrecht e governos estrangeiros.
Lula, a Odebrecht e o BNDES negam qualquer infração.
Política dos 'campeões nacionais'
Para Sergio Lazzarini, professor do Instituto de Pesquisa e Estratégia (Insper) e pesquisador das relações entre o Estado brasileiro e grandes empresas, a Lava Jato está colocando "em xeque" o modelo que permitiu a ascensão da Odebrecht e outros grupos empresariais nacionais.
Esse modelo, que segundo ele "sempre vigorou no país", prega que o Estado deve ser o grande indutor do desenvolvimento."Criou-se um cenário em que os empresários buscavam se conectar com o Estado em busca de oportunidades, o que favorece procedimentos ilícitos".
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, diz que a Lava Jato pode levar a uma reavaliação da política dos "campeões nacionais", pela qual o governo favoreceu a consolidação de alguns grupos empresariais - entre os quais a Odebrecht - e que foi peça chave nas políticas da expansão brasileira em países em desenvolvimento.
Ele diz que as prisões recentes poderão ser bem recebidas por investidores estrangeiros, em um momento em que o Brasil busca no exterior apoios para reavivar a economia. "Poderá sinalizar que o Brasil é um país onde a lei é cumprida, onde o Estado de Direito funciona."
Já Cameron Combs, pesquisador da consultoria Eurasia, avalia que as prisões terão efeito contrário. "Quando empresas estrangeiras veem executivos importantes do país indo para a cadeia, sentem que o cenário político e econômico no Brasil ainda é muito imprevisível."
'Milagre econômico'
A Odebrecht se tornou uma das principais construtoras brasileiras durante o chamado "milagre econômico" (1968-1973) da ditadura militar, quando participou da construção de várias estradas, hidrelétricas e da usina nuclear de Angra 1.
Em 1979, a empresa começou a operar no exterior ao erguer hidrelétricas no Peru e no Chile. Desde então, e quase sempre amparada por empréstimos do governo, expandiu sua atuação por quase toda a América Latina, vários países africanos e os Estados Unidos, onde participou da reforma dos aeroportos de Orlando e Miami.
Um dos momentos mais emblemáticos da internacionalização da Odebrecht se deu em Angola, quando em 1984 a companhia obteve um financiamento para erguer a hidrelétrica de Capanda.
A decisão de ir a Angola foi arriscada. Poucas empresas se dispunham a atuar no país africano, então sob uma guerra civil.
Ataques ao canteiro de obras fizeram com que os operários da companhia fossem evacuados. Em estudo que baseou sua dissertação de mestrado, o psicólogo angolano João Manuel Saveia, formado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), cita o caso de um técnico brasileiro da Odebrecht que disse ter pego em armas para proteger a capital angolana, Luanda, de um ataque contra o governo local.
A aposta da companhia gerou dividendos. Quando a guerra civil angolana terminou, em 2002, a Odebrecht se valeu da relação próxima com o governo para se tornar a maior empregadora privada do país, com negócios em vários setores além da construção civil.
Angola se tornou um mercado tão importante para a Odebrecht que, em 2007, a empresa realizou ali a primeira reunião de seu conselho de administração fora do Brasil.
A empresa costuma citar sua trajetória em Angola como um sinal de seu compromisso de longo prazo com as nações onde atua.
A atuação da companhia no país africano, no entanto, está na mira do Ministério Público do Trabalho (MPT) brasileiro.
Em 2014, o MPT denunciou a Odebrecht à Justiça brasileira por, segundo o órgão, manter 500 trabalhadores em condições análogas à escravidão na construção de uma usina de biocombustíveis em Angola.
De acordo com a ação, iniciada após uma reportagem da BBC Brasil revelar denúncias de maus tratos na obra, a construtora teria praticado ainda tráfico de pessoas no transporte de operários brasileiros até a usina Biocom, na Província de Malanje.
O MPT quer que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. A empresa negou irregularidades na obra. Não há prazo para uma decisão judicial.