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Procuradoria foi 'ingênua e incompetente' ao aceitar áudio 'imprestável' como prova, diz perito contratado por Temer

22 mai 2017 - 20h58
(atualizado às 22h02)
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Ricardo Molina apresentou dados técnicos de análise da gravação da conversa entre Temer e Joesley Batista
Ricardo Molina apresentou dados técnicos de análise da gravação da conversa entre Temer e Joesley Batista
Foto: BBC Brasil / BBC News Brasil

Em entrevista coletiva na noite desta segunda-feira em Brasília, o perito Ricardo Molina, contratado pelos advogados do presidente Michel Temer para analisar o áudio da conversa entre o peemedebista e o dono da JBS, Joesley Batista, afirmou que a gravação é "imprestável" como prova.

Após esboçar uma apresentação técnica de sua perícia, Molina classificou a Procuradoria-Geral da República como "ingênua e incompetente" por ter aceitado o áudio em processo contra Temer, que tem como base a delação premiada de executivos da empresa.

"Quando a gente está tratando de prova material, não existe prova mais ou menos boa. Ou ela é boa, ou ela não presta. E essa deveria ter sido considerada imprestável desde o primeiro momento", disse.

"A pergunta que se deve fazer é: você pode garantir que essa gravação é autêntica? Um perito honesto diria não. Eu garanto para vocês: não é possível provar (que a gravação é autêntica), então ela é uma prova imprestável. A Procuradoria foi ingênua e incompetente ao aceitar essa gravação como prova."

Em quase uma hora de apresentação, Molina comparou a gravação com uma "carne podre".

"Imagine que a gente vá ao supermercado e compre picanha. E aí e tem um pedaço podre nessa picanha. A gente tira o pedaço podre e usa o resto? Eu, pelo menos, vou jogar tudo fora. Essa gravação é explicitamente corrompida."

Apresentado por representantes da defesa de Michel Temer, o perito começou sua apresentação citando as inúmeras "descontinuidades" registradas na gravação, que, segundo ele, poderiam ser percebidas por qualquer "pessoa normal". Segundo ele, "o áudio tem problemas que são detectáveis até pelos leigos."

Molina criticou o gravador utilizado por Joesley Batista para registrar a conversa, dizendo que é de uma qualidade "muito pequena". O equipamento, disse, custaria "R$ 26 no Mercado Livre".

"É uma qualidade tão pequena (do gravador), que causa estranheza uma gravação tão importante ter sido feita com um gravador tão ruim."

Trechos 'ininteligíveis'

Entre os pontos apontados pelo perito para desconfiar da gravação estão inúmeros "pontos de descontinuidade" e a quantidade de trechos "ininteligíveis", especialmente nas falas do presidente Michel Temer.

Ele critica a forma como partes da gravação estão sendo chamadas - "sequências lógicas" - e afirma que, diante do material divulgado, não é possível dizer que haja qualquer sequência lógica no áudio.

"Mais da metade do áudio é ininteligível da parte de um dos interlocutores - no caso, do presidente Temer. Não dá para saber se essas sequências apresentadas são 'sequências lógicas', porque eu não estou escutando um dos interlocutores. Existem trechos e mais trechos em que isso acontece", observou.

"Em um dos intervalos de 17 segundos (ele cita os minutos em que justamente Joesley fala com Temer sobre (Eduardo) Cunha, e o presidente responde 'Tem que manter isso, viu'), foram detectados cinco pontos de dúvida. Existem dezenas de pontos de descontinuidade na gravação, esses pontos são potenciais pontos de edição, ate que provem o contrário", disse.

"Se ele apresentar a (gravação) original, acabam essas dúvidas? Não, porque eu nunca vou saber identificar se uma gravação digital é a original. Qualquer outra (versão) que venha não vai me dizer nada."

Governo Temer enfrenta sua pior crise
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Foto: MARCOS CORRÊA/PR / BBC News Brasil

Molina citou ainda outro trecho polêmico que tem sido destacado da gravação, quando Joesley Batista teria respondido "todo mês" à fala do presidente "tem que manter isso aí, viu?" - segundo o delator, o peemedebista teria dado aval a pagamento para silenciar Eduardo Cunha, o que Temer nega.

Segundo o perito, o dono da JBS disse, na verdade, "tô no meio".

"Só para ter uma ideia da qualidade da gravação, aqui aquele famoso trecho que tem sido destacado, não é 'todo mês' o que Joesley diz, e sim 'tô no meio'. Ele não falou a palavra mês, porque procurei a palavra mês de outras vezes em que o Joesley falou. Não tem 's' nenhum [no final], é 'tô no meio', é isso que ele fala", disse.

O trecho destacado seria esse:

Joesley: "Eu tô de bem com o Eduardo." Temer: "Tem que manter isso, viu? [...]" Joesley: "Todo mês, também, e tô segurando as pontas, tô indo." - aqui, segundo o perito, a fala de Joesley teria sido "tô no meio".

Originais

Questionado sobre sua declaração ao jornal Folha de S. Paulo sobre ser preciso ter acesso ao gravador original para poder analisar a gravação, Molina respondeu que "gostaria muito desse gravador até pra saber se foi ele que foi usado mesmo. Mas algumas perguntas podem ser respondidas sem ele. Com ele, a gente poderia saber, por exemplo, se ele pode ter defeito sistêmico".

O perito ainda criticou o fato de a Procuradoria-Geral da República ter aceitado essa gravação sem pedir a original.

"O que me deixa preocupado é que, quando se recebeu essa gravação, por que não pediram a original? Porque era óbvio que ela não era original."

Ao finalizar a entrevista, Molina reiterou que "não dá pra levar uma gravação dessas a sério".

Ouvidos pela BBC Brasil, qualquer análise conclusiva sobre a gravação da conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer sem o áudio original e o aparelho usado para registrá-lo.

"Idealmente, você precisa da gravação original. Caso ela não seja fornecida dentro do gravador usado para registrá-la, qualquer conclusão (sobre se houve edição ou não) fica muito suspeita", disse Adrian Phillips, perito em fonética forense da Clarity Forensic Services, empresa registrada na Agência de Crime Nacional do Reino Unido (NCA, na sigla em inglês).

Na última sexta-feira, a defesa de Temer solicitou ao STF a suspensão de inquérito instaurado para investigar o presidente por suspeita de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça até que a perícia do áudio da conversa gravada pelo empresário fosse realizada.

A investigação havia sido aberta com base no acordo de delação premiada de Joesley.

A presidente da corte, Cármen Lúcia, afirmou que o pedido dos advogados só será julgado pelo plenário quando todos os laudos periciais forem entregues a Fachin, ministro responsável pelo caso.

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