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'Qual o problema do uniforme branco? Ganho mais que muita gente em escritório'

16 mar 2016 - 13h41
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Babás levam crianças para passear no parque Buenos Aires, em São Paulo
Babás levam crianças para passear no parque Buenos Aires, em São Paulo
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

A foto da babá Maria Angélica de Lima, 45, vestida de branco enquanto empurra um carrinho de bebê com os filhos do patrão e vice-presidente de finanças do Flamengo, Claudio Pracownik, causou muita polêmica nas redes sociais nos últimos dias.

A babá, as crianças e seus pais foram clicados quando seguiam para o ato que pediu o impeachment da presidente Dilma, em Copacabana, no último domingo (13). A imagem foi compartilhada milhares de vezes.

Apenas a foto publicada no perfil pessoal do músico Tico Santa Cruz no Facebook, com a legenda "Emblemática", foi compartilhada 77 mil vezes. Muitas pessoas demonstraram apoio ao dirigente do Flamengo. "Emblemático do quê? Ninguém está chicoteando a moça. Se você vê algum racismo nessa foto, o racista é você. Se vê algum ensejo à luta de classes, é um retrógrado", dizia um comentário que recebeu 23 mil curtidas.

Outros comentários, por outro lado, desaprovaram a atitude da família dizendo que a imagem retrata a "exploração dos negros" que ainda persiste no país. "O dia em que uma criança filha de rico sonhar em ser babá ou empregada doméstica, a gente conversa sobre: 'é um emprego como qualquer outro'."

A BBC visitou nesta terça-feira parques com grande circulação de babás e buscou em redes sociais a opinião de babás sobre o caso.

Babá passeia com carrinho de bebê no "parque das Babás" em área nobre de São Paulo
Babá passeia com carrinho de bebê no "parque das Babás" em área nobre de São Paulo
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

No parque Buenos Aires, conhecido como "Praça das Babás", em Higienópolis - área nobre da região central de São Paulo -, cerca de 30 babás circulavam por volta das 10h. Algumas desconheciam o caso polêmico, mas a maioria aprovou a atitude do dirigente do Flamengo.

"Se ele está pagando meu salário, pode exigir que eu vista determinada roupa no meu horário de trabalho. E nesse protesto contra o governo que tirou nosso dinheiro nos últimos anos eu iria até de graça", disse Auricélia Custódio, 32, enquanto embalava a Theodora num carrinho.

Por outro lado, a babá Vera Lucia de Godoi, 54, encontrada em redes sociais, disse que o uniforme é uma forma dos patrões usarem os funcionários como objeto de ostentação e poder. "É como se ele estivesse dizendo para as outras pessoas: 'Olhem, eu posso pagar uma funcionária e mandar nela'", afirmou.

Ela também afirmou que não aceitaria ir a protestos durante seu expediente. "Não é porque sou babá que sou obrigada a ir a uma manifestação cheia de gente com más intenções e onde pode ter violência a qualquer hora. Também acho irresponsável alguns pais levarem seus filhos a um ambiente desses, ainda mais sob sol forte."

'Ganha por isso'

No mesmo dia em que a foto viralizou, o dirigente flamenguista publicou um texto em sua página no Facebook no qual afirmou que a babá trabalha apenas no fim de semana e ganha por isso. "Não a trato como vítima, nem como se fosse da minha família. Trato-a com o respeito e ofereço a dignidade que qualquer trabalhador faz jus", diz um trecho da mensagem que tinha sido compartilhada mais de 115 mil vezes até a noite desta terça.

Toda de branco, Renata Cardoso da Silva, 30, cuida de bebês gêmeos e também apoia o dirigente carioca. "Qual o problema de usar uma roupa branca? Isso não me faz pior do que ninguém. Pelo contrário, ganho melhor que muita gente que trabalha em escritório com ar-condicionado", disse.

Babás que estavam próximas dela no parque Buenos Aires demonstraram insatisfação com a opinião da companheiras de profissão, mas se recusaram a falar com a reportagem, mesmo sob a condição de anonimato. "Não concordo", se resumiu a dizer uma delas.

Babá leva carrinho de bebê enquanto mãe carrega a criança em parque de São Paulo
Babá leva carrinho de bebê enquanto mãe carrega a criança em parque de São Paulo
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Em entrevista ao jornal carioca Extra , a babá que aparece na foto polêmica disse que o uso do uniforme é um dever dela. "Desde o momento que a gente trabalha e tem uniforme, a gente tem de usar. Tem casas que não pedem, outras precisam. Eu acho até melhor porque preserva mais as nossas roupas. E tudo eles que dão. Eles dão sapato, calça, bermuda, blusa", afirmou ao periódico.

A mulher do vice-presidente de finanças do Flamengo, Carolina Maia Pracownik, também usou as redes sociais para rebater os comentários contrários e criticar a repercussão do caso. "Estou extremamente chocada e assustada com a nossa exposição forçada e com tamanha crueldade, violência expressa e ódio gratuito", relatou em seu perfil no Facebook.

"Existe um 'dress code' para diversas profissões: médico, enfermeiro, porteiro, dentista, policial, bombeiro, advogados etc. E por qual razão as babás, com sua profissão regulamentada, não podem usar branco, traduzindo paz e assepsia ao cuidar de uma criança? Este argumento de discriminação é inaceitável e preconceituoso", diz outro trecho do texto publicado por Carolina.

A babá Edilene Maria de Lima Silva, 56, também defende o uso de uniformes no trabalho. "É muito mais higiênico trabalhar com uma roupa branca e limpa todos os dias. Eu já trabalhei assim em muitas casas. Foi ótimo e não senti nenhum preconceito nesse período", disse.

Polêmica antiga

O debate sobre o uso de uniformes por empregadas é antigo, mas aqueceu nos últimos anos em São Paulo quando a babá de uma advogada foi proibida de entrar sem uniforme no clube Pinheiros, na zona oeste, em 2015. Os clubes que fazem essa exigência passaram a ser investigados desde então pela Promotoria.

Na época, o Clube Pinheiros afirmou à BBC Brasil que "a utilização de uniforme na cor branca pelas babás está devidamente regulamentada através de normativa interna do clube" e afirmou que "assim como é comum em organizações a utilização de uniforme e crachá, o Pinheiros adota o mesmo tipo de sistema".

Por outro lado, a promotora de Justiça que investigava o caso, Beatriz Helena Budin Fonseca, disse que a medida é discriminatória. "Ao exigir o uso de determinada roupa pelas babás, o clube pretende marcar as pessoas que estão no local, circulando entre os sócios, mas que pertencem a outra classe social."

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