Quase 90% dos partos na rede privada são por cesariana
A OMS recomenda que apenas 15% dos nascimentos sejam realizados por meio desse procedimento cirúrgico
Apesar da Organização Mundial de Saúde recomendar que somente 15% dos partos sejam realizados por cesariano no Brasil esse número chega aos 88% dos nascimentos no setor privado e 52% no setor público, segundo dados da pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela Fiocruz em parceria com diversas instituições científicas do País.
O estudo, o maior do gênero já realizado no Brasil, entrevistou 23.894 mil mulheres em maternidades públicas, privadas e mistas em 191 municípios cidades diferentes. Para a coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal, o número excessivo de cesarianas expõem desnecessariamente as mulheres e os bebês a riscos desnecessários e tem forte influência cultural. “O índice elevado de cesarianas se deve a uma cultura arraigada no Brasil de que o procedimento é a melhor maneira de se ter um filho. Em parte porque, no Brasil, o parto normal é realizado com muitas intervenções e dor”, diz.
Quase 70% das brasileiras, segundo a pesquisa, desejam um parto normal no início da gravidez. No entanto, ao longo da gestação as mulheres acabam mudando de ideia. Em parte por falta de incentivo médico e em parte por falta de apoio da família e amigos. “Há certamente uma influência do pré-natal na decisão das mulheres pelo tipo de parto, mas as amigas e os familiares também influenciam. Não se pode, entretanto, deixar de destacar que é uma visão equivocada achar que a cesariana é a forma mais segura para parir”, explica Maria do Carmo.
O estudo aponta ainda que entre as gestantes que tiveram parto normal houve predominância de um modelo de atenção extremamente medicalizado, com intervenções excessivas e uso de procedimentos que, além de não serem recomendados pela OMS como de rotina, provocam dor e sofrimento desnecessários. A maior parte das mulheres relatou ter ficado restrita ao leito, sem estímulo para caminhar e sem se alimentar durante o parto. Também foi constatado o uso de medicamento para acelerar as contrações e que muitas gestantes deram à luz deitadas de costas, muitas vezes com alguém apertando suas barrigas.
Segundo a pesquisa 30% das entrevistadas não desejaram a gestação atual, 9% ficaram insatisfeitas com a gravidez e 2,3% relataram ter tentado interromper a gestação. Casos de depressão materna foram detectados em 26% das mães entre 6 e 18 meses após o parto, sendo mais frequente entre as mulheres de baixa condição social e econômica, nas pardas e indígenas, nas mulheres sem companheiro, que não desejavam a gravidez e já tinham três ou mais filhos.
A pesquisa também mostra que a atenção pré-natal no País é baixa, com 60% das gestantes iniciando o procedimento tardiamente, após a 12ª semana gestacional, e cerca de um quarto delas sem receber o número mínimo de seis consultas recomendado pelo Ministério da Saúde. A mortalidade neonatal, por sua vez, esteve associada ao baixo peso ao nascer, ao risco gestacional e à inadequação da atenção ao pré-natal e ao parto, indicando uma qualidade não satisfatória da assistência.
O estudo ainda revela a precariedade das instituições médicas no que diz respeito ao parto, com escassez de medicamentos e equipamentos mínimos necessários aos atendimentos de emergência voltados à mulher e ao recém-nascido. As regiões com maior deficiência são a Norte e a Nordeste, seguidas pela Centro-Oeste, principalmente em estabelecimentos públicos e mistos. Já as regiões Sul e Sudeste apresentam índices próximos ou até superiores ao patamar da rede privada. A pesquisa também indica que o SUS foi o responsável pelo pagamento de 80% do total de partos, ocorridos em maternidades públicas e mistas.